Sem categoria admin 4 de outubro de 2010 (0) (131)

Mitos na academia

 

Considerando-se o crescimento no número de faculdades de Educação Física formando milhares de jovens professores anualmente, era de se esperar que antigos mitos que reinam em salas de musculação de academias deixassem de existir. Um deles, que não se sabe de onde surgiu, é o tal do "encaixa quadril", posição de retificação da coluna lombar sugerida para executar exercícios de rosca bíceps em pé ou agachamento no aparelho específico com barra guiada.

O "encaixa quadril" surgiu da necessidade das pessoas hiperlordóticas, "bum bum arrebitado", atenuarem a curvatura, levando-a a uma posição anatômica mais cômoda. Só que atenuar não significa "retificar" a coluna, como temos visto em algumas academias.

As quatro curvaturas da coluna – sacral, lombar, dorsal e cervical – têm a função de dissipar as forças no sentido horizontal e são capazes de dividir por dez uma pressão resultante de uma carga e/ou impacto. A retificação de uma delas, normalmente a lombar, diminui em 50% a capacidade de dissipar forças sobre a coluna. Lesões entre L5 e S1 e/ou dores irradiadas podem estar associadas a exercícios mal executados, tais como agachamento e rosca bíceps na posição de pé, tudo por causa desse tal "encaixar quadril".

Ao longo da vida as curvaturas vão se formando exatamente como na evolução da espécie humana, que passou da posição quadrúpede à bípede a partir do pré-hominídeo. Assim, a criança ao nascer tem a coluna lombar côncava para frente e somente aos treze meses se torna retilínea, para aos três anos começar uma ligeira lordose lombar, que vai se consolidar aos oito anos de idade para aos dez se tornar definitiva com o ângulo adequado.

Para que isso aconteça de modo natural é preciso primeiramente deixar a criança se desenvolver naturalmente, tendo sempre o cuidado com a coluna na hora de pegar no colo, dar banho, amamentar e não tentar adiantar nenhuma fase para mostrar à sociedade a sua criança prodígio, como se fosse o seu trofeuzinho. Se ninguém atrapalhar, a criança rola, fica de bruços, levanta a cabeça, o tronco, fica de quatro, engatinha, fica de pé e anda. "Um ano andarás, dois anos falarás". Andar antes disso não é nenhum ser de outro planeta e um pouco depois não é um defasado. Daí a necessidade de se deixar as crianças se desenvolverem com atividades lúdicas, para que possam ter uma vida adulta sadia e coluna sem problemas, pronta para executar tarefas funcionais e fazer exercícios.

Mais uma vez defendo o professor especialista na Educação Física escolar e do fitness, um dando continuidade ao trabalho do anterior a fim de se evitar absurdo como esse tal "encaixar quadril" para fazer exercícios em pé. Já imaginaram se um fisiculturista fizesse agachamento encaixando o quadril com as cargas enormes que usa? Não ia sobrar coluna para contar a história.

 

ABDOMINAL CORRETO.  Outro absurdo acontece com a execução do abdominal. Não é raro ainda vermos alunos fazendo séries intermináveis de abdominais das mais variadas formas inclusive a antiga em que se deitava completamente de barriga para cima, sentava-se abraçando as pernas e voltando à posição original.

Sabe-se hoje que, na posição deitada de barriga para cima e pernas esticadas (decúbito dorsal longo), o músculo psoas exerce uma função contrária, deixando de ser flexor do quadril para ser hiperextensor da lombar, atuação conhecida como "paradoxo do psoas". Ou seja, puxa o quadril para trás, forçando a curvatura normal da coluna, devido à sua posição anatômica. Essa é a razão para que na execução do abdominal superior (antigo supra umbilical) a lombar deva ficar apoiada e retificada,  bastando flexionar as pernas, eliminando a ação do grupo muscular iliopsoas.

Cabe ressaltar que os exercícios abdominais, levando-se em consideração a eficiência e segurança do aluno, seguem a premissa de flexionar e estender o tronco apenas de 15 a 20°, mantendo a coluna lombar protegida. O resto, se não existir uma justificativa fundamentada na atividade esportiva do aluno, é pura invenção. Um abdome forte previne tanto a hiperextensão da coluna como a anteversão da pelve, ajudando a execução da maioria dos exercícios de musculação, mas precisa fazer direito, uma vez que a coluna lombar costuma ser alvo de dores e/ou lesões importantes. A grande maioria dos problemas costuma estar na execução inadequada de exercícios e/ou desatualizados.

Eu sei que o corredor de um modo geral não gosta de fazer abdominal, mas é preciso uma série mínima para fortalecer essa massa muscular muito importante na proteção do tronco e da coluna lombar, amenizando o impacto repetitivo da corrida de longa distância.

 

A PUXADA POR TRÁS. Outro exercício destinado ao grande dorsal (músculo das costas) e alvo de muita discussão é a puxada por trás, que tem sido relacionado a provocar dor no ombro. Há quem até sugira que esse exercício deveria ser abolido nas academias. Eu diria que não.

Os problemas de dores no ombro muitas vezes têm origem no excesso de uso na prática esportiva ou na falta de sincronismo entre grupos musculares na escolha de determinados exercícios físicos na musculação, entre eles a puxada por trás. A maior parte das lesões de ombro ocorre no sentido anterior, estando relacionada ao movimento de abdução, rotação externa e ou extensão, movimentos próprios do nado e do vôlei, ou seja,  levantar e rodar o braço.

Vamos então entender de forma simplificada o funcionamento dessa articulação. O osso do braço, úmero, se encaixa numa cavidade localizada na escápula, osso largo das costas. Na parte anterior temos o osso da clavícula que todos conhecemos muito bem. Como se fosse sua extensão, a escápula tem uma parte óssea chamada de acrômio da escápula. É palpável bem na ponta do ombro, passando para a parte posterior com o nome de espinha da escápula. Essas peças são interligadas por ligamentos, protegidas por músculos e o espaço entre a cavidade na escápula e a cabeça do úmero é preenchido por partes moles, cuja função é evitar o atrito dessas duas partes ósseas.

As lesões nessa região, segundo a literatura atual, podem ter três origens: impacto mecânico (extrínseco), alterações fisiológicas no espaço entre os ossos (intrínseco) e fraqueza muscular no grupo muscular chamado de manguito rotator, a mais comum.

Essa fraqueza muscular pode gerar um desequilíbrio de forças vetoriais fazendo com que a cabeça do úmero atrite contra o acrômio da escápula, gerando as dores e possíveis lesões, principalmente se o músculo deltóide, que protege o ombro, estiver muito desenvolvido. O exercício da puxada por trás, destinado ao desenvolvimento do grande dorsal e boa participação também do peitoral na fase concêntrica, é um dos que pode gerar a chamada "síndrome do impacto", caso o manguito rotator esteja fraco. É consenso entre os estudiosos que uma das funções desse grupo muscular é centralizar exatamente a cabeça do úmero dentro da cavidade na escápula. Ou seja, é o que faz o braço rodar direitinho no seu lugar. 

Entre os adeptos da musculação, a puxada por trás é um dos preferidos por trabalhar músculos que "aparecem", no caso grande dorsal, que deixa as costas largas. Entretanto, não gostam de fazer as remadas que se destinam a fortalecer justamente o manguito rotator, músculo que não aparece. Não é a puxada por trás que lesiona, e sim séries e cargas mal planejadas para cada indivíduo.

Os diversos métodos de treinamentos na musculação, que são quase infinitos, não foram criados por acaso, da mesma forma as séries e repetições têm objetivos bem distintos. Sendo assim, quando pensamos em peitoral bem desenvolvido precisamos lembrar dos músculos lá de trás, os da cintura escapular e os do manguito rotator direcionando o movimento.

Portanto, não adianta gostar só de supino. Para desenvolver uma musculatura harmoniosa, a prescrição do exercício inclui remada sentada aberta e/ou fechada, crucifixo invertido e plano, voador, entre outros, de acordo com a necessidade individual.

Entretanto, vale lembrar que a puxada por trás não prioriza nenhuma atividade funcional. Ou seja, é muito mais comum no dia-a-dia a gente puxar alguma coisa pela frente do corpo do que por trás. Por conta disso, seria melhor recomendar para a maioria das pessoas a puxada pela frente porque em relação a essa não existe nenhuma discussão. O corredor que apenas corre tem uma tendência a curvar as costas, principalmente quando fica cansado em provas longas. A puxada pela frente e as remadas são exercícios que corrigem essa postura, com o fortalecimento do manguito rotator e do grande dorsal.

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