Notícias admin 4 de outubro de 2010 (0) (193)

Minha primeira maratona: em Punta del Este

Dias depois me mostrou um e-mail sobre uma excursão do Corpa para a 1ª Maratona e Corrida de 8 km em Punta del Este. Fiz a minha inscrição para os 8 km. Mas dias depois, pensando na viagem que seria longa para correr somente 8 km, liguei para ver a possibilidade da troca para a maratona. Já estava até querendo que o meu pedido não fosse aceito. Mas foi. E agora?

Liguei para o meu amigo, que já era um amigão e falei da troca para correr os 42 km. Ficou um silêncio no ar. Pedi ajuda para treinar, tínhamos só três meses.

Um dia ele me entregou uma planilha onde estava escrito em letras graúdas: "treinos OBRIGATÓRIOS". Fizemos a maior parte deles juntos. Até achei que estava prejudicando o treinamento dele porque o meu ritmo é mais lento. Em muitos longos falei para me deixar para trás, mas ele só me largava quase no final, e em alguns poucos treinos. Acho que ele sabia que sozinho talvez eu interrompesse a corrida para caminhar.

Cumpri todos os treinos que estavam na planilha, inclusive o maior deles que foi um longo de 32 km. Mas ficava aquela dúvida do desconhecido. Como serão aqueles últimos 10.195m?

Chegou o dia de embarcar com a excursão. Gente que eu não conhecia, mas vi que todos tinham prazer em estar ali. Assim que chegamos no hotel, dois dias antes da prova, um grupo fez um treino leve e fui junto. Muito frio, vento e até chuva na beira mar. Mas valeu, pois tínhamos viajado 14 horas.

Na véspera da prova fomos ao jantar das massas. No trajeto, dentro do ônibus, me deparei com o primeiro obstáculo: o chefão Paulo Silva queria saber qual o tempo que cada um pretendia fazer na maratona, pois tínhamos que retornar ao hotel logo após a prova para tomar banho, desocupar o hotel e retornar ao local da chegada para a premiação. Começou perguntando quem faria em determinados tempos, até afirmar: ninguém vai levar mais de 4 horas para concluir, não é? Ali eu gelei, travou tudo, nos meus cálculos o meu tempo ia muito além disso. Eu queria só concluir, sem me preocupar com tempo. A minha cabeça virou uma calculadora, revi os tempos dos treinos para ver se não havia possibilidade de reduzir, mas só consegui chegar nas 4h30. Isso sem contar que correr 10 km (depois de 32) era desconhecido para mim.

No ritmo para 4 horas. Levantamos cedo, café às 6h, corrida às 8h. Muita festa na largada, muitos brasileiros. Tocaram o nosso hino, era dia 7 de setembro. Comecei no meu ritmo, pista molhada e alguns pingos de chuva ainda caíam. Percorremos ruas de Maldonado, algumas com leves subidas até entrar num bosque com estrada de terra e piso macio. Quando vi, estava ao lado do pacer que marcava tempo de 4 horas, o editor da CR, Tomaz Lourenço. Junto estava um colega da excursão, corremos conversando um pouco, fui acompanhando o grupo, me sentindo bem, entramos no asfalto. Ali vimos o pessoal que estava na nossa frente retornando de um trecho por onde deveríamos passar. Acenei para o meu amigo treinador, e outros colegas, todos num ritmo de dar inveja.

Pegamos a avenida beira mar, acompanhei o grupo das 4 horas até quase a metade da prova, quando comecei a cansar. Vi que naquele ritmo eu poderia sentir algo mais adiante que me impedisse de concluir. Fui ficando para trás, mais gente passava por mim, e eu sempre consciente de que deveria manter o meu ritmo. Até a metade verifiquei que estava dentro do horário para terminar a prova antes de 4 horas; o pacer tinha programado para a primeira parte um ritmo maior, para poder aliviar na parte final.

Na marca dos 24 km eu estava correndo isolado, já ouvi falar desse espaço vazio que acontece nas maratonas, ali é só o teu corpo e teus pensamentos. De um lado o mar, do outro lindos prédios (mas todos fechados), no meio a avenida extensa por onde eu deveria seguir, praticamente uma reta.

A garota de mini-saia rosa. Após o km 25, onde estavam distribuindo água e haviam instalados os banheiros, surge na minha frente uma atleta, e que atleta diferente; estava correndo de mini-saia cor-de-rosa, com uma jaqueta de abrigo, seus cabelos longos e pretos amarrados no estilo rabo de cavalo enfiados no boné. Notei que estava correndo com mp3 e com óculos de sol, acho que para proteger os olhos do vento, já que sol não havia.

Vocês estão esperando que eu fale de mais alguma coisa, né? Então aí vai: As pernas – bem torneadas, firmes sem exagero na musculatura, longas, proporcional ao seu tamanho que deveria ser 1,75m, e ainda com um tom dourado. Acho que usou a mini-saia para servir de moldura para aquela obra de arte.

Corremos no mesmo ritmo e não cheguei a me desconcentrar da minha corrida; fui aconselhado para não perder a concentração, e aquele visual estava só ajudando. Não quis ultrapassá-la, estava tudo perfeito, qualquer movimento diferente poderia quebrar o encanto. Eu ouvia o som de suas pisadas e com certeza ela ouvia o meu mais forte ainda, eu estava usando um tênis com sola barulhenta, mas com bom amortecimento.

Em cada ponto onde havia grupinhos de pessoas assistindo, os aplausos eram acompanhados de elogios tipo: "Que hermosa chica parabenes! que rica! arriba!" Ouvia que ela agradecia em espanhol. Eu agradecia também, muito obrigado, eles sabiam que eu era brasileiro porque colei bandeiras do Brasil e do Rio Grande do Sul no boné e no calção; só faltava a do Inter.

Mas aqueles aplausos e incentivos valiam também para mim, sozinho não sei se receberia toda aquela festa, por isso também jamais pensei deixar de acompanhá-la. Chegamos em um ponto que estavam distribuindo Gatorade, peguei o meu e fui bebendo, ela não pegou nada. Mais adiante alguém que estava na calçada entregou-lhe uma garrafa, ela tirou o abrigo que estava usando e largou para essa pessoa. Era alguém da sua equipe, porque notei que as camisetas eram iguais; eles eram argentinos pela identificação nas camisas. Ela bebeu um pouco. Fomos mais alguns metros e ela me ofereceu a bebida, só estendendo o braço. Não aceitei porque tinha acabado de tomar o Gatorade, mas agradeci.

Os últimos 10 km. Dali em diante o público nas calçadas foi aumentando e os aplausos também. Assim fomos até o km 36. Encontramos muitos atletas desistindo, outros caminhavam, corriam e voltavam a caminhar devido a câibras. Vendo aquilo me dei conta de que estava naquela zona desconhecida para mim: os últimos 10 km.

Verifiquei o tempo e vi que teria que ir naquele ritmo até o final para completar em 4 horas. Tentei mais um pouco, não queria diminuir o ritmo, aumentei a freqüência e diminui a amplitude das passadas, assim me sentia gastando menos energia. Por volta do km 37 havia outro ponto de isotônico e comecei a caminhar enquanto bebia; foi meu erro, não deveria ter parado para beber.

Tentei retomar a corrida, mas as pernas não acompanhavam, pesavam, veio uma tontura, vi a mini-saia se distanciando, caminhei mais um pouco e tentei decolar, comecei com uma marcha que virou uma corridinha, mas só consegui um trote. Voltei a caminhar mais um pouquinho e repeti a operação. Não deu certo, os sintomas foram os mesmos, e até quase câibras. Fui no trote mesmo até que, para meu alívio, a tontura passou. Já não avistava mais a argentina da mini-saia.

Carona com o pacer das 4h15. Agora o percurso era de ruas estreitas, algumas curvas no meio de árvores e para dificultar, algumas subidinhas. Não dava mais para concluir em 4 horas, meu ritmo caía cada vez mais. Continuava encontrando atletas que caminhavam e voltavam a correr. Eu me questionava: por que será que para mim isso não funciona? Já nem pensava em caminhar. Estava arrependido pelo que fiz, perdi o ritmo e estava sozinho sem distração. Até que no km 40 surge a força que tanto eu buscava. Era o pacer das 4h15 que encostava, com um grupo de 6 pessoas, que me incentivou, me puxou com palavras em espanhol, o que fez eu me emocionar e querer retribuir aos apelos.

Consegui forças e entrei para o grupo. Fomos juntos e, quase no final eles aumentaram o ritmo, uns mais que outros. Ali eu notei que cada um faz a sua chegada, ninguém desiste nesse ponto. Tive mais uma emoção: vi o meu amigão treinador me esperando bem antes da chegada; em seu rosto a felicidade por eu estar concluindo a prova, veio correr junto comigo esses últimos metros, me parabenizando. Minhas passadas ampliaram, parecia que eu estava correndo prova de 100 metros. Ele me largou só para eu cruzar a linha da chegada. E mais uma emoção: ouvi anunciarem o meu nome como se fosse uma bandeirada!

Terminou! Fiz em 4h14. Só deu tempo para pegar a medalha, uma água, uma banana e tirar uma foto com o meu treinador/amigo. O pessoal já estava me esperando. E agora, como subir as escadas do ônibus? Nem conseguia caminhar direito! Subi usando a força dos braços e as câibras vieram com tudo!

Palavras finais. Aos amigos da excursão, desculpem pelo atraso de 15 minutos.

Ao Paulo Silva: valeu o susto da cobrança para que o último da excursão fizesse a maratona em 4 horas. Isso ajudou para que eu superasse o tempo que eu achava possível concluir. Ficamos no meio termo: nem 4 nem 4h30.

À argentina de mini-saia: pela distração e estímulo durante 12 km do percurso.

Ao meu treinador Gilberto Bocalon: cada amigo novo que ganhamos na vida nos aperfeiçoa e enriquece, não pelo que nos dá, mas pelo quanto descobrimos de nós mesmos.

À minha família, esposa Márcia, filhos Cássio e Ramiro: agradeço pelo apoio e por assumirem minhas tarefas enquanto treinava e nos dias da prova. Quem sabe venha a surgir mais corredores nesta família.

A todos que querem correr a 1ª maratona: é possível a qualquer tempo, com dedicação nos treinos.

Luiz Ataliba Luz Castro, 51 anos, é assinante de Gramado

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