Como corredor amador nunca imaginei que poderia ter a sensação semelhante à de um atleta olímpico ao cruzar a linha de chegada dentro de um estádio sob os olhares e incentivos de mais de 80 mil pessoas e celebrar uma vitória pessoal. Foi exatamente esta sensação incrível que pude experimentar ao participar da 27ª Maratona de Pyongyang, no dia 13 de abril.
A Mangyongdae Prize International Marathon, como também é conhecida, acontece sempre no mês de abril e faz parte das celebrações do aniversário do ex-presidente Kim Il Sung. Pela primeira vez na história, um dos países mais fechados do mundo liberou seu evento para a participação de estrangeirosnão profissionais.
No total, aproximadamente 200 corredores de 27 nações participaram da prova, que também contou com meia-maratona e 10km. A disputa, que tem selo bronze da IAAF, foi sensacional e histórica por dar indícios de que o regime comunista e ditatorial do país está se abrindo para a comunidade internacional, numa tentativa de mudar a imagem negativa que tem.
As três distâncias têm início e chegada no Estádio Olímpico, onde ao mesmo tempo acontecem outros eventos, como parte das comemorações. A organização da corrida é digna de prova olímpica, pois os corredores, inclusive os amadores, entram no estádio enfileirados e caminham até o centro do gramado, onde ouvem o hino nacional antes da largada. O percurso é dividido em voltas de aproximadamente 10km e quase todo plano, passando por pontos importantes da cidade, incluindo o Arco do Triunfo, o Monumento ao Comunismo e as enormes estátuas de bronze da família Kim.
A população acompanha a corrida durante todo o percurso e apoia os atletas com palavras de incentivo, mas também com olhares mistos de estranheza e ao mesmo tempo admiração. A explicação para isso deve ser devido ao reduzido número de turistas que visitam a Coreia do Norte ao longo do ano: apenas 5 mil em média – de acordo com dados de agências de turismo do governo norte-coreano.
Alguns fatos demonstram como o regime é rígido em relação aos visitantes estrangeiros e reforçam a representatividade histórico-diplomática que esta maratona teve para o país. Desde a chegada ao aeroporto, o meu grupo, composto por 20 corredores amadores, foi acompanhado durante o tempo todo por guias e não podíamos sequer ir ao banheiro de locais públicos desacompanhados dos mesmos. Fomos apenas a restaurante para estrangeiros e também não podíamos sair sozinhos do hotel. Mas nada disso desmereceu o evento. Pelo contrário, a satisfação dos estrangeiros foi geral e todos com que pude conversar foram unânimes em dizer que havia sido uma das competições mais incríveis de que já haviam participado. Acho que isso contribuiu para minha performance e mesmo sem estar em boa forma, consegui fazer minha melhor marca em meia-maratona (1h33), ficando em quinto lugar geral dos amadores.
Apesar de ter consciência de que não é um tempo excelente, tenho brincado com meus amigos que posso ser considerado o detentor do recorde brasileiro da meia-maratona de Pyongyang; e talvez esta marca perdure por alguns anos, a menos que alguns dos leitores da Contra-Relógio possam se inspirar nesta matéria e viajem à Coreia do Norte para tentar quebrá-la.
* Roberto Soares Toledo, assinante de Montes Claros, MG,
mora atualmente na China.