Notícias admin 4 de outubro de 2010 (0) (90)

Muita emoção no Portão de Brandenburgo

Após voltar da Maratona de Porto Alegre (que completei em 3h23), surpreendi muita gente ao falar sobre meus planos de fazer ainda, em 2008, uma segunda maratona – a de Berlim! A primeira já tinha preocupado a família inteira que achava uma loucura correr 42km… todos se mobilizaram em uma corrente de oração como se fosse uma prova de vida ou morte!  As orações foram ótimas e eu sobrevivi!

A verdade é que, quando se completa uma maratona, só se consegue lembrar daquela sensação maravilhosa de cruzar a linha de chegada! A "dor do parto" dos treinos pesados e dos 42 km da competição ficam pequenas perto da imensa alegria da vitória. E foi sob este efeito, que eu perguntei ao Helmut, meu marido, se podíamos fazer "mais uma provazinha" este ano, aproveitando que minha turma de corredores iria para Berlim. O maridão topou e após quatro meses de treino e 1.167,4 km percorridos, embarcamos rumo à Alemanha junto com uma turma de 10 corredores.

Berlim é uma cidade fantástica! Muito rica culturalmente e historicamente falando! Nos leva a refletir muito sobre o ser humano e sobre a História em si… A separação que durou 28 anos dividiu famílias, amigos e amores… Nunca em nenhum lugar do mundo se viu algo assim em uma mesma cidade: em nome de diferenças ideológicas e políticas, de disputa de poder, construiu-se um muro e restringiu-se a liberdade de ir e vir, a liberdade de conviver. Era uma Berlim em um dia e no outro duas cidades que "não mais conversavam"…

Convivemos com um amigo do Helmut que nos relatou um pouco disto tudo: o Jörg, um alemão supersimpático campeão de corrida de patins, que nasceu nesta época. Seu pai morava na parte ocidental e sua mãe na oriental na época em que namoravam. Quando houve a separação, sua mãe já estava grávida. Tentou passar para a Berlim Ocidental cavando um túnel através do cemitério; foi presa por alguns meses, mas não desistiu: depois de solta, conseguiu passar pelo portão dentro de um carro de um iugoslavo, escondida entre o banco e o motor. A avó de Jörg ficou do lado oriental e foi impedida de vê-los durante quase toda a sua velhice.

Pois bem, é numa cidade com esta bagagem histórica que milhares de pessoas do mundo inteiro se unem para exercer plenamente algo muito importante: a liberdade de ir e vir, de vencer 42,2 km em poucas horas, de correr, de se movimentar e de se confraternizar. São 50 mil pessoas correndo, patinando e em cadeiras de rodas! Etíopes, quenianos, alemães, franceses, italianos, japoneses, coreanos, americanos, brasileiros (…) – aqui somos todos maratonistas, todos falamos a mesma língua, entendemos os sonhos uns dos outros, respeitamos o esforço de cada quilômetro vencido, nos comunicamos dividindo água, suor e lágrimas durante estas horas de pura emoção. É um pouco do nosso recado ao mundo de que, se por um lado temos esta capacidade de dividir e de separar como nestes 28 anos de Berlim, temos um potencial enorme para amar e respeitar a individualidade e as diferenças de cada um!

MAIS RÁPIDA QUE O PREVISTO. Ao contrário da maratona passada, eu consegui dormir um pouco à noite e não estava tão ansiosa. A gripe que peguei na semana anterior tinha melhorado bastante – eu não sentia mais o corpo fraco, tinha apenas uma congestão nasal e algumas crises de tosse.

No domingo, acordamos às 6 horas, tomamos café e nos dirigimos até a largada. Foram quinze minutos de caminhada até chegar perto de onde a prova começaria. Multidão de pessoas nas ruas… Tempo bom… temperatura ideal para correr uma maratona.

 A minha meta era correr a maratona em 3h16, o que significaria uma média de 4:38/km. Após o aquecimento, nos dirigimos para a largada e conseguimos uma boa posição. Apesar do medo de sermos atropelados logo que a corrida se iniciasse, ficamos no primeiro pelotão, atrás dos corredores profissionais.

Enquanto tocava uma música clássica, fomos saudados em várias línguas: "Bem vindos à Maratona de Berlim!". Quando foi falado em português, os gritos e aplausos do Brasil foram ouvidos com grande animação. Meu coração batia forte e eu pedia para que Deus protegesse a mim e a todos que estavam ali. Por alguns segundos, era como se eu estivesse ali sozinha, em silêncio e fui ficando calma e concentrada, até que o tiro soou e os corredores saíram em disparada.

Completei o 1º km em 4:20 e fiz um esforço grande para correr um pouco mais devagar, já que tinha muito pela frente. Lembrei das palavras do Heleno, meu treinador: "No começo todo mundo é forte, mas o corredor experiente é aquele que consegue correr consciente, no seu ritmo, até o final da prova."

Durante todo o percurso, muita torcida nas ruas… As pessoas gritavam "Brazil!"/ "Bresil!"/ "Brasil!". Os corredores que passavam por mim, liam meu nome no uniforme verde e amarelo e me davam força! Bandas de músicas tocavam durante todo o percurso! Havia até samba! Bandeiras, cartazes, crianças e velhos aplaudindo!

Com esta torcida motivando, passei no km 5 com 22 minutos; no 10, com 45 e fiz a meia em 1h36 – muito melhor do que planejava. Se continuasse assim, iria terminar a prova em 3h12!

Corria em uma média de 4:30/km, com exceção dos trechos em que havia postos de água. Como eles serviam a água e o isotônico em copos abertos, eu era obrigada a desacelerar bastante para conseguir beber pelo menos um golinho, enquanto grande parte derramava pela minha roupa e no chão.

No km 32, quando minhas pernas já estavam bem pesadas, eu avistei o Helmut com máquina fotográfica em mãos! Ele gritou e foi como se eu recebesse uma carga de motivação muito forte. Senti uma alegria muito grande e tive uma certeza: iria completar bem aquela prova! Logo à frente, após passar por um tapete de cronometragem, ouvi anunciarem meu nome. Levei um susto! Será que fazia parte dos serviços da prova?

PERNAS DESOBEDIENTES. Do km 36 em diante, meu ritmo foi caindo; afinal, eu tinha me preparado para um "pace" de 4:40 e tinha feito grande parte em um ritmo mais forte. Meus batimentos cardíacos estavam baixos, eu tinha sensação da respiração tranqüila, mas as pernas não obedeciam. Fazia um esforço grande para controlá-las, mas completava cada quilômetro em 4:45… alguns até mais! Mesmo assim, ultrapassava muitos e muitos corredores… Estávamos todos muito cansados… No km 40, o cronômetro marcava 3h05 minutos. Iria fazer uma ótima prova!!

Acelerei, passei uma… duas… três mulheres! Muitos homens ficavam para trás! Procurava o Portão de Brandenburgo! Meu treinador tinha falado: "Quando você avistar o Portão, pode acelerar, que você está chegando! Havia esperado por aquele momento durante toda a corrida! O portão não aparecia nunca, mas eu mantinha o ritmo!

Enfim, ele surgiu e eu corri o melhor que pude, embriagada de emoção e de endorfina, ouvindo o aplauso da torcida! Passei pelo tapete de chegada e apertei o cronômetro: 3h15! Eu havia conseguido!

Fui enrolada em um plástico, como todos os corredores que chegavam, pois havia um risco grande de hipotermia devido ao frio que fazia. Um senhor colocou a medalha no meu pescoço com o maior cuidado, enquanto falava algo em alemão. Eu não entendia nada, mas as lágrimas iam escorrendo do meu rosto! Eu me sentia tão vitoriosa! Lembrava da gripe, dos treinos e de tudo que passei!

Com a medalha no peito, me dirigi a um cartaz gigantesco onde os corredores deixavam os seus relatos e escrevi: "A Deus e ao Helmut. Dri – Brasil". Fui a segunda brasileira a cruzar a linha de chegada e a 140º mulher! Me sentia parte da história, tinha deixado minha marca ali.

Adriana Duarte Coelho é assinante de Belo Horizonte

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