20 de setembro de 2024

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Especial Performance e Saúde Fernanda Paradizo 5 de novembro de 2012 (0) (340)

Marcadores de ritmo, para o bem ou para o mal

Nem sempre é fácil fazer uma corrida no ritmo certo. Embora não comuns em provas já tradicionais e consagradas ao longo dos anos, os marcadores de ritmo estão ganhando terreno em eventos oficiais em algumas corridas espalhadas pelo Brasil, com o objetivo de ajudar os corredores a cruzar a linha de chegada na meta previamente sonhada e estabelecida.

Para conhecer um pouco mais sobre este assunto e até saber como são montados esses grupos de líderes de ritmo em corridas, que carregam com eles por quilômetros e quilômetros não só pessoas em busca de seus melhores tempos e marcas, mas sonhos que muitas vezes custam várias temporadas de treinos e dedicação, fomos ouvir quem já os montou e participou.

 

O PIONEIRISMO NO BRASIL. Segundo dados da organizadora Corpore, de São Paulo, os "Pace Teams" foram originalmente criados em meados dos anos 90 pelo americano John Bingham, conhecido também como Mr. Pinguin, na Maratona de Nova York, numa tentativa de ajudar as pessoas que queriam estabelecer tempos qualificatórios para Boston. A partir dessa ideia inicial, espalharam-se rapidamente por outras grandes provas norte-americanas e de lá para eventos de outros países, como Paris, Berlim e Londres.

O primeiro time de marcadores de ritmo em competições aqui no Brasil foi visto na Maratona Internacional de São Paulo, em 1998 e 1999, e foi comandado pela Corpore. A inovação foi trazida para o Brasil por Alfredo Donadio, na época diretor de comunicação da entidade, e depois foi instituída na 1ª Maratona e Meia Maratona Corpore, em 2002, e mantida depois na meia, uma vez que a maratona, que teve baixíssima participação, só aconteceu essa vez.

Harry Thomas Jr., hoje proprietário do portal Running News, foi um dos corredores paulistas que teve a oportunidade de participar desse projeto inovador tanto na Maratona de São Paulo como na Meia da Corpore. "Eu tinha acabado de completar minha terceira maratona sub 3h no espaço de 14 meses e fui chamado para puxar o ritmo para 3h15. Dessa forma, eu tinha um lastro para levar o grupo de forma confortável para mim, fazendo tudo o que um marcador tem que fazer."

Harry lembra de ter cruzado a linha de chegada pouco abaixo das 3h15 num grupo de seis corredores. Mesmo passados alguns anos, ele diz que tem contato com alguns deles até hoje. "É muito gratificante. Você não corre por você. Corre pelos outros. Uma falha sua desencadeará a frustração de pessoas que você não conhece a história, não sabe o quanto sofreram e se dedicaram para estar ali. O sucesso da empreitada vem em doses cavalares. É a sua felicidade e de outros corredores em um mix só."

NÃO BASTA BOA VONTADE. Esse sentimento de ajudar ao próximo é com certeza o grande lema do marcador de ritmo, seja ele oficial ou mesmo um amigo que resolve deixar seus objetivos de lado para ajudar alguém a atingir uma marca. Chegar a um objetivo. Mas uma coisa é certa: não basta simplesmente a boa vontade para querer ajudar. Quem se presta a fazer esse papel tem que ter experiência no assunto e algumas maratonas bem corridas no currículo para poder desempenhar esta função.

"Numa situação destas, a condição atlética da pessoa é a principal coisa a considerar. Se, por exemplo, vai puxar corredores que objetivam chegar em 3h30, você deve obrigatoriamente ter cacife para correr a distância em 3h15. Isso dará segurança ao marcador e aos corredores." Outro ponto que Harry acredita ser crucial é conhecer profundamente o percurso para poder antecipar suas características aos corredores. "Coisas como ‘daqui a 200 metros teremos uma subida', ‘o posto de hidratação será depois da curva' são coisas que o marcador deve saber, para conseguir passar tranquilidade e segurança aos demais", lembra o corredor, que destaca também a importância de ser motivador.

Hoje a Corpore continua com os marcadores de ritmo na sua meia-maratona, para os ritmos de 4:30/km, 5:00, 5:30, 6:00 e 6:30 (dois para cada ritmo), sendo os mesmos indicados pela ATC, Associação de Treinadores de Corrida de Rua de São Paulo, presidida por Nelson Evêncio, que também faz esse tipo de parceria com as provas que desejarem colocar este serviço.

"Disparamos um e-mail aos mais de 200 associados e pedimos dois por ritmo. Normalmente quem se voluntaria já está acostumado e sabe que o que vale é manter aquele ritmo fixo", conta Evêncio, que diz também que fazem isso não somente com provas, mas também com treinões organizados por marcas esportivas. Além de ter noção de ritmo e de correr num pace confortável, Evêncio salienta que é muito importante que esse marcador observe as reações de quem está apoiando para não fazê-lo exagerar e passar do ponto. "É comum a pessoa estar passando mal e alguém incentivar a correr mais forte."

 

TAMBÉM NAS MEIAS E NOS 10 KM.  Apesar de várias provas aqui no Brasil de distâncias menores já aderirem a esse tipo de serviço, como o Track&Field Run Series, com as provas de 10 km, o mais comum é ver marcadores de ritmo em distâncias maiores, como meia-maratona e maratona, em função do desafio ser maior.

Com a proposta de oferecer corrida de qualidade técnica no Brasil e baseando-se no exemplo de sucesso dos grandes eventos lá fora, a Golden Four, circuito de meias-maratonas "puras" (sem outras provas juntas) criado pela marca esportiva Asics em 2011 e que percorre quatro capitais – São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília -, já entrou no mercado de corridas oferecendo o serviço de marcadores.

São quatro grupos de pacers (dois em cada ritmo) por prova, responsáveis por levar os 21 km nos ritmos de 4:30/km (para término em 1h35), 4:45 (1h40), 5:15 (1h50) e 5:40 (2h00). Identificados com coletes amarelo-fluorescentes e bexigas de hélio, cada dupla larga na sua respectiva baia, que corresponde ao ritmo-alvo.

Segundo Danilo Balu, supervisor de marketing esportivo da Asics e responsável por organizar o grupo de marcadores para cada um dos eventos, estes atletas correm baseados no tempo líquido. "A orientação é correr do início ao fim no mesmo ritmo, sem sprint no quilômetro final. O congestionamento da largada é meio inevitável, mas dificilmente dura mais do que 1 km e, como se considera o tempo líquido, passa a valer apenas depois de se cruzar o pórtico. Nas curtas subidas há uma perda de ritmo, mas estamos falando de poucos metros com compensação logo na sequência", explica Balu, destacando que estes pacers não são obrigados a correr com GPS, mesmo porque o percurso é aferido e bem sinalizado, a cada km. Apenas o relógio com cronômetro é item obrigatório.

Na avaliação dos organizadores, considerando as sete provas realizadas até então, estes marcadores fizeram o trabalho da forma como se esperava, muito próximos ao alvo, com variação de menos de 1 minuto. Ainda segundo Balu, para a escolha deste grupo de líderes de ritmo em cada uma das praças em que as meias são realizadas, a Asics conta com uma consultoria de parceiros (treinadores de assessorias) para que sejam recomendadas pessoas que consigam cumprir bem os requisitos e desenvolver o trabalho dentro do esperado.

 

EXIGÊNCIAS NA GOLDEN FOUR.  "As duas principais características que buscamos é experiência com corrida, para não ‘flutuar' o ritmo, e extroversão. Pedimos que o marcador vá agitando, provocando, convidando. Tem que ser receptivo e lembrar que tem gente ali que está em ritmo de recorde pessoal e vai precisar de uma motivação para aguentar o desconforto", explica Balu, que é corredor e também já viveu por algumas vezes a experiência de marcador de ritmo. "Quando os corredores veem dois caras chegando, vestindo um colete de cor berrante e cheio de bexigas de hélio, já sabem que é algo diferente. Daí vamos ‘agitando', provocando, convidando. O grupo geralmente começa mais vazio e vai crescendo bastante ao longo da prova. Numa meia, lá pela metade em diante vamos ‘recolhendo' aqueles que começaram um pouco mais forte do que deveriam", conta Balu, acrescentando ainda um fato curioso. "Em geral, corremos cheios de gente, mas sempre cruzamos o pórtico sozinhos, porque as pessoas disparam no sprint final." Balu também destaca o fato de ser uma experiência muito gratificante. "A pessoa ao final te abraça, te agradece, guarda teu nome, te adiciona no Facebook, vem conversar em provas futuras. Você acaba fazendo parte de uma conquista pessoal de alguém que nem conhecia."

O técnico Heleno Fortes, de Belo Horizonte, é responsável pelo grupo de marcadores da Golden Four BH. Para buscar pessoas que façam bem este trabalho de ritmo, sem variar e comprometer a prova do corredor que confia no marcador, Heleno destaca que estes corredores têm que saber controlar bem o ritmo e também conseguir acertá-lo caso haja variações de terrenos durante a prova. "Se ele estiver com a placa de 5 minutos por km, então ele deverá passar cada km em 5 minutos e manter essa regularidade ao longo da prova. Claro que isso se baseia numa prova plana. Em uma etapa como a de Brasília, que começa em descida, isso pode mudar um pouco. Na hora das subidas, será um pouco mais lento, devido à exigência do percurso. No entanto, deve evitar grandes oscilações de ritmo, pois isso atrapalha bastante, principalmente o atleta amador", conta o diretor técnico da HF Treinamento Esportivo, exemplificando que quem tem 1h40 como melhor tempo numa meia (considerando uma marca recente), poderá ser pacer de um grupo de 1h50. Segundo Heleno, estes 10 minutos são o tempo necessário para que a pessoa corra com tranquilidade e não sofra com qualquer imprevisto no dia, até mesmo condições climáticas adversas, como temperatura e umidade altas.

 

VOLUNTÁRIOS PARTICULARES.  Além dos pacers oficiais em prova, é comum corredores se oferecerem para ajudar um amigo a completar uma corrida num determinado tempo. O paulista Luciano André Ribeiro, conhecido como Andrezinho, sempre que pode está disposto a ajudar um amigo a bater seu recorde pessoal. Os fatores que o motivam a fazer isso são vários. "Muitas vezes estas provas servem como um treinamento de rodagem ou ritmo para mim. É também a oportunidade de participar de um evento no qual não busco minha melhor marca pessoal, mas sim a participação com um objetivo comum, dos colegas e amigos, além do desafio de manter o ritmo a cada km e por toda a prova. Ou seja, o desafio de ser o ‘relógio'", explica André, que tem três maratonas abaixo de 3h.

"A definição da estratégia é sempre feita em conjunto, respeitando os limites dos amigos, mas também tentando buscar o máximo de cada um. Corro sempre do lado. Às vezes um pouco na frente, às vezes atrás. Cortar o vento é fundamental. Deixo a tangente para eles e a hidratação comigo. Falo quando entendo ser adequado. Alguns não gostam. Aí não falo muito. Muitos gostam de desafios durante a prova. Mas tem o momento certo para falar. Às vezes até vale uma brincadeira, mas não há regra. Há sim o feeling e um pouco da minha experiência", conta André, que também prefere correr sem GPS. Se houver uma perda de tempo no início da prova, por causa de congestionamento, em vez de correr logo de cara atrás do prejuízo, André prefere distribuir durante todos os quilômetros, sem "machucar" os objetivos e as estratégias.

Outro que também de vez em quando faz o trabalho de pacer particular, até pela profissão, é José Virgínio de Morais, campeão da última Meia-maratona da Disney. Na relação professor versus aluno, Virgínio atenta para um fator interessante, que muitas vezes quebra o corredor que segue um marcador oficial, achando que tem condições de correr naquele ritmo, quando a realidade se mostra completamente diferente.

"O ritmo que determino para os alunos é aquilo que ele mostra ser capaz no treino. Nem sempre é o que ele quer. Em geral quando o assunto é recorde pessoal, a estratégia é correr no início já na média da marca pretendida e, nos últimos quilômetros, tentar crescer para melhorar. Mas isso depende do percurso também", conta Virgínio, que salienta ainda que há diferentes tipos de corredores. "Temos aquele que acha que não pode errar em nenhum momento e com isso acaba ficando nervoso e, consequentemente, prejudicando sua performance. Outros já conseguem lidar melhor com isso, no gênero quanto mais pressão melhor."

 

 

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