Releitura Redação 29 de dezembro de 2021 (0) (407)

Não saia do ritmo, seguindo o marcador

Tudo em cima – Harry Thomas – Junho 2009

 

Marcadores de ritmo, coelhos, pacers, ou lebres (como são chamados em Portugal) são atletas que por definição correm em determinado ritmo e servem de guia e parâmetro para que determinados corredores possam atingir seus objetivos de tempo.

 

Podemos classificar “marcadores de ritmo” em duas classes: profissionais e amadores, e que podem ser oficiais da competição ou não. No primeiro caso, os organizadores de provas de longas distâncias – principalmente maratonas – contratam atletas que têm a incumbência de fazer as passagens de 5, 10, 21,1 km e assim por diante num tempo pré-determinado. Normalmente esses marcadores puxam o pelotão líder até a marca do 30 km, daí abandonam a corrida e a prova passa a ser literalmente “cada um por si”.

 

Há registros de fatos curiosos entre esses coelhos profissionais. Um dos mais conhecidos para os brasileiros foi o protagonizado pelo herói olímpico Vanderlei Cordeiro de Lima, em 1994. O atleta havia sido contratado para ditar o ritmo da Maratona de Reims, na França, até a marca da meia. Ao passar pela marca em ótimas condições físicas, perguntou ao organizador que estava no carro madrinha se poderia continuar até o km 30, e assim o fez.  Ao passar novamente bem, gesticulou se poderia continuar, uma vez que o segundo colocado estava bem atrás. Correu os 12 km que faltavam e, para o espanto de todos, venceu a competição naquela que foi sua estréia na distância.

 

Por outro lado, tem coelho que é atrapalhado além da conta, como aconteceu no último mês de abril na Maratona de Londres. Contratados para puxarem o supra sumo da elite mundial, os três coelhos passaram a marca da meia com 1:01:35, ou 15 segundos mais rápido que o planejado. Dali em diante o ritmo foi caindo até que o sul-africano Hendrick Ramaala ultrapassou os três rapazes e deu uma bela de uma bronca, do tipo: “antes só do que mal acompanhado”.

 

Para o técnico Wanderlei de Oliveira, da equipe Run for Life, de SP, “para ser um bom marcador de ritmo é necessário ter experiência de muitos anos correndo em ritmo mais forte, para poder auxiliar.”, evitando assim, o que aconteceu em Londres.

 

Ajuda ou atrapalha?

 

Se profissionais erram, o que podemos dizer de marcadores que servem aos amadores? Afinal, correr acompanhado é bom ou ruim? Quais seriam os cuidados que os corredores amadores devem ter?

 

No caso de amadores temos que abrir um parêntese, pois existem dois tipos de marcadores: aqueles que estão à disposição dos corredores nas grandes maratonas mundiais e ditam o ritmo para, por exemplo, atingir a meta de 3 horas (ou melhor, 2:59:59) até 5 horas ou mais, e no outro grupo, os marcadores que são nossos amigos, companheiros de treinos, técnicos e familiares.

 

Na realidade, o grande papel do marcador é ser parâmetro de ritmo, e ter experiência para saber dosar qual ritmo deve ser usado no plano, na subida ou na descida, mas que no final a meta seja alcançada. Para tanto, ele deve instruir seus seguidores quanto à estratégia a ser usada e aí cabe a decisão de ir ou não.

 

Neste caso não há muita flexibilidade, pois o marcador que vai puxar o grupo para um determinado tempo deve fazê-lo neste exato ritmo, nem que para isso tenha que chegar sozinho na linha de chegada. Mas é aí que mora o perigo. Muitas vezes na ânsia de acompanhar o marcador, o corredor simplesmente pode quebrar. Para que isso não aconteça, deve-se ser realista quanto à marca que deseja chegar, dentro de suas condições físicas e atléticas.

 

Segundo a técnica de corridas Simone Machado, é muito comum “corredores ‘viajarem’ com relação ao tempo que podem fazer em uma maratona, e daí usam estratégias erradas com relação ao tempo”.  Quando determinado aluno teima que quer por que quer correr a maratona em ritmo “irreal”, mas que lá no fundo ela sabe que o mesmo não conseguirá, Simone usa um método peculiar: “Convida” o aluno para correr uma prova mais curta naquele ritmo para mostrar que fazer uma maratona no ritmo que planejou não será nada fácil, quiçá, improvável.

 

E mesmo estando em condições físicas para terminar a competição em determinado tempo, há de ser observado o estilo que o marcador imprime em uma competição. Segundo a corredora Fernanda Pontes que tem 8 maratonas em seu curriculo, nem sempre seguir uma marcador dá certo.

 

“Meu objetivo era completar a maratona de Nova York em 3h40. No entanto, percebi que os coelhos tinham o mesmo ritmo na subida e descida; não dava para acompanhá-los. A prova é toda irregular e as milhas não são iguais em termos de dificuldade, daí um mesmo tempo para elas é irreal. Nas subidas os ‘balões’ (levados pelos coelhos) se distanciavam e na descida eu me aproximava. Consegui terminar em 3:40:05, mas preferia ter ido no meu próprio ritmo, respeitando subidas e descidas. Para o marcador, que corre com folga, ele acaba não sentindo e refletindo as dificuldades do percurso. Eu poderia ter quebrado se me apavorasse”, conclui.

 

Para que isso não acontecer é sempre bom antes de começar a corrida, fazer algumas perguntas básicas ao marcador como: qual será o ritmo, corremos linear ou não, projeção de passagens, tudo isso para não haver surpresas.

 

Sem preocupação

 

Por outro lado, se você está muito bem treinado para acompanhar o ritmo, os marcadores podem ser um grande auxilio. “A vantagem de ser ‘puxado’ é a despreocupação com relação ao tempo, pois você acaba correndo mais com o coração, sentindo de fato como está; não precisa ficar olhando o relógio, então você relaxa e não tem o fator psicológico, o que torna a sua corrida melhor”., acredita Simone Machado.

 

O corredor Nilton Maia concorda com Machado sobre as vantagens de ter um pacer. “A vantagem é manter o ritmo; geralmente quem puxa está acostumando a manter a média, por estar correndo acima do seu tempo real e isso significa um ‘ponto’ de referêcia em movimento, que pode ajudar no psicológico, quando se tem um objetivo de resultado, além de estimular na superação do cansaço.”

 

No caso da atuação de coelhos para amigos e familiares, a empreitada é mais flexível, já que a marca almejada não precisa ser a todo custo alcançada. A responsabilidade é menor e informal, quando muito um lamento no final se o tempo não foi o desejado.

 

Para Rita de Cássia Gebara Miranda, que quando começou a correr há 10 anos era puxada por seu marido e hoje puxa o mesmo, além de sua filha que começou a correr há um ano, o grande segredo para que alguém marque o ritmo de outro é o incentivo: “Primeiro é preciso ter paciência, depois acho legal distrair o companheiro puxando papo, animando nas subidas”, diz a professora de piano. Além da paciência, diz que o incentivo é outra regrinha: “Quando vê que a pessoa está cansada, um ‘vamos, está acabando!’ é fundamental, ajuda muito, principalmente nos últimos quilômetros”.

 

“Na Maratona de São Paulo no ano passado estava num dia ruim, tinha pego uma gripe forte naquela semana, e ainda estava naqueles dias que nenhuma mulher gosta para correr. Imagina estar assim numa maratona. Aí apareceu um colega para ajudar no km 30 e me acompanhou até o final. Não sei se teria conseguido completar sem alguém para me animar”, completa Rita.

 

Uma lição deve-se tirar de correr acompanhado por um marcador: ninguém corre pelo outro, ou seja, por mais que alguém o puxe, se você não estiver treinado para aquele ritmo jamais conseguirá acompanhá-lo; por isso, bom senso é a palavra chave.

 

Boxe 1

Regras de um bom coelho:

 

  • Estipule algumas regras.

 

  • Defina tempo; ritmo por km.

 

  • Dê previsão do tempo das principais passagens (10 km, meia etc).

 

  • A cada três 3 km informe se estão na meta ou não.

 

  • Saiba de antemão se a pessoa (ou pessoas) a quem você está puxando gosta de ficar batendo papo. Se ela não gosta, fale somente o necessário. Da mesma forma, não fique conversando com os amigos que passam.

 

  • Mesmo que o ritmo esteja muito lento, não ande do lado da pessoa enquanto ela está correndo. Isso mostra desrespeito e a pessoa pode se sentir humilhada; a não ser que ela peça para caminhar.

 

  • Procure conhecer o estilo da pessoa (tem gente que prefere fazer uma prova progressiva, com um final forte, em vez de correr no mesmo ritmo).

 

 

Boxe 2

O dia que fui marcador

 

A experiência mais prazerosa que tive como corredor foi quando fui convidado pela Corpore para ser “marcador de ritmo” na Maratona de São Paulo, nos anos de 1998 e 1999. A meta? Levar o grupo o mais próximo possível da marca de 3h15.

 

Nesta época meus tempos estavam girando em torno de 3 horas e correr para terminar com 3h15 seria “fácil”. Criei algumas estratégias e uma delas foi ter um ritmo uniforme, desde o início, pois como não conhecia o condicionamento – nem as pessoas para quem ditaria o ritmo – não sabia se eles conseguiriam correr variando a velocidade (como correr a primeira parte mais rápido que a segunda ou vice versa).

 

A regra básica que os corredores deveriam seguir é nunca se postar à frente do marcador, mesmo porque boa parte dos que não respeitaram essa recomendação quebram. Porém, havia aqueles que me diziam: “Vou com você até a marca da meia e depois sigo em frente”. Isto porque muitos não sabem administrar o tempo da primeira meia e depois pagam as conseqüências.

 

A cada 3 km percorridos o cronômetro deveria ficar próximo da média de 9:20/km e para minha felicidade estávamos sempre dentro dos parâmetros. “Pessoal, passamos com 20 segundos de sobra!”, “Chegamos no km 28; 2/3 ficaram para trás!”, eram algumas das palavras de apoio que eu dava nas passagens e pontos cruciais da competição.

 

Posso dizer que fui extremamente feliz nas empreitadas, alias até me assustei com a precisão, notadamente em 1998, já que o tempo final bruto (pois é esse que vale no cronômetro) foi 3:14:56 e no ano seguinte, ditando ritmo para muitos que me acompanharam no ano anterior, marquei 3:15:53.

 

Por que foi legal? Primeiro por ser a primeira vez que corri sem forçar meu ritmo, leve e com prazer, diferente de quando corremos no limite. E o melhor é que consegui cumprir a meta e dividir isso com aqueles corredores que tinham a marca como objetivo.

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