Releitura Redação 5 de outubro de 2020 (0) (110)

Para os que não têm e para os que pretendem ter treinador

ATUALIDADE – Por Fernando Beltrami – janeiro 2011

 

Na edição de outubro a CR publicou uma matéria sobre corredores que nunca tiveram assistência para montar seus treinamentos, ou mesmo que já tiveram, mas que resolveram abandonar seus treinadores e trilhar seus próprios rumos. O texto ainda repercutiu no mês seguinte, com a publicação da carta de um treinador, dizendo que pensava que sua entrevista havia sido mal interpretada, e defendendo porque achava importante correr com a supervisão de alguém.

Mas qual é, ou ao menos qual deveria ser, a real diferença entre treinar com acompanhamento ou seguir uma planilha como as oferecidas pela CR ou mesmo sem qualquer auxílio externo? Corredores iniciantes ou mesmo os mais experientes chegam e ficar perdidos diante de tantas opções, pois com o mercado de corrida (que alguns insistem em chamar de running) em franca expansão, educadores físicos e academias buscam desesperadamente não perder o trem que está passando, e o resultado é que a cada prova ou evento de corrida mais e mais tendas e barracas de assessorias esportivas e grupos de treino são montadas, sempre tentando conquistar novos clientes.

Diversos fatores pesam na balança na hora de escolher se é preciso ou não buscar auxílio externo e onde esta ajuda deve ser encontrada, porém, ao contrário do que muitos possam pensar, a cor da camiseta de uma equipe não deve ser um dos motivos principais influenciando a decisão. Antes de entrarmos de vez no assunto, cabe aqui uma pequena declaração de conflito de interesses: sendo educador físico, e tendo sido levado ao curso pela vontade de trabalhar com corrida, é bem improvável que ao longo do texto uma figura que se assemelhe a minha ou ao que ofereço enquanto treinador não venha a ser defendida como um modelo quase ideal, mas acho que isso é justificável, mesmo porque que tipo de profissional cria para si um modelo que julga ser longe do ideal? Mantendo isto em mente, seguimos em frente. Iremos abordar os diferentes tipos de corredores e opções de treinadores, em crescente grau de complexidade, e analisar caso a caso as vantagens e desvantagens, para que você tenha uma melhor capacidade de fazer sua escolha.

Os estagnados. Foi difícil criar um nome para este grupo, mas a figura é muita conhecida por todos. Existem aqueles corredores que há vinte anos correm nas segundas, quartas e sextas, sempre por uma hora e sempre fechando onze quilômetros. Claro, os meus valores de dias da semana, volume e velocidade de corrida são hipotéticos e poderiam ser quaisquer outros, mas o importante é que estes corredores realizam religiosamente o mesmo treino durante boa parte de suas carreiras. Na verdade este “sistema” de treinamento não precisa ser tão fixo e também se incluem aqui aqueles corredores que fazem pequenas variações de volumes, a esmo, em seus treinos. Obviamente este grupo não precisa de um treinador para fazer sempre a mesma coisa, e nem mesmo quer isso. Mas alguns pontos chamam a atenção e eles talvez devessem reconsiderar a opção.

Um deles é que se o corredor já se dispõe a fazer uma atividade, dedicar seu tempo a ela, investir em equipamentos etc, por que não tomar alguns pequenos passos para otimizá-la? Quer dizer, suponhamos um corredor iniciante que é incapaz de correr por 20 min a 6 min/km. Após dois ou três meses nosso corredor chega onde queria, e roda confortavelmente durante 45 minutos naquele ritmo. Não que uma pessoa que faça isso durante três vezes por semana não seja saudável pelos padrões mínimos de atividade física recomendados, mas por que parar por aí? Depois de adaptado a correr 45 minutos a 6 por 1, nosso organismo não se abala mais com essa carga, e sem abalos não há adaptação, não há melhora.

Nem todos os corredores têm que treinar seriamente, fazer provas, evoluir para maratonas e ultras, não é disso que estamos tratando. Mas simplesmente ainda na esfera da saúde é possível fazer muito mais pelo nosso corpo, jogar com a quantidade e velocidade de corrida ao longo do tempo de forma que nosso organismo seja sempre desafiado, de leve, a aprimorar-se. Repetir sempre a mesma carga só servirá como carga de treino novamente quando nosso organismo envelhecer e entrarmos em nossa curva de queda de performance. Aliás, quando este ponto chega os corredores devem estar atentos, pois manter o mesmo treino pode iniciar um processo de supertreinamento, ocasionando lesões e abandono da prática.

Em busca de melhoras. Sejam iniciantes ou avançados, os outros grupos de corredores estão em busca, em menor ou maior grau, de melhorar seu condicionamento e capacidade física. Mesmo aqueles que buscam um treinador ou um grupo de corrida pela possibilidade de ter que prestar satisfação a alguém, de ter uma rotina de treinos mais fixa (um compromisso, com hora marcada e tudo o mais) ou o incentivo e convívio social com os colegas de treino, fazem isso porque querem melhorar sua aptidão física e sabem que sozinhos será mais difícil. Neste grande grupo, poderemos ter aqueles que farão seus próprios treinos, os que buscarão planilhas na internet ou em revistas e aqueles que buscarão por um treinador.

Os autônomos. Ser o seu próprio treinador é uma tarefa árdua e complicada, a ponto de muitos corredores pagarem (literalmente) para não passar por isso. A razão é muito simples: quem faz sua própria periodização é ao mesmo tempo cliente e vendedor, e é fácil ver onde isso vai parar. Imagine que você resolve começar a cobrar de você mesmo pelo almoço que você cozinha em casa, digamos que seja um exercício para o seu orçamento doméstico. Você estabelece que vai cobrar 15 reais por refeição, e que desses 15 você espera que 6 reais sejam o lucro que você irá guardar até o fim do ano. Talvez no começo funcione, mas quanto tempo até que você comece a pensar que está muito caro, ou que dê descontos em dias que esteja sem dinheiro, ou que comece a comprar ingredientes mais baratos porque não está sobrando dinheiro.

Quando um corredor faz o próprio treino, uma de duas coisas geralmente acontece: ou se é demasiado flexível, e se mexe em todo o treino porque afinal estamos sempre com o treinador do lado e é mais fácil cancelar um treino por causa disso ou daquilo, ou se é muito rigoroso. Imagine-se no meio de uma longa série de 25 x 400 m que no papel, um mês atrás, parecia uma boa idéia. Tudo o que você tem a fazer é pensar que não está num bom dia, e seu treinador (você mesmo) dirá “tudo bem, vamos deixar por apenas 10 repetições mesmo”.

A outra situação é o extremo oposto desta, e é ainda mais perigosa. Com medo de não cair na primeira armadilha, os corredores se tornam os próprios carrascos, não permitindo quaisquer alterações num plano que foi traçado há meses ou semanas atrás, e que talvez não seja mais condizente com a realidade, tudo para não pegar muito leve consigo mesmo. Claro, é possível que um treinador contratado cometa estes mesmos erros, mas é muito mais fácil percebê-los quando eles são feitos por outras pessoas, e é ainda mais fácil ir em busca de outro treinador.

Planilhas prontas.  Uma grande vantagem das planilhas prontas (internet, revistas), fora o fato e que geralmente são gratuitas, é que a pessoa que as montou possui um maior entendimento de treinamento, e a planilha normalmente é adequada para diversas pessoas. Mas é aqui que reside o perigo: se ficou resolvido que criar o próprio treino pode ser uma armadilha, uma planilha pronta pode acabar tendo exatamente o mesmo resultado, mas não pelo excesso de comunicação com o “treinador”, e sim pela completa ausência dela. Já ouvi uma vez a frase “não existe treino errado, mas sim a pessoa errada para o treino”. Isso é um exagero, existem milhares de treinos ruins e errados, mas no caso das planilhas prontas a situação pode ser aplicada.

A planilha pode ter sido criada por alguém com plenas condições, e pode funcionar muito bem para muitas pessoas, mas e se você não for uma delas? E se na oitava semana de um treino de dezesseis delas para uma maratona você se dá conta que ela é muito fácil pra você; ou então surge um problema e lá se vão dez dias sem treino, como saber qual é a melhor saída? Este tipo de planilha nada mais é do que fazer o seu próprio treino sobre um plano inicial montado por outra pessoa. Todas as adaptações, e elas sempre existem, terão quer ser feitas pelo corredor, e voltamos ao mesmo problema da questão anterior. O planejamento inicial pode até ser melhor e mais coerente que aquele que você seria capaz de criar sem auxílio, porém tudo o que acontecer após o primeiro dia será de sua autoria, e resta saber se você ainda acha que montar o próprio treino é a melhor opção.

Treinadores. Buscar ajuda profissional para a sua prática teoricamente resolve os problemas acima, desde que o corredor escolha um treinador sem pensar somente no preço, na cor da camiseta ou se ele oferece um massagista no final da prova. Em primeiro lugar, o seu treino deve ser o seu treino, e de mais ninguém. Obviamente que a planilha será similar a de seus colegas, se eles tiveram objetivos e graus de condicionamento físico similares, até para que se criem grupos de treino. Mas a sua planilha deve prever os acontecimentos que só acontecem na sua vida (viagens, por exemplo).

Não faz sentido pagar alguém para montar um treino se esta pessoa irá simplesmente imprimir mais uma cópia de uma planilha genérica, a menos que se pague o preço de uma fotocópia. Uma planilha tem que fazer parte de um planejamento maior, e uma dica é pedir para seu treinador para ver este planejamento. Se ele não existir, é um primeiro sinal de alerta.

Considerando que educadores físicos são habilitados a trabalhar em todas as áreas de atuação da profissão ao mesmo tempo, é necessário saber se o dito treinador tem formação focada para a corrida, ou se simplesmente deixou sua área e está tentando pegar para si uma fatia deste crescente mercado.

O corredor não deve e não pode se iludir também pelo passado atlético de um treinador. Apesar de pessoalmente considerar saudável que um treinador tenha tido uma vivência do esporte, ter sido (ou ser) um bom atleta simplesmente quer dizer que uma pessoa é um bom atleta, que têm uma capacidade física além do comum, que é capaz de seguir ordens de seu treinador e que possivelmente terá diversas histórias para contar.

Outra opção, por esse mesmo “critério” de seleção de treinador, é contratar uma assessoria cuja cor combine com os seus olhos.

 

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