A questão é que, durante a Comrades, o joelho esquerdo, que já me tirou de algumas maratonas, poderá dar o ar da graça, ou as dores na lombar poderão ficar um pouco piores do que o "normal" e aí não vai ter jeito. Em provas curtas e às vezes até em maratonas, quando acontecem problemas a solução é ir caminhando, numa boa, para terminar, mas lá na África, dependendo do ponto em que acontecer, essa caminhada pode significar 30 ou 50 km, tornando-a impraticável, mesmo porque os tempos-limite no percurso serão com certeza estourados.

Então, a realização de um bom treinamento não é garantia de que se vai terminar uma maratona? O treino é sem dúvida a melhor garantia, porém quanto mais longa a prova, menos certeza se tem. Aliás, a preparação para a Comrades tem sido algo bem diferente de todos os meus treinos para maratonas, que não variaram muito nestes últimos 15 anos, desde quando completava os 42 km em pouco mais de 3 horas, até as 4 horas ou mais em anos recentes.

Para começar, estou fazendo, pela primeira vez, musculação (braços e pernas) em academia, incluindo muitas abdominais e seguido de 30 a 50 minutos em esteira. Isto acontece segunda, quarta e sexta. Nas terças e quintas, trotes que começaram em torno de 2 horas e agora (abril) estão entre 3 e 4 horas. Sábado descanso e domingo o longão, inicialmente (fevereiro) de 3 horas, chegando a 6 horas em abril e, em maio, um de 7 e outro de 8 horas. Ou seja, todo fim de semana nesses dois meses, uma maratona ou bem mais.

Muita quantidade, pouca qualidade. Fica claro nesse planejamento que não há nada de trabalhos de qualidade, como intervalados ou fartlek, e muito menos treinos de ritmo. É apenas "rodagem", com o objetivo de correr muito tempo, sem qualquer preocupação de ritmo. Dessa forma, meus trotes que costumavam ficar na casa dos 6 minutos / km, pularam para 7, quando não chegam a quase 8, no final dos longões.

Essa perda de velocidade não preocupa e foi meio que deliberado, na medida em que o objetivo maior foi desde o começo da preparação, em meados de fevereiro, apenas correr por longos períodos, para completar a Comrades antes de 12 horas. Paralelamente a esse enfoque, a outra grande meta estabelecida foi a redução de peso de 75 para 65 kg, para sobrecarregar menos a lombar e tornar menos sofridos os treinos. Em meados de abril, quando escrevo esta seção, já tinha perdido 7 kg!

Por outro lado, um fato curioso nessa mudança de enfoque é que as câimbras, que me acompanham há anos, depois de treinos longos e maratonas, não aparecem mais. Aliás, já tinha notado essa ótima novidade após completar a última Maratona de Blumenau sem forçar, preocupado em "quebrar", por ter feito como treino apenas um longo de 3 horas e depois um 21 km a 6 km/min. O fato inclusive me motivou a escrever a matéria "É possível correr uma maratona sem treinar?", publicada na edição de dezembro. Uma conclusão possível, então, seria: Quer terminar uma prova ou treino longo sem câimbras? Corra um pouco abaixo do seu potencial!

Assim, para aqueles interessados em enfrentar uma ultra ou mesmo encarar uma maratona, fica aqui a dica que tal desafio não é um bicho de sete cabeças. É tudo uma questão de ir, aos poucos, aumentando a quilometragem ou a duração dos longões e longuetes. Agora, se o objetivo é correr rápido essas provas, aí a coisa muda de figura: além da quantidade, terá que entrar também a qualidade nos treinamentos.

E como estamos publicando nesta edição uma matéria especial sobre nossas maratonas oficiais do 1º semestre, lembro que estarei "treinando" em Porto Alegre e na semana seguinte em São Paulo (aqui com acréscimo de 8 km), e depois, conforme voltar da Comrades, entrarei na do Rio, para relaxar…