Nosso corpo não é perfeitamente simétrico. Algum grau de discrepância todo mundo tem. "É muito difícil encontrar uma perna exatamente igual à outra, da mesma forma que é incomum um olho com o mesmo grau de deficiência que o outro", diz o ortopedista Reinaldo Garcia, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, de São Paulo. Essa diferença pode ter causa óssea (a pessoa nasceu com a assimetria ou ela foi provocada por algum acidente e, nesse caso, é irreversível – pode-se fazer a compensação por meio de palmilhas se a desarmonia gerar desconforto) ou muscular (quando ocorre uma retração dos músculos, provocado, por exemplo, por má postura). "Cerca de 60% das pessoas têm pequenos encurtamentos. Mas a maior parte não percebe até surgirem dores ou outros problemas", revela Fabio Ravaglia, ortopedista especializado em esporte e presidente do Instituto Ortopedia & Saúde, de São Paulo.
Segundo os médicos, até 2 cm não interfeririam na qualidade de vida e nas atividades do dia-a-dia. "Isso em casos crônicos, ou seja, quando os defeitos surgiram na infância e acompanharam o crescimento. É que a bacia realiza um movimento de báscula que compensa essa desproporção e permite a adaptação", explica o ortopedista Reinaldo Garcia. Porém, quando se trata de um problema agudo, como a seqüela de uma fratura, o organismo "não tem tempo" de compensar e o uso da palmilha torna-se inevitável.
Para quem corre, no entanto, 0,5 cm (ou 5 mm) seria capaz de causar desconforto. "Pode levar a dores nos joelhos, quadril, tornozelos, problemas na coluna e na cervical, hérnia, artrose, além de prejudicar a performance pelo estresse criado na musculatura", avalia Fabio Ravaglia. E mais: a diferença acentuada facilitaria a ocorrência de lesões como tendinite do calcâneo e fasciíte plantar. Com 1,5 cm de diferença entre uma perna e outra, Joaquim Cruz (ouro nos 800 m das Olimpíadas de Los Angeles 1984) é o caso mais famoso no atletismo, sendo obrigado a usar um tênis especial que compensa a desproporção.
SALTO DE QUALIDADE. As fisioterapeutas Renata Gigiletti Perrone e Andrelina Magalhães, do Studiu Passu, de São Paulo, especialistas em podoposturologia (reprogramação postural através de palmilha), afirmam ainda que com apenas 1 mm de desigualdade entre os membros inferiores o indivíduo estaria perdendo força e mais propenso a problemas posturais. Tudo por conta da instabilidade provocada, já que os pés são a base do equilíbrio estático e dinâmico. Elas partem do princípio desenvolvido na década de 80 pelo fisioterapeuta francês René Bourdiol, que criou um conceito terapêutico em que as bases da correção postural seriam neurológicas e não somente mecânicas.
Explicando: a região plantar possui uma infinidade de neurosensores que são sensíveis às variações de deformação, conforme a gente pisa. Devido a um mínimo contato com a sola do pé, seria desencadeada uma estimulação dos receptores plantares, sendo instantaneamente transmitida ao sistema nervoso central, abrangendo a coluna vertebral, membros superiores e inferiores, regulando a tensão dos músculos posturais e corrigindo suas assimetrias.
O tratamento para a diferença entre as pernas de ordem muscular consistiria, então, na reprogramação da postura por meio da utilização de palmilhas. E para produzir os estímulos na região plantar são desenvolvidas peças (denominadas de elementos, barras, cunhas ou calços) que desencadeiam as correções. Estas peças variam de tipo, espessura e densidade e são fixadas nas palmilhas, ficando em contato com o pé. "Elas são dispostas em uma órtese denominada de palmilhas proprioceptivas ou posturais e são determinadas por uma avaliação", diz Andrelina Magalhães.
Estas palmilhas têm como objetivo reduzir o pico de pressão e distribuir a força de reação do solo por toda a região plantar. Por estarem posicionadas entre o pé e o calçado, as mesmas aumentam a eficiência do controle postural durante a posição ereta, na caminhada e na corrida. "No caso do atleta, a idéia é proporcionar o equilíbrio correto entre as estruturas articulares, musculares e tendinosas, para que possam suportar a sobrecarga física, sem compensações que levem a lesões", completa Renata Perrone.
A CONFECÇÃO DA PALMILHA. Após a avaliação postural fisioterápica completa – que envolve análise de pés, tornozelos, joelhos, coluna, postura – o fisioterapeuta faz a prescrição das palmilhas. O paciente passa então pelo pedígrafo – uma espécie de xerox dos pés para ver onde há pontos de pressão – para a confecção das palmilhas. "Elas são personalizadas, feitas de material leve, macio, flexível, fácil de limpar, e ainda com mecanismos de impulsão e amortecimento, já que durante a marcha normal o peso é multiplicado em torno de três vezes e na corrida o peso passa a ser cinco ou seis maior", diz Renata.
O paciente pode encomendar um ou mais pares, adaptáveis a calçados esportivos e sociais. "No caso dos corredores, para não incomodar, prefira um número maior de tênis", recomenda o ortopedista Fabio Ravaglia. E o ideal é usá-las no dia-a-dia, o maior tempo possível.
É feita uma reavaliação das palmilhas a cada 40 dias, até completar o período de adaptação, de cerca de 120 dias. "Nas primeiras semanas podem ocorrer dores musculares leves, pois o corpo está se acostumando com a correção", fala Andrelina.
As palmilhas, quando bem conservadas, duram um ano. E visitas regulares – semestrais ou em alguns casos até anuais – vão determinar a continuidade do uso ou a modificação dos elementos que as compõem. Experimentando conforto a seus pés e com melhora do desempenho – principalmente por causa da eliminação das dores – dificilmente o corredor as abandonará…
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