Dois anos e meio após correr a Maratona de Dublin, resolvi novamente me aventurar em uma maratona na Irlanda, só que desta vez no interior, na costa oeste, numa região chamada Connemara. A princípio, ao me informar sobre a prova, fiquei um pouco assustado com a topografia e com as condições climáticas daquela região, além, é claro, do tempo obtido pelo campeão da maratona no ano anterior, na casa de 2h57. Em razão disso, direcionei meus treinamentos para percursos acidentados, a fim de me preparar adequadamente para a corrida.
Connemara é uma região composta por montanhas, vales, lagos, pântanos e que possui pouca vegetação. Embora seja pouco habitada e com jeito campestre, é uma região com belas paisagens, cujo ponto forte de sua economia é o turismo; inclusive, serviu de cenário para alguns filmes. Faz parte da província de Connacht e do condado de Galway, que é a maior cidade daquela região, com aeroporto, além de linha de trem para a capital, Dublin, distante cerca de 210 km.
Conta-se que durante o regime do general puritano Cromwell, os ingleses obrigaram milhares de irlandeses a se mudarem para essa região, lugar com poucas áreas adequadas ao cultivo. É atribuída a Cromwell a frase: "Go to hell or to Connacht", (Vão para o inferno ou para Connacht). Talvez por esse motivo, algumas montanhas na região de Connemara têm nome com essa conotação.
Fiz a inscrição pela Internet com alguns meses de antecedência. Entretanto, nas proximidades da viagem, tive que solicitar o encaminhamento de outro número para o endereço de minha irmã, Márcia, que mora na Irlanda, pois o kit contendo o número não chegou em meu endereço no Brasil a tempo.
Na véspera, 31 de março, os organizadores ofereceram jantar de massas em duas cidades próximas: Clifden e Oughterard. Entretanto, eu jantei no restaurante do hotel onde estava hospedado, em Galway.
Três provas ao mesmo tempo. No domingo, 1º de abril, vários ônibus partiram do estacionamento da catedral de St Nicholas em Galway até Oughterard, onde os organizadores montaram barracas para servir o café da manhã. Na mesma estrutura foi servido lanche para os atletas após o retorno da competição. Nesse local, foram montados também os banheiros químicos. De Oughterard, os ônibus levaram os atletas até a área de largada de cada uma das três provas: ultramaratona, maratona e meia, uma vez que, segundo o regulamento da prova, o trânsito de veículos particulares estaria impedido de chegar até o local das largadas. Na prática, não foi tão rigoroso assim, pois fomos alcançados por alguns carros durante a corrida.
No kit, havia um folheto com o mapa do percurso e orientações gerais, inclusive com recomendação para os atletas envolverem suas sacolas em algum material impermeável, pois seriam armazenadas ao relento, na área de chegada. Na largada, havia um caminhão especialmente preparado para o recolhimento das sacolas.
As provas iniciaram-se com intervalo de 1h30 de uma para outra e em lugares diferentes, mas com chegada no mesmo local. O percurso da ultra, 39,3 milhas, (aproximadamente 63,3 km) foi o mesmo da maratona após 13,1 milhas, e da meia, após 26,2 milhas, o que é interessante, porém mais adequado a um país com clima temperado, caso da Irlanda.
A largada da maratona ocorreu pontualmente às 10h30, cerca de 3 minutos após a passagem dos líderes da ultra, os quais passaram sem problemas por um espaço aberto pelos maratonistas, que já estavam concentrados na área da largada.
Aproximadamente 2 km após a largada, eu e outro corredor nos isolamos na liderança. Não demorou muito também para alcançarmos os líderes da ultra. A partir daquele ponto, fiquei imaginando se também seríamos alcançados pelos líderes da meia. Quando passamos pela milha 13, consultei o cronômetro e vi que levamos 1h15 minutos até aquele ponto. Do lado esquerdo, a cerca de 100 metros, podia-se ver uma multidão de corredores concentrados para a largada da meia. Eu estava me sentindo bem e tinha boas expectativas quanto ao resultado, pois o dia estava bastante favorável para se correr uma maratona: ensolarado, com temperatura na faixa dos 13 graus e pouco vento, embora a altimetria do percurso ainda nos reservasse na segunda parte duas importantes ladeiras, além de constantes aclives e declives.
Por volta da milha 18 (km 29) o outro corredor tentou se distanciar, mas eu mantive o ritmo, cerca de 20 metros atrás. Algum tempo depois, voltei a dividir a liderança e na altura da milha 22 (km 35) foi a minha vez de determinar um novo ritmo, pois apesar de saber que a parte mais difícil da prova estava por vir, calculei que tinha energia suficiente para encarar a última subida. Ao ouvir algumas palavras de incentivo, me dei conta de que havia aberto certa vantagem, pois se seguia um silêncio após a minha passagem.
A vitória, em 2:32:32. Ao terminar a subida, imaginei que se eu quisesse garantir a vitória, teria que correr forte na descida, mas valeria o sacrifício. Àquela altura, não pareceu fácil, pois vários músculos posteriores começaram a doer. Entretanto, eu sabia que a chegada estava ficando próxima e não havia treinado em vão. Mantive o ritmo e fui o primeiro a cruzar a linha de chegada comemorando minha primeira vitória em uma maratona, no tempo de 2:32:32, com 1 minuto e 10 segundos de vantagem para o segundo colocado, o polonês radicado na Irlanda Wieslaw Sosnowski. No feminino, a vitória foi da britânica Sharon Daw, em 3:17:14. Curiosamente, a disputa mais acirrada aconteceu na ultra, cuja vantagem do campeão Martin Rea para o segundo colocado foi de apenas 5 segundos.
Apesar de ter completado a prova num tempo razoável para o percurso, não quebrei o recorde, o qual, segundo o diretor da prova, Ray O' Connor, pertence ao queniano Isaac Kymuge, com 2:30:55, obtido em 2003. O vencedor de cada uma das provas, tanto no masculino quanto no feminino, recebeu 500 euros (1.365 reais) e um troféu de cristal. Houve também premiação em dinheiro para os vencedores nas faixas etárias.
O evento contou com a participação de atletas de 37 países e o número de concluintes foi de 86 na ultra, 387 na maratona e 2.184 na meia. Todos receberam medalha de participação e camiseta alusiva ao evento. A distribuição de água no percurso ocorreu a cada 3 milhas, cerca de 4,8 km, e na chegada, onde houve também a distribuição de frutas e barra de chocolate. A água distribuída durante o evento foi especialmente envasada por um dos patrocinadores em garrafas de 250 ml, fato raro nas provas do exterior, onde geralmente se recebe a água (da torneira) em copos abertos.
As inscrições para o próximo ano já se encontram abertas. Maiores informações sobre essa maratona podem ser obtidas no site www.connemarathon.com
*Ismael Pereira da Silva é assinante de Curitiba