Notícias André Savazoni 12 de outubro de 2018 (0) (141)

Medalhista paralímpica ensina cinco lições para a vida

Verônica Hipólito é dessas pessoas capazes de fazer tudo parecer simples. Conquistar duas medalhas paralímpicas e ser campeã mundial? Fácil! Superar um AVC e a retirada de 90% do intestino grosso infestado por 200 tumores? Moleza! Demonstrar bom humor a toda prova para recomeçar no esporte após a terceira cirurgia para combater um tumor no cérebro? Tranquilo! Só ela sabe o esforço necessário para enfrentar e vencer tudo isso. Longe de se vitimizar, leva uma mensagem de otimismo por onde passa. Foi assim no encontro com crianças e jovens no clube Espéria, em São Paulo, durante rodada da Liga Nescau Jovem Pan, competição estudantil na qual é uma das Embaixadoras.

Da conversa com os alunos/atletas, que interromperam as competições de judô e atletismo para ouvir a jovem velocista de 22 anos, várias lições. Sempre com um sorriso no rosto, Verônica listou os cinco pontos que considera mais importantes para o esporte e para a vida:

1 – “Em todo momento pode aparecer alguém para te dizer que as coisas podem ser impossíveis. Mas só você decide se é ou não. Você faz o que quiser. O impossível não existe. Você constrói sua história.”

2 – “Dar o seu melhor cansa. Muitas vezes machuca. Você vai suar. Vai chorar. Mas nunca desista. Pense que existe algo muito bom lá na frente. Quem se esforça chega a lugares muito incríveis.”

3 – “Todo mundo tem problemas. Pode ser um resfriado, um problema na família, uma lesão, alguma coisa na escola. Mas tudo passa. Tudo tem uma solução. Não vivam o problema, Vivam a solução. É isso que importa.”

4 – “A gente só vive uma vez. Não sabemos o que vai acontecer depois. Então, simplesmente viva, ame. Não perca tempo odiando ou sofrendo com coisas que não valem a pena.”

5 – “A gente não vive sozinho. Então, vamos olhar mais para o próximo. Ajude seu amigo. Ajude seu irmão. Tem coisas tão legais, e tão simples, que podemos fazer e não custa nada. Por exemplo, um ‘bom dia’, ‘boa tarde’, ‘boa noite’, ‘por favor’, ‘obrigado’ fazem diferença no trato com as pessoas. Vamos viver mais como coletivo porque, tenho certeza, que faremos muitas coisas boas se vivermos com mais amor e um para o outro.”

Verônica cita o próprio exemplo para quantificar a força do esporte na vida das crianças. “Tive vários casos de bullying e achei muito pesadas, e o esporte me salvou. Quando tive o AVC, estava no ensino médio. Não esqueço que as pessoas apontavam e diziam: ‘olha lá a menina que teve um AVC e cirurgia na cabeça, olha como ela manca’. Aí comecei a correr, e cada vez mais rápido. Com o tempo, a menina mancava, com AVC e tumor era a mais rápida da minha escola, em São Bernardo, onde nasci. Era a menina que todo mundo queria no time ou parava para assistir em uma prova de atletismo. Então, o esporte ensina. O esporte salva!”.

O esporte surgiu na vida de Verônica antes dos problemas físicos. Praticou várias modalidades, entre elas, judô e natação, incentivada pelos pais, a fim de vencer barreiras, como a timidez. Hoje, reconhecida como uma das melhores paratletas do mundo, a velocista quer ser exemplo para as futuras gerações. “Gosto muito de interagir com as crianças e jovens e a Liga Nescau me dá essa oportunidade. Espero conseguir demonstrar o quanto o esporte e a educação podem levá-los a lugares incríveis, como me levaram. Compartilhar minha história e mostrar que tudo pode ser difícil, mas não impossível, me deixa feliz”, afirma ela, que comemora o fato de a competição estudantil unir pessoas com e sem deficiência pela primeira vez no Brasil. “Temos 45 milhões de deficientes no país. Cadê eles? Aqui estamos vendo. E os vendo fazer de tudo com todo mundo.”

Superação – Verônica trotou ao lado de um grupo de garotos na pista de atletismo do Espéria. E não resistiu ao ver os meninos acelerar e forçou o ritmo para não ficar para trás. Prova de que seu corpo está respondendo bem após cirurgia para retirada de um tumor no cérebro, a terceira desde 2009, sofrida em janeiro. Ela voltou a caminhar há apenas um mês e foca no retorno às competições e, claro, em vitórias.

“A recuperação está sendo um pouco difícil. Engordei mais de 10 quilos, pois passei muito tempo de cama. Andar era um desafio absurdo. Estou firme da dieta e nos treinos. São seis dias na semana, em dois períodos, fora a fisioterapia. Honestamente, dói tudo, mas sei que vai valer a pena”, conta ela, listando o Parapan e o Mundial de 2019 como maiores objetivos. “Para chegar lá, preciso fazer os índices até a primeira semana de junho do próximo ano. Vou conseguir. Em 2016, me machuquei e voltei em quatro meses”, confia.

Para dimensionar o esforço, Verônica trabalha para perder cinco quilos até o final do ano e baixar o percentual de gordura de 29% para 18%. “Já perdi três quilos, mas minha maior dificuldade hoje está em relação a força muscular. Então, o mais difícil fica para o treino na academia. Coloco a menor quantidade de peso possível, quando coloco. Por exemplo, minha série de agachamento chegou a ser quatro séries com 120 kg. Agora, só com a barra, que pesa 15 kg, eu aguento 3 repetições. Com o peso do corpo, faço dez. Mas estou evoluindo. Fiquei com a imunidade baixa após a cirurgia. Mas isso já passou e sigo em frente.”

Segue com o objetivo de voltar a frequentar o pódio das principais competições paradesportivas. Verônica conquistou as medalhas de prata e bronze nos Jogos Paralímpicos do Rio de Janeiro em 2016, nas provas de 100 m e 400 m na classe T38 feminino (para atletas com deficiência física oriunda de paralisia cerebral). Também foi campeã mundial nos 200 m e vice nos 100 m em Lyon-2013, ouro nos Jogos Parapanamericanos de Toronto nos 100 m, 200 m, 400 m e prata no salto em distância, campeã sul-americana nos 100 m, 200 m e salto em distância, além de ser pentacampeã brasileira dos 100 m e 200 m.

Guerreira – A força de vontade para vencer se estende para os problemas de saúde. Aos 13 anos, em 2009, foi obrigada a interromper as atividades no judô para retirar um tumor no cérebro. Em 2011, antes de completar 15 anos, sofreu um AVC e teve todo o lado direito do corpo paralisado. Os médicos chegaram a dizer que ela não mais andaria. Em meados de 2012, resolveu tentar correr. Um ano depois, ganhava seu primeiro campeonato mundial adulto, com 17 anos. Em 2015, após uma anemia, descobriu ser portadora de uma síndrome rara, chamada Polipose Adenomatosa Familiar, sendo obrigada a remover 90% do intestino grosso, comprometido por mais de 200 tumores. No início do 2017, foi submetida a uma nova cirurgia no cérebro para a retirada de um novo tumor, descoberto em 2013. Neste ano, o procedimento precisou ser repetido.

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