20 de setembro de 2024

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Performance e Saúde contrarelogioadm 26 de novembro de 2017 (0) (98)

O caminho seguro para completar uma maratona

Os leitores da CR acompanham há praticamente dois anos a seção "Planilha", em que assinantes da revista podem se candidatar a receber um treinamento de 12 semanas para sua prova-alvo. Não surpreendentemente, a grande maioria dos pedidos que chegam é de corredores buscando completar uma maratona, desde o famoso "quero apenas completar", até marcas abaixo das 3h (como nesta edição).
Porém, a preparação para a maratona exige bem mais do que 12 semanas, especialmente quando se fala da primeira de uma pessoa. Para abordar um pouco mais sobre o período anterior às tais 12 semanas, em que a fase de pico de treino é desenvolvida, vamos utilizar como exemplo o caso da assinante Bernadete de Queiroz, de Uberlândia, que foi acompanhada por quase 40 semanas antes de sua primeira maratona.
No início de seu projeto, em setembro/2016, a corredora tinha 61 anos de idade e 3 de corredora, com marcas de 2h37 e 2h29 em duas meias-maratonas, 1h02 nos 10 km e um volume de treinos de 25-35 km semanais. Em outras palavras, era uma corredora como milhares de outras e outros, que treinam duas a três vezes por semana e até já arriscaram uma prova de maior distância, mas que encaram a maratona com um olhar desconfiado.

O TREINAMENTO PRÉVIO. O volume semanal de Bernadete e os longos realizados nos finais de semana estão expostos no gráfico (em azul e vermelho escuro, respectivamente). Nas primeiras 20 semanas praticamente não houve aumento de volume. Os treinos partiram dos 30 km semanais, com os quais ela estava acostumada, e formaram cinco "ondas" de aumento de volume, que sempre retornavam ao mesmo ponto.
Os princípios por trás desta aparente falta de progressão são simples: o organismo não responde somente ao volume, mas essencialmente ao estresse que lhe é imposto, este o resultado do volume e da intensidade da sessão. A intensidade das sessões tem ganho cada vez mais importância, com estudos demonstrando que doses muito pequenas de exercícios de alta intensidade oferecem ganhos iguais ou superiores aos de treinos longos em ritmo leve. Com este tipo de trabalho, logo na 7a semana a corredora baixou seu tempo de meia maratona em quase 15 minutos, para 2h14.
Outro ponto importante, voltando a abordar um assunto que foi tema da sessão de fisiologia no mês passado, é que esta escada de volume, que sempre volta para o mesmo lugar, permite que o corredor descanse após cada ciclo, fazendo com que as respostas adaptativas aconteçam.
Independentemente do nível, não existem evidências concretas de que ciclos de carga mais longos do que 2-4 semanas sejam favoráveis, e um período de carga maior acabaria por demandar um outro de recuperação ainda maior, uma ideia difícil de vender para corredores. Aliás, é um erro pensar que se um iniciante tolera três semanas de carga, então um corredor treinado suporta cinco ou seis. Quanto mais treinado, maior será a carga dentro de cada ciclo, de forma que a duração dos ciclos em si acaba sendo similar para atletas de diferentes níveis.

A PREPARAÇÃO ESPECÍFICA. Passadas estas primeiras 20 semanas, sempre com três treinos semanais e longos que oscilavam entre 14 e 20 km, a corredora entrou no período da preparação específica. Na primeira semana em que o volume chegou à casa dos 50 km semanais, os treinos passaram a ser divididos em quatro sessões semanais, sendo dois treinos no final de semana. Dessa forma, se conseguiu que a carga da semana fosse aumentada (menos tempo de recuperação entre as sessões, acumulando o estresse total da semana) sem que os treinos se tornassem demasiado longos, um problema na rotina de muitos. O resultado foi uma planilha em que três dos treinos duravam cerca de uma hora e apenas um mais longo.
Com a progressão de cargas ocorrendo de forma paralela ao desenvolvimento da corredora, o volume semanal chegou à marca dos 60 km, o dobro do volume feito no início do trabalho. Em todo o período, foram apenas dois treinos na casa dos 30 km (30 e 32 km). Apesar de eventuais pequenos ajustes em função de imprevistos como viagens, resfriados, desconfortos etc, o plano principal de volume se manteve praticamente intacto.
Isso não quer dizer, no entanto, que foi a corredora quem se adaptou à planilha: é sempre a planilha que se adequa ao corredor. Neste caso, ela não teve problemas em lidar com os volumes propostos, evitando grandes alterações. Por outro lado, a intensidade das sessões e os ritmos das rodagens foram constantemente modificados, de forma a se moldar ao progresso específico de Bernadete.
Com frequência, corredores escrevem para a CR pedindo planilha para uma performance específica, por exemplo para sub 4h na maratona. Neste caso, o que o treinador faz é um processo de "engenharia reversa", ou seja, propõe um treinamento para alguém que ele julga capaz de correr a maratona em 4 horas, e de trás para frente cria uma "regressão" de cargas, até o ponto inicial da planilha. Se este ponto inicial estiver acima da capacidade atual do corredor, a planilha se torna impossível, e deveria (junto com o objetivo!) ser temporariamente abandonada.
O ideal é sempre trabalhar do presente para o futuro: o corredor precisa analisar seu condicionamento atual, o tempo que possui até sua prova e qual o seu histórico de evolução para, a partir daí, tentar projetar a meta que parece possível. No caso de Bernadete, o seu objetivo de "terminar correndo os 42 km" tornou o tempo final uma questão secundária, e a progressão de cargas se deu com base simplesmente na sua progressão natural e sensação de conforto, nas rodagens mais longas, sem que buscasse um resultado mais específico.

ENFIM, MARATONISTA. O título de maratonista para a assinante Bernadete de Queiroz veio na prova do Rio deste ano, após 5h40 de esforço. Ela reconhece que o tempo – apesar de nunca ter sido este o objetivo – foi mais fraco do que o esperado, um pouco em função do excesso de cautela no início da prova e um pouco em função de um mau jeito após tropeçar no dispositivo de cronometragem.
Apesar disso, no outro dia a corredora estava sem dores, descendo as escadarias do Cristo Redentor, e agora planeja baixar seu tempo na Maratona de Porto Alegre em 2018. É mais uma corredora, como muitos outros leitores da CR, que perdeu o medo da distância, sem sacrifícios.

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