Tudo em cima – Claudia Andrade – abril 2009
Fazer musculação já faz parte da rotina de muito corredor, visando reforçar a musculatura para suportar a carga de treinos e prevenir lesões. Nos últimos tempos, contudo, o Pilates tem se tornado um método mais popular, prometendo, entre outras coisas, aumentar o condicionamento físico e fortalecer a musculatura, ou seja, os mesmos benefícios encontrados na musculação. Muitos corredores resolveram associar as duas modalidades, outros decidiram trocar uma pela outra. Mas, afinal, é uma boa idéia deixar de fazer musculação para ter o Pilates como único trabalho complementar de fortalecimento dos músculos? A Contra-Relógio ouviu especialistas para buscar a resposta a esta questão. E a tese que prevaleceu foi a que defende a associação dos dois exercícios.
“Os dois são bons, cada um com benefícios diferentes. O ideal seria fazer musculação três vezes por semana e Pilates duas vezes, alternadamente”, aconselha o personal trainer Alan Lucena, da academia Runway de Brasília. “O que a musculação deixa de vício postural, o Pilates vem para corrigir, porque trabalha a flexibilidade e também um pouco de resistência”, completa.
A educadora física Maria Cristina Abrami, do Centro de Ginástica Postural Angélica (CGPAPilates), em São Paulo, também aponta benefícios da prática conjunta de Pilates e musculação, diferenciando os resultados das duas atividades para os corredores. “No caso de atletas de alto nível onde o treinamento tem que ser mais específico e periodizado, o Pilates seria um elemento a mais que levaria o atleta a se recuperar de possíveis exageros, no reequilíbrio corporal e na prevenção de lesões. O trabalho muscular com carga maior seria realizado pela musculação”, compara.
A musculação treina grandes grupos musculares com objetivo de hipertrofia muscular com aumento da força ou de resistência muscular, com aumento da força, mas sem hipertrofia – mais comum no caso de corredores. O Pilates, por sua vez, tem como objetivo o reequilíbrio muscular, melhora da postura e definição dos músculos sem hipertrofia e sem sobrecarga articular, como explica a professora.
Pode ou não pode?
Para Alan Lucena, o corredor não deve abandonar a musculação por conta do Pilates. “Mesmo odiando a musculação, é importante fazer, nem que seja o mínimo de exercícios para os principais grupos musculares como lombar, abdomen, panturrilha”, ressalta. “Em 15 minutos dá pra fazer isso, ou até mesmo em casa, com o uso de caneleiras, depois de uma prescrição do professor”. O que o Pilates poderia substituir, em sua opinião, seriam aulas específicas de alongamento.
Cícero Campelo Neto, coordenador do clube de corrida Spaço Uno, de Brasília, tem opinião diferente. Para ele, o Pilates pode substituir a musculação, oferecendo benefícios ainda maiores. “O que é a musculação? É um estímulo elétrico do músculo. Isso o Pilates também faz, só que com molas, usando o próprio peso do corpo”, avalia. “Com a vantagem que a mola também trabalha a fase negativa do movimento, porque não tem a ação da gravidade; você não vai soltar a força na volta do movimento, como geralmente acontece nos aparelhos de musculação”, acrescenta.
Ele ressalta que o Pilates também trabalha a flexibilidade, essencial para quem pratica a corrida. “O corredor precisa estar forte e alongado. O Pilates melhora a mecânica de corrida, porque melhora muito a postura e faz uma reorganização muscular, além de trabalhar a respiração”.
Cícero também destaca a prevenção de lesões como outro aspecto positivo do método. Antes de pesquisar a modalidade, ele foi professor de musculação e diz que enfrentou problemas com alunos corredores. “Um aluno tinha uma dor tibial constante. Conseguia correr uma semana e na outra diminuía o ritmo. Com o Pilates descobri que, na verdade, o que ele tinha era um encurtamento de glúteo. Trabalhamos para corrigir esse erro de postura e hoje ele corre normal, sem dor”, exemplifica.
Segundo ele, é possível adaptar as aulas ao treinamento de corrida do aluno. Depois de uma prova longa, seria feito um trabalho de amplitude, sem muita força, mais para relaxamento muscular. Quando o treinamento de corrida buscasse força, as aulas de Pilates seguiriam a mesma linha, também puxando mais a força nos exercícios.
Sem polêmica
O médico do esporte e consultor da seção Medicina Esportiva da Contra Relógio, José Marques Neto, afasta a polêmica, dizendo que o melhor método é aquele ao qual o corredor mais se adapta e o que mais gosta. “Em algumas épocas ele pode fazer mais musculação, em outras, mais Pilates. Eu deixo em aberto para a pessoa escolher, porque acho que o mais saudável é fazer atividades diferentes como complemento dos treinos de corrida”, recomenda.
Ele mesmo, praticante de musculação e corredor, fez aulas de Pilates durante três meses “para poder conhecer melhor e orientar meus pacientes”. O médico conta a principal diferença que identificou entre os dois exercícios: “O Pilates trabalha a musculatura do centro do corpo, com um desenvolvimento abdominal e de tronco, que não é normalmente trabalhada com os aparelhos da musculação.”
No entanto, José Marques diz que a musculação garante a proteção da musculatura dos corredores e que não há preocupação com a hipertrofia. “Encontrar problemas de hipertrofia muito acentuada em corredores é raro, porque nosso nível de intensidade nos exercícios é baixo”.
Cícero Campelo, ao contrário, acredita que sem alongamento, a musculação pode trazer prejuízos. “Se o corredor fizer um trabalho de tiro com a musculatura encurtada, corre o risco de arrebentar essa musculatura”, adverte. Daí a importância do alongamento, que podem vir de aulas específicas ou, na opinião de Campelo, do Pilates, que alia força e flexibilidade.
Já Alan Lucena diz que a musculatura só não aguentará a carga se for buscada uma hipertrofia em curto prazo. “O trabalho de musculação tem que ser progressivo, programado e de crescimento constante. Não se pode buscar hipertrofia de uma hora para outra”.
Resultados mais lentos
A professora Maria Cristina Abrami alerta que aqueles que buscam ganhar massa muscular e força em musculaturas específicas devem procurar a musculação, que permite que se façam várias repetições do mesmo movimento.
“No Pilates, os exercícios são executados com no máximo dez repetições e a evolução do treinamento se dá não pelo aumento das repetições, mas sim pelo maior número de exercícios (diferentes) para o mesmo grupo muscular. O objetivo é o máximo controle e precisão de movimentos”, diferencia.
Desta forma, ela afirma que o corredor que já possui um bom condicionamento físico evolui mais rapidamente na técnica, trabalhando força e alongamento de forma simultânea. Comparando iniciantes e corredores mais treinados, Cristina diz que o primeiro grupo fará um trabalho muscular “mais consciente” com o Pilates, “preparando a musculatura de uma forma mais equilibrada. Os mais preparados observarão uma reorganização postural e o alívio das tensões causadas pela prática repetitiva de movimentos.” A especialista lembra, contudo, que existem poucos trabalhos cientificos sobre o Pilates e, por isso, “não podemos afirmar que o trabalho de resistência muscular seria similar” ao que é proporcionado pela musculação.
O personal trainer Alan Lucena diz que os resultados do Pilates são mais lentos porque a execução dos exercícios exige uma concentração maior, uma vez que os movimentos são mais complexos. Por isso, as aulas devem sempre ser orientadas por um professor.
Esta é outra vantagem do Pilates sobre a musculação, na defesa feita por Cícero Campelo. Para ele, quem não gosta do ambiente de academia encontrará algo completamente diferente nos estúdios de Pilates. “Primeiro que o Pilates não tem aula pré-determinada, com fichinha de exercícios”, alfineta, referindo-se às planilhas usadas pelas academias para os treinos de musculação. Além disso, continua Campelo, as músicas são calmas e o público é reduzido, o que faz com que o professor se torne quase um personal trainer para cada aluno. “Mas tem que ser o Pilates original, não essas alternativas que vendem por aí, chamando de Pilates com bola, por exemplo. O original só tem um”, diz.
Cristina Adami finaliza a discussão dizendo que “não seria o caso de substituir o Pilates pela musculação”, por não haver comprovação científica sobre a equivalência dos dois métodos. “O que existe são muitas vantagens em se praticar o Pilates sozinho ou associado à musculação”.