As imagens parecem inspiradoras: o atleta está sofrendo, mal se mantém em pé, mas ele não desiste; segue em zigue-zague, talvez até engatinhando, até a linha de chegada. O exemplo mais clássico desta cena foi o da corredora suíça Gabrielle Andersen-Schiess, que em 1984, na primeira edição da maratona feminina nos jogos olímpicos, adentrou o estádio para seus últimos 400 m extremamente debilitada. Ao ser abordada pela equipe médica, a atleta não permitiu que tocassem nela e, ao longo de 5 minutos e 44 segundos, percorreu sua última volta na maratona, para delírio do estádio lotado de torcedores. O que no entanto era visto como sendo a epitomia da superação, do duelo mente-corpo, hoje está sendo descrito como uma condição médica séria, e que deve ser vista como patológica.
O organismo não foi feito para sofrer desta forma. Durante o exercício, o cérebro trabalha o tempo todo para garantir que níveis extremos de exaustão não ocorram. Quando um atleta colapsa, o sistema falhou. Existem dois tipos de sinais que "competem" durante o exercício: o controle de homeostase (adaptação) do organismo e o desejo psicológico de atingir um determinado resultado. A interação entre estes dois é que irá determinar o ritmo de corrida. Se o atleta corre uma prova de maneira conservadora, ele termina com reserva fisiológica, porém possivelmente não irá satisfazer sua necessidade psicológica de performance, ficando frustrado com o seu resultado. Se, por outro lado, ele tentar satisfazer o seu ego sem dar a devida atenção aos limites impostos pelo seu organismo, irá "quebrar" no meio do percurso, e existe o risco de colapso.
Vários são os motivos pelos quais um atleta pode vir a ter um colapso durante uma prova, e que podem ser inicialmente classificados em dois grandes grupos: as causas clínicas e não clínicas. Entre as primeiras figuram principalmente os eventos cardíacos, como um infarto fulminante. Existem ainda outras causas clínicas como a desidratação, hipoglicemia, hiponatremia, hiportemia, intermação, etc.
O segundo grande grupo, das causas não clínicas, é o que abrange razões mais "benignas". Antigamente se pensava que a causa deste tipo de colapso era a desidratação e a hipertermia (intermação ou exaustão por calor), porém hoje se reconhece que estas pré-condições não são necessárias para que um atleta colapse. O colapso é causado por uma desregulação da frequência cardíaca, pressão arterial e sistema nervoso, que em última instância prejudica o aporte de sangue e oxigênio para o cérebro.
TRÊS MOMENTOS. A necessidade de "cair" nada mais é do que uma última tentativa do organismo de colocar o corpo em uma posição mais favorável (deitado) para que o sangue chegue à cabeça. O atleta, no entanto, quando está extremamente determinado, de alguma maneira que ainda não é completamente compreendida, consegue ignorar este aviso, e ao invés de simplesmente desfalecer adota uma série de posturas que vão, em sequência, diminuindo a altura da cabeça em relação ao tronco, e que foram descritas como os três estágios de colapso de Foster, em homenagem ao professor americano Carl Foster, estudioso de área de performance e controle de ritmo durante eventos esportivos:
Posição Foster 1: O atleta corre de cabeça baixa, e tronco levemente inclinado à frente. As passadas se tornam irregulares e a flexão de quadril é cada vez mais exagerada.
Posição 2 (meio Foster): Na segunda posição, o tronco se inclina até estar quase em paralelo com o chão. As pernas se abrem para acomodar a nova posição do tronco. Alguns corredores são capazes de percorrer longas distâncias desta forma, talvez até concluir o evento, enquanto outros progridem para o colapso "completo", deitando no chão por alguns instantes (terceira imagem na ilustração) para então assumir a posição final.
Posição 3 (Foster completo): É a postura de engatinhar para a linha de chegada. O tronco fica paralelo ao chão, com a cabeça sempre mais baixa que o quadril. Após cruzar a linha de chegada, o atleta finalmente cai e permanece deitado até receber auxílio médico.
AJUDAR OU NÃO?
Com muita frequência, atletas que entram em colapso são incentivados a continuar. Em muitas ocasiões o público aplaude, grita, e os outros corredores da prova às vezes chegam ao ponto de levantar o companheiro para auxiliá-lo a percorrer os metros finais. É importante reconhecer que, conforme explicado anteriormente, esta postura é possivelmente um forte indicativo de falência do organismo, então de maneira nenhuma um atleta nestas condições deve ser incentivado a continuar, muito pelo contrário!
Em um recente artigo sobre o tema, os pesquisadores que descreveram esta sequência de posturas chegam a dizer que poderia ser classificado de antiético o comportamento de um médico ou staff de prova que não pare um corredor nestas condições. A solução talvez esteja em modificar as regras do esporte, haja visto que todo o atleta que receber auxílio externo deve ser desclassificado da prova. Isso pode fazer com que instintivamente o atleta venha a negar qualquer ajuda que lhe seja oferecida. Contudo, num estado de consciência já alterado, é improvável que o corredor tenha o discernimento necessário para poder tomar a decisão de aceitar ou negar a ajuda médica, e convém intervir de qualquer forma.
A REGRA NA COMRADES. Na Comrades, famosa ultramaratona sul-africana (que teve cobertura na CR de julho), de 6 anos para cá ficou proibida a ajuda a corredores debilitados, por parte do staff ou de outros participantes, como era comum nos metros finais. Chegava mesmo a ser uma marca da prova, mostrando o espítito de camaradagem dos corredores, e sempre muito aplaudida e incentivada pelo público.
Mas em 2007 um participante caiu a 100 metros da linha final e dois outros o pegaram e o levaram até a chegada. Só que ele já estava morto, fulminado por um ataque cardíaco. Desde então, a recomendação ao staff e aos ultramaratonistas é que não auxiliem e até sugiram à pessoa que pare ou caminhe e peça socorro médico.