20 de setembro de 2024

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Perfil admin 10 de março de 2015 (0) (352)

MARCIO PUGA, A LENDA

Ele correu 48 maratonas, sen¬do 43 abaixo de 4 horas – entre elas, 20 sub 3 horas dentre as quais estão inclu¬ídas ainda 5 maratonas na faixa de 2h38. Mas o treinador Marcio Puga, do Rio de Janeiro, hoje com 63 anos, é muito mais do que excelen¬tes marcas nos 42 km. Ele é a histó¬ria viva da corrida de rua no Brasil. Não à toa é conhecido como "a lenda". "Comecei no esporte há mais de três décadas e me mantenho na ativa. Vi¬venciei e aprendi muita coisa e tive sucesso profissional. Por isso o pessoal mais novo me chama assim", justifica.
Conversar com ele é se apaixonar um pouco mais pela corrida e ter von¬tade de fazer cada vez melhor. No en¬tanto, para quem deseja chegar lá, ele avisa: "Quando alguém fala que quer melhorar a performance, explico que não tem essa ‘mamãe me ajuda'". Ou seja, se você quer ser um bom corre¬dor tem de treinar. E muito. Confira a seguir a entrevista com o mestre e aproveite seus ensinamentos.

Como começou sua história com a cor¬rida de rua? Sempre pratiquei esporte ao ar livre. Gostava de nadar, mer¬gulhar, jogar vôlei e futebol de areia. E na minha preparação física estava inserida a corrida, mas não mais do que 4 a 5 km algumas vezes por se¬mana. Não foi por acaso que escolhi cursar a faculdade de Educação Físi¬ca – sou formado há mais de 40 anos. Em 1980, já trabalhando com esporte, como professor para crianças em uma escola municipal, tive meu primeiro contato com uma prova de rua. Foi na Maratona Internacional do Rio de Janeiro, organizada pela Printer, que um amigo me convidou para fazer. Minha preparação foi pífia; eu não ti¬nha muita noção do que era fazer 42 km. Também não tinha relógio, tênis adequado, nada disso… De qualquer forma, completei em 4h05. Sentimos que tínhamos ido bem, mas não sa¬bíamos até onde poderíamos chegar. Dois meses depois participamos da 1ª Maratona Atlântica Boavista/Jornal do Brasil, também no Rio. Dessa vez já tínhamos buscado mais informa¬ções, pudemos nos preparar melhor e fechamos em 3h35. Começamos a achar que tínhamos jeito.

Como era o mercado da corrida quan¬do você começou? Não existia mer¬cado. No final dos anos 1970 e iní¬cio dos 1980, o trabalho da atleta e empreendedora Eleonora Mendon¬ça, que era totalmente ligada ao es¬porte, foi que deu início a tudo aqui no Rio e depois pelo Brasil. Quem começou a dar forma às corridas de rua foram os cariocas. Foi no Rio também que surgiu o primeiro clu¬be de corrida, o Corja (Corredores de Rua do Rio de Janeiro), fundado por Rodolfo Eichler, Fernando Azeredo e José Inácio Werneck, jornalista que na época divulgava os benefícios da prática esportiva em uma coluna do Jornal do Brasil até lançar a revista Viva, primeira publicação específica de corrida. Só depois é que foi funda-da a Corpore, em São Paulo.

Você correu muitas maratonas e fez óti¬mas marcas… Qual é sua relação com os 42 km? Foram 48 maratonas. Em 1981 estive no primeiro grupo de bra¬sileiros na Maratona de Nova York. Em 1982, junto com o Vitor Malzoni e o pessoal de São Paulo, baixei de três horas – fiquei surpreso ao concluir em 2h44. Em 1983, em NY, fiz 2h38 pela primeira vez, registrado em meu re¬lógio/cronômetro, até porque não ha¬via chip. Atingi o mesmo tempo nas maratonas de Miami, do Rio e duas vezes em Blumenau. Sempre foquei em performance, sempre fui ao meu limite. E tinha potencial para correr os 42 km na casa de 2h32, mas estava com quase 40 anos quando fiz meu úl¬timo 2h38 – então resolvi correr sem pretensão de baixar o tempo, embora buscando eternamente o meu melhor. Nas vezes que completei acima de quatro horas – tirando minha estreia na distância -, foi por estar acompa¬nhando um aluno ou um amigo. Hoje não quero mais saber de maratona, exige muito no dia a dia. A última foi em 2012, em Chicago. Eu treinei uma aluna que queria fazer sub-4. No final ela não pôde ir. Como eu estava trei¬nado, resolvi encarar. Mas quando cruzei a linha de chegada, com 3h55, falei: "Não quero mais".

Tem alguma lembrança especial de suas maratonas? Fazer 2h38 pela pri¬meira vez, em NY, foi muito legal. Es¬tar na centésima edição da Maratona de Boston, em 1996, também. E foi emocionante ainda correr em Ams¬terdã, em 2009, puxando uma amiga que queria completar abaixo de qua¬tro horas. Fechamos em 3h58.

Com o passar dos anos é natural a per¬formance cair. Você aceita suas limita¬ções? Sou treinador e corro ao lado dos meus alunos. Vez por outra duas ou três vezes em um mesmo dia, de¬baixo de sol ou chuva. É desgastante fisicamente, mas essa é minha fun¬ção. Se não fosse isso, talvez conse¬guisse hoje, aos 63 anos, correr mara¬tona a 3h40. Mas não posso abrir mão do meu trabalho para apenas treinar. Chega uma hora que temos de reco¬nhecer as limitações. Depois dos 50 anos é difícil manter os níveis dos treinamentos de velocidade e de força e aumentam os riscos de lesões. Pa¬rei com maratona, mas sigo fazendo meia que, aliás, sempre foi a minha distância preferida. Quando você co¬meça a sofrer, a prova termina…

Quando e como você começou a traba¬lhar efetivamente com corrida? Essa história de treinamento esportivo teve início nos anos 1980. Como eu tinha boas marcas – 33 minutos nos 10.000m; 1h12 na meia e 2h38 na ma¬ratona -, alguns amigos começaram a pedir dicas e planilhas. Também fazia esse trabalho em minha acade¬mia de ginástica, a Marcio & Pavão, no Leblon. Depois surgiram alguns alunos particulares e me especializei em preparar amadores para condi¬cionamento físico e maratonas. Na década seguinte, criei a Equipe de Corrida Marcio Puga, que mantenho até hoje, com envio de planilhas aos alunos e treino coletivo toda quarta¬-feira. Graças a toda experiência ad¬quirida com corrida de rua, em 2004, fui convidado para montar o projeto da primeira running class – aulas de treinamento de corridas em esteiras – na Academia Estação do Corpo, uma das maiores do Rio. Foi um su¬cesso incrível. A partir daí também passei a viajar para correr marato¬nas no exterior, acompanhando os alunos, motivando-os a fazer tempos que nem eles acreditavam ou que queriam, mas não tinham confiança. Aos poucos fui abrindo mão da mi¬nha alta performance – pois já esta¬va cansado mesmo – para realizar o sonho de outras pessoas. Sentir a fe¬licidade de um aluno que conseguiu um resultado desejado e abraçá-lo na linha de chegada não tem preço. Quando a academia fechou, em 2012, fui para o Body Tech.

Como é sua rotina hoje? Acordo to¬dos os dias às cinco da manhã e sigo a agenda de treinamento com meus alunos. E dou aulas na Body Tech três vezes por semana. Só na quarta-feira pela manhã que não marco aluno nem vou para a aca¬demia – esse é o dia de treinar com meu grupo de corrida. Algumas vezes aparece apenas uma pessoa, em outras formamos um pelotão, geralmente para fazer um treino de subida. Costumo participar de uma prova por mês, com a equipe.

Você é de uma geração de atletas amadores focada em performance, que seguia ao pé da letra o bordão "no pain, no gain" (sem dor, sem ganho). O que mudou ao longo do tempo? Anti¬gamente treinávamos mais e acho que tínhamos maior capacidade de suportar o sofrimento – que é o que muitas vezes decide uma prova, que faz você ir até o final e buscar seu melhor resultado. Muitos amadores treinavam duro para fazer marato¬na abaixo de 3 horas. Quantos você vê fazendo isso agora? Parece que estamos diante de uma geração sem vontade de fazer esforço. Além disso, antes o foco era só a corrida. Hoje tem a bike, a musculação, o social na hora do treino… O principal objetivo é manter o corpo em forma. E tem também a vaidade quando se atinge um determinado resultado. Muitas vezes brinco com alguns alunos que chegam exibindo suas marcas: "Você fez 3h10? Você não corre nada. Na sua idade eu fazia em 2h38".

E como é treinar essa nova geração de corredores? Não tenho o menor problema em trabalhar com pessoas que só querem se exercitar para ter qualidade vida. Acompanho o aluno caminhando ou correndo. Mas prego que performance é importante, que não se deve fazer uma corrida por fa¬zer. Sou contra essa busca por recor¬des de participações em provas, com resultados pífios só para dizer que é maratonista, ultramaratonista… Agora, se a pessoa quer alto desem¬penho, explico que comigo não tem ‘mamãe me ajuda'… Quando faço a entrevista inicial, pelo papo já sei se vai dar certo. Quando começamos o trabalho não tem essa de "tive uma festa, bebi e não pude treinar". Se começar a jogar culpa na chuva, no tênis, na falta de tempo, aconselho a procurar outro esporte. Quando você faz o dever de casa, você chega. E dou muito valor ao aluno que se dedica. Eu sou duro, pego no pé, mas sei que tem que ser assim, já passei por isso. Em 1985 eu trabalhava na Ilha do Governador e tinha de ir de ônibus. Acordava às 4h30 para trei¬nar. Meu sacrifício foi recompensa¬do. Não existe milagre.

Você ainda tem o brilho nos olhos do início? Sim, tenho brilho nos olhos, dedicação e gratidão a todas as oportunidades que surgiram. Seja caminhando ao lado de um aluno, seja o preparando para um grande desafio de corrida, faço o meu me¬lhor sempre. É muito legal ter o reconhecimento que tenho. E é um orgulho enorme ainda ser procura¬do para grandes projetos.

O que a corrida representa em sua vida? Tudo. É meu trabalho, é onde fiz grandes amizades, é por meio dela que passo e recebo lições de integrida¬de, de dedicação, de superação…

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