Performance e Saúde Redação 5 de novembro de 2012 (0) (503)

Para que serve monitorar a frequência cardíaca?

Todo mundo que participou no mínimo de uma prova de 10 km passou por algum corredor e ouviu aquele bip constante, quando você supera a zona programada no frequencímetro. Isso se o "autor" do barulho não for você mesmo. Ou alcançou um amigo, começou a correr com ele, os dois em bom ritmo, conversando, quando ele reduz e diz: "Preciso diminuir, meu batimento está acima do previsto". Daí, sabendo que ele não tem qualquer problema cardíaco, você questiona. "Mas estamos correndo fácil, você não está se sentindo bem?". Claro que está, mas acabou de ser "freado" pelo frequencímetro.

Há treinadores que utilizam esse monitoramento nos treinos (poucos em provas, é verdade). Outros que passam longe dessa forma de trabalhar. Certo? Errado? Consenso? Isso não existe. Nesse caso, vale o mesmo que para muitos outros temas relacionados à corrida, ou seja, o bom senso, principalmente porque os críticos ao frequencímetro lembram que fatores externos diários (noite maldormida, cansaço e estresse, por exemplo) influenciam diretamente no batimento.

No livro "The Big Book Of Endurance Training and Racing", numa tradução livre "O Grande Livro de Treinamento de Resistência e Competição", o americano Philip Maffetone, que entre outros treinou Mark Allen (seis vezes primeiro colocado no Ironman do Havaí), defende o treino leve com base na frequência cardíaca. Ele usa o monitoramento do batimento para determinar a faixa de treino de "máxima performance aeróbica". Philip recorre a um cálculo bem simples: 180 – idade, havendo alguns parâmetros que devem ser usados para que se aumentem cinco batimentos para cima ou para baixo.

De acordo com ele, quatro meses devem ser dedicados ao treinamento puro no "máximo de performance aeróbica" ou MPA, para só depois incluir a qualidade – ou simplesmente competições. No período de MPA, por exemplo, se você tem 40 anos, deve trabalhar até 140 bpm. Então, se está fazendo a rodagem e chega a 145, começa a caminhar. Isso mesmo, anda até ficar novamente abaixo de 140. Se encara uma subida, no começo terá de caminhar. Funciona? Claro que sim. É uma forma de metodologia.

 

FC DÁ SEGURANÇA.  Rosa Naimara, da assessoria Maxxyma, de Curitiba, diz que a frequência cardíaca é a maneira fácil e segura de trabalhar a individualidade de cada corredor. "Antes de iniciar os treinos e depois uma vez por ano, solicitamos aos nossos alunos uma ergoespirometria (exame que pode ser feito pelo plano de saúde) com a qual o médico avalia os limiares pertinentes ao treinamento", diz. Basicamente, Naimara explica essa classificação:

Limiar 1 (L1) – "Onde a pessoa começa inspirar uma quantidade de oxigênio e expirar a mesma quantidade de gás carbônico. Nesse momento podemos dizer que ela está fazendo uma atividade aeróbia."

Limiar 2 (L2) – "Onde o avaliado inspira uma quantidade de oxigênio menor que a quantidade de gás carbônico expirada. Nessa fase já está ocorrendo um acúmulo de ácido láctico, esse é o limiar anaeróbio."

Limiar 3 (L3) – Esforço máximo. Nesse ponto é medida a frequência cardíaca máxima alcançada e o VO2 máximo (a capacidade máxima de absorver oxigênio), definida em ml.kg/min."

De acordo com Naimara, geralmente corredores que estão treinando para longas distâncias demoram para chegar ao L1 e ficam um tempo considerável até atingir o L2. "Já os de curta distância suportam bastante tempo entre o L2 e o L3", afirma. "Com esses dados em mãos, conseguimos saber o que é preciso ser treinado para o próximo objetivo do atleta."

A treinadora lembra, entretanto, que uma variável muito importante é a percepção de esforço. "Geralmente corredores mais antigos ou ex-atletas acham tudo muito fácil e só se sentem bem quando dão o máximo em cada treino, por isso seguir apenas a percepção de esforço com essas pessoas é garantia de lesão", afirma Naimara.

Ela dá um exemplo: "Teoricamente, um treino leve deve ficar entre o início do L1 e o meio dele; no máximo próximo do L2. Mas o corredor experiente fica próximo do L3, achando que está tudo tranquilo… O mesmo acontece no contrário, com pessoas sedentárias considerando tudo muito difícil e quando é colocado um treino leve, de acordo com a frequência cardíaca, elas acham mais difícil ainda. Se tivermos como base a FC e a percepção de esforço, poderemos chegar a um treino com parâmetros fisiológicos bons e sem desmotivação."

Na Maxxyma, Naimara lembra que para os iniciantes a prescrição é toda feita em cima da frequência cardíaca; já para alunos que correm há algum tempo, esse controle acontece no início de uma periodização, no polimento (pré-competição) e no pós-prova. "Quando os treinos são prescritos por ritmo ou velocidade, eles são orientados a anotar na planilha a FC média e máxima de cada treino. Não monto tática de prova com base na FC (apenas em casos muito específicos), mas se o aluno estiver de GPS e colocar a fita (no tórax para pegar os batimentos), eu agradeço. Os gráficos podem me ajudar bastante nas próximas provas desse aluno, pois saberei como ele se comportou. Quanto mais dados, melhor."

 

ATÉ NA OLIMPÍADA. Essa é uma técnica adotada por muitos treinadores atualmente. Quem acompanhou a maratona olímpica de Londres percebeu vários atletas correndo com GPS. Estavam olhando, monitorando a prova? Não. Mas depois o relatório acaba sendo útil aos treinadores, que podem avaliar todo o desempenho por meio dos gráficos.

O técnico de corrida Paulo Santos, de Vargem Grande Paulista, adota um meio termo: só baseia os treinos na frequência cardíaca quando o aluno faz o exame ergoespirométrico, para ter uma informação mais precisa. "Com o resultado do teste eu tenho informações muito importantes das zonas de treinamento (L1 e L2 e Vo2 max) e suas condições físicas ‘ideais' para cada fase do treinamento", explica.

Como Naimara, ele também defende que, usando os limiares anaeróbios (L1 e L2), o corredor treina com mais eficácia e segurança, incluindo os de alta intensidade, como no período de tiros ou intervalados. "E consegue cadenciar de maneira ideal para as rodagens e longos (utilizando a FC na zona entre L1 e L2) e nas corridas regenerativas (uma FC mais baixa)." Segundo Paulo, trabalhando dessa maneira, o próprio corredor entende e aprende os motivos de treinar dentro daquela FC pré-determinada em cada etapa ou fases dos treinos e provas.

 

SÓ NO RELÓGIO. Para Marcelo Camargo, técnico e corredor em Belo Horizonte, frequência cardíaca não é um parâmetro para o treinamento. "Minha posição está voltada para atletas já bem condicionados, que não apresentam riscos coronarianos e que desejam melhorar sua velocidade de corrida e consequentemente reduzir seus tempos em provas."

O questionamento principal de Marcelo é o seguinte: "Por que treinar controlando a FC se na hora de uma prova poucos se importam com a FC e sim com o tempo que desejam fazer? Em parques, praças e avenidas, nos deparamos com diversos corredores e seus frequencímetros. Cada um realizando um treinamento diferente dentro de uma faixa de frequência cardíaca também diferente, de acordo com o método de treino utilizado. Daí surge outra dúvida: Qual faixa de porcentagem ideal da frequência cardíaca devemos fazer em cada um destes treinos?", indaga.

Segundo Marcelo, um treino longo deve ser baseado em qual porcentagem: 60 a 80%, 65 a 75% ou 70 a 85%? Dentro desses parâmetros, as variações são enormes. "Encontramos na literatura variações para faixa ideal de porcentagem da FC relacionada a cada método de treino. Então se sugere uma média de FC durante a corrida, por considerar que tal zona seria a ideal. Se utilizarmos qualquer uma das três faixas citadas, consequentemente se muda também a velocidade de corrida, pois correr a 60% é bem diferente de correr a 85% da FC."

De acordo com ele, um treinamento só será eficiente com organização, planejamento e total controle dos componentes de carga: volume (distância); intensidade (velocidade); duração (tempo); frequência (número de treinos na semana) e densidade (relação entre estímulo e pausa). Além disso, Marcelo lembra que as diversas fórmulas existentes para calcular essa FC e as zonas-alvo podem induzir ao erro, subestimando a intensidade aplicada ao treino do corredor.

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