Performance e Saúde Redação 4 de outubro de 2011 (0) (128)

O que os veteranos têm a ensinar a você

Todos os dias surgem novos corredores. As conquistas iniciais são muitas e motivam a querer mais e mais do esporte. Mas é preciso dosar o treinamento, o entusiasmo, a participação em provas e o consumo de produtos para que esse fogo do começo não se apague rapidamente e para não colecionar lesões, ao invés de medalhas. Quem deu os primeiros passos há mais de duas décadas não tinha tantos recursos e tantos apelos como agora. O que os movia era algo mais ou menos como "simplesmente corra".

Reunimos histórias de veteranos amadores que se mantêm firmes e fortes por mais de 20 anos ininterruptos de corrida, com baixíssimos índices de lesões, altamente motivados e ainda com desempenho capaz de deixar muito jovem comendo poeira. Veja o que você pode aprender com eles e vida longa às corridas!

 

56 ANOS DE VIDA, 40 DE CORRIDA. Quando procurado pela reportagem da CR, o engenheiro e advogado mineiro Robert Farrer disse que se espantou ao constatar que estava correndo há quatro décadas. "Será uma matéria sobre arqueologia", brincou. Ele morava em Sete Lagoas (MG) quando começou a correr aos 16 anos. "Nas comemorações da Independência, em 7 de setembro, havia uma competição entre colégios e quem corria escapava de ter que participar dos desfiles cívicos. Comecei por esse motivo. E não é que acabei ganhando a prova?", conta.

Robert viu que levava jeito e logo foi convidado a fazer parte de um clube. Chegou a ser federado e venceu provas de 100, 400 e 800 metros no Campeonato Mineiro de Atletismo, no início dos anos 1970. Após o término da faculdade, no entanto, a corrida passou a ser um hobby. "Aumentei as distâncias e não ganhei mais nada, mas segui participando".

Por viajar muito devido à profissão, Robert viveu situações inusitadas nos diversos países em que esteve. "Uma vez, totalmente alheio aos acontecimentos locais, irrompi no meio das tropas que se rebelavam contra o presidente Abdalá Bucarán, no Equador. Em outra ocasião, fui preso por atentado ao pudor ao correr de calção e camiseta no Iraque. Fui levado à delegacia e, misturando os idiomas árabe e inglês, a autoridade conseguiu entender que eu era brasileiro. Para minha sorte, ele gostava de futebol, conhecia a nossa seleção e era fã do Romário. Inventei que corria com o Romário na praia e acabei sendo liberado, após prometer também enviar uma camiseta do jogador autografada – o que obviamente nunca se concretizou", diverte-se.

O veterano conta que sua meta é continuar se divertindo com as corridas. "Uma das últimas foi a meia da Maratona do Rio, em julho, completada em 1h58, ao lado dos meus filhos Rejane e Guilherme e do meu genro Guto. A próxima será a Maratona de Portland, no Oregon, Estados Unidos, em outubro, também em companhia da família".

Sobre sua longevidade no esporte, conta que em termos de treinamento deve tudo a três profissionais que o orientaram no início de sua vida esportiva. "Um no clube de Sete Lagoas, outro no Cruzeiro e o do Exército. Aprendi tudo o que precisava com esses três. Não necessito de planilha, não me estresso com isso. O que fiz foi aprender a conhecer e respeitar meu corpo".

Uma única lesão o tirou da corrida por três meses. "Foi um estiramento da panturrilha, há seis anos, quando treinava para a Maratona de Buenos Aires. Não sou chegado a médico, não tomo remédio. Fui a um acupunturista, que resolveu meu problema".

Ter prazer na prática esportiva é a grande dica que Robert dá. "Não sei o que é viver sem correr, faz parte de mim. Não tenho obsessão por melhorar o tempo, apenas por me sentir bem. E gosto especialmente de estar ao lado de pessoas que eu amo, como meus filhos".

 

DE CORRIDINHAS APÓS O TRABALHO A BOSTON. O engenheiro Fernando Coelho de Paula, 60 anos, está completando duas décadas de corrida. Já tinha histórico na juventude, mas retomou a atividade para valer quando decidiu voltar do trabalho para casa trotando todos os dias no final da tarde, medida adotada também para ajudar a abandonar o cigarro. De lá para cá não parou mais.

"Gostava de jogar futebol, mas é um esporte violento. E além de precisar de outras pessoas para praticar, muitas vezes entrava em campo com amigos e saía com inimigos. A corrida me pareceu mais saudável e menos agressiva. Pesquisava sobre treinamentos e ia fazendo à minha maneira", conta.

Mas foi só no ano 2000 que descobriu as provas. Fez algumas em São Carlos, interior de São Paulo, até que definiu como desafio pessoal correr uma maratona. Em 2004 fez a sua primeira, em São Paulo, e no mesmo ano, a de Curitiba. "Encontrei uma planilha na internet e resolvi seguir para as maratonas, mas sem conhecimento de frequência cardíaca, de ritmo, de nada. Ainda não se falava tanto disso entre amadores. Mas sentia que tinha habilidade para o esporte e ia me aperfeiçoando". 

Fernando disse que não se importava com tipo de calçado nem roupas tecnológicas, até porque a oferta ainda era pouca. "Sempre acreditei que o que faz efeito é o treinamento". O que o mantém motivado por tantos anos é definir objetivos. "Me descobri competitivo. Então, traço metas e procuro treinar e correr no mais alto nível possível. É claro que nem sempre consigo, afinal eu trabalho, não tenho todo o tempo do mundo, não vivo de corrida".

Ele tem um calendário de provas definido para ir ao encontro de seus objetivos maiores. "Hoje faço uma prova a cada mês e meio ou dois". Fazer parte de um grupo é outra de suas estratégias. "Moro em São Carlos e corro com pessoas muito legais, orientado pelo treinador Limeira, que está sempre junto".

Graças a seu talento para o esporte e à sua dedicação, no ano passado o engenheiro atingiu um patamar invejado pela maioria dos corredores: obteve índice para a Maratona de Boston. "Aos 59 anos, fiz a Maratona de São Paulo em 3h23, me credenciando para a prova americana em minha faixa etária". Já inscrito, no entanto, teve um problema de menisco e precisou ser operado. Mas parou pouquíssimo, entrando em um programa de fisioterapia intensiva. E fechou Boston em 3h42. 

Fernando dá suas dicas para manter-se bem no esporte: "Conte com a ajuda de um treinador e acredite no que ele propõe – tem que haver uma relação de confiança entre vocês. Aprimore as técnicas de pisada e postura; respeite seu ritmo de treino e principalmente o tempo de descanso". Sobre os limites que a idade certamente impõe, ele diz: "A corrida é uma aliada da saúde, mas se você se esforçar além da conta, certamente sofrerá danos. Eu não quero me lesionar e parar, então começo a aprender a lidar com essa questão e até a diminuir meu ritmo".

 

ENTRE AMIGOS E PELAS MONTANHAS. Hoje com 62 anos, há 26 no esporte, o jornalista Roberto Ferreira conta que a corrida entrou em sua vida com a intenção de ajudar a manter a forma. Em 1985 ele emagreceu 17 quilos, passou a frequentar uma academia e logo estava correndo com amigos. "Íamos todos os dias cedinho ao Parque do Ibirapuera".

Quando se separou, aos 40, a corrida agiu como uma verdadeira terapia. "Questionei: fazer análise ou comprar um tênis? Optei pelo tênis, que sairia mais barato. A corrida dava liberdade e me fazia super bem. Fiquei motivado a ir cada vez mais longe. Isso ajudou a não enlouquecer", revela. E ao começar a treinar com o técnico Wanderlei de Oliveira, descobriu o prazer de participar de provas. Um de seus orgulhos é, aos 50 anos, ter completado a Maratona de Porto Alegre em 3h12.

Sobre como se mantém motivado, ele diz que o segredo é cercar-se de gente de bem com a vida. "Tive a sorte de ter as pessoas certas ao meu lado, com pique para correr e brincar. Não nos encontrávamos para fazer 10 km em 45 minutos, mas sim para correr uma hora e conversar".

Outra coisa que sempre o ajudou foi variar os treinos e terrenos. "Gosto de correr fora da estrada, em trilhas, de correr na areia, de fazer subidas. Tudo isso me moldou, trouxe uma boa resistência e me protege contra lesões. Nesse tempo todo que corro, não parei mais do que uma semana". Atualmente, seu maior prazer são as provas em meio à natureza e entre amigos. "Isso me remete ao início de tudo, à diversão e ao prazer de correr", conclui.

 

86 ANOS, VEGETARIANO, CORRENDO

Das 22 edições das Dez Milhas Garoto, no Espírito Santo, seu José Gomes Fraga, de 86 anos, participou de 20. Quase todas ocupando o lugar mais alto do pódio na premiação de sua categoria. Ele costuma brincar que já chegou ao mundo correndo. "Nasci prematuro", revela.

Também causam admiração suas marcas: 1h25 nas 10 milhas e 1h55 em meia-maratona. Seus treinos de corrida, que duram entre uma hora e uma hora e meia três vezes por semana, são intercalados com musculação. E ele ainda anda de bicicleta. "Sou auto-didata e nunca me lesionei. Não paro mesmo. Me chamam de serelepe", diverte-se.

O segredo de tanta vitalidade? Boa alimentação, exercícios na medida certa e horas suficientes de descanso. "Sou vegetariano, nunca ingeri gordura, não bebo refrigerante e durmo bem", afirma seu José. Casado há 50 anos, diz que sempre teve apoio por parte da companheira para praticar esportes. E os filhos, netos e bisnetos acompanham seu pique? "Que nada. São todos sedentários", resigna-se.

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