O desejo de correr em Tóquio apareceu naturalmente. Nossa meta é completar as Majors Marathons (as seis maiores e mais reconhecidas maratonas do mundo – Tóquio, Boston, Londres, Berlim, Chicago e Nova York). Na prova japonesa, assim como as coirmãs, para conseguir uma vaguinha na linha de largada o corredor tem quatro opções: sorteio (exceto Boston), caridade, índice ou pacote na operadora de turismo oficial.
No caso específico da Maratona de Tóquio, as inscrições para a loteria ficam abertas durante todo o mês de agosto e podem ser feitas através do site oficial (www.tokyo42195.org). Ou seja, é um projeto que começa ao menos sete meses antes da largada. Para a edição deste ano foram 305.734 inscritos (isso mesmo!), o que representa uma relação de 10,6 candidatos/vaga! O resultado foi divulgado no final de setembro com "cheiro de cartas marcadas".
Nosso grupo era composto de quatro casais e apenas as mulheres foram sorteadas. Estranho, não? Pois bem, aos homens restou apelar para uma das 3 mil vagas destinadas à caridade. Mediante uma doação de no mínimo 100 mil yenes (aproximadamente 840 dólares), os marmanjos conseguiram as inscrições. Primeira parte resolvida.
Mas não dá para viajar ao outro lado do mundo para correr "apenas" uma maratona. Bastou uma pesquisa para descobrir que uma semana antes da de Tóquio haveria outra maratona na cidade de Kyoto, a antiga capital do Império Japonês. Impossível ficar de fora, uma vez que visitar esta cidade já estava no nosso roteiro turístico. Só que havia outro sorteio pela frente. O registro para participar da loteria foi no mesmo período do de Tóquio, mas as chances seriam maiores: 61.523 candidatos para 16 mil vagas. Resultado divulgado na primeira semana de outubro e dessa vez a sorte não escolheu o gênero e nós dois conseguimos as vagas. O site oficial da Maratona de Kyoto é www.kyoto-marathon.com/en/.
LONGA VIAGEM. Tudo resolvido? Não! Começamos a planejar a logística para chegar do outro lado do mundo. Não tem como falar de outra forma: é complicado chegar lá. A viagem de Belo Horizonte até Tóquio seria de 31 horas, incluindo as conexões e depois ainda teríamos mais quatro horas de trem bala até Kyoto. Para resumir, saímos de Confins em uma quarta-feira às 19h e chegamos ao nosso hotel na sexta às 22h, acabados. A parte boa é que estávamos tão cansados que o fuso horário não foi um problema. Batemos na cama e apagamos para somente acordar no dia seguinte e buscar o kit da nossa primeira prova.
Na manhã de sábado levantamos com uma pequena nevasca. Apenas o suficiente para nos deixar mais apreensivos com relação à temperatura que pegaríamos nos 42 km. A entrega foi no Centro de Convenções de Kyoto, o mesmo local onde haveria a chegada no dia seguinte. O acesso através do metrô é muito fácil e rápido, como aliás foram todos os deslocamentos durante os dez dias que estivemos no Japão. Como era esperado, havia grande quantidade de corredores na feira, mas tudo correu perfeitamente. A gigantesca fila andou rapidamente e prontamente estávamos com nossos kits em mãos. Para nossa surpresa não havia uma camisa oficial e sim um "buff", aquele pano de lycra que pode ser usado como cachecol, gorro, bandana e o que mais a imaginação permitir. A Expo não era grande, mas com boas opções de lojas e preços bastante convidativos.
5 GRAUS NA LARGADA. No domingo, a prova começaria às 9h no Nishikyogoku Athletic Park. Mais uma vez o deslocamento por metrô se mostrou a melhor opção. O dia estava bastante frio e chuvoso, com 5°C. O percurso é bonito, mas não muito fácil. São algumas subidas leves do km 6 até o km 18 e outra leve entre o km 37 e 38. São 14 postos de hidratação com água e isotônico, sendo que após o km 18 também era oferecida alimentação bastante diversificada. Desde os velhos conhecidos, como banana, balas e gel, até o improvável, como tomates, pãezinhos recheados com doce de feijão e um tipo de pastel cozido que, devo confessar, me faltou coragem para experimentar.
A chegada foi no mesmo local da feira e, após recebermos a medalha de conclusão e uma toalha, éramos encaminhados para o interior do prédio onde ganhamos um pote de missoshiro (a sopa tradicional do Japão) e um de pudim de chocolate. A partir daí, retiramos os pertences nos guarda-volumes. Uma dica importante: colocar roupas bem quentes na bolsa para que você troque imediatamente após a chegada.
A organização perfeita e o forte apoio da população em Kyoto só aumentaram a nossa expectativa com relação à Maratona de Tóquio, que prometia ser muito mais empolgante.
JET LEG. Na semana entre as provas apareceu o temido jet leg, o desconforto causado pela diferença de 11 horas entre os fusos. A melhor forma de lidar com esse problema é tentar seguir o horário local na hora de fazer as refeições e dormir, evitando os cochilos durante o dia.
Na quinta-feira, abertura da feira, fomos buscar nossos kits no Tokyo Big Sight, o principal centro de convenções da capital japonesa. Fica um pouco afastado da parte central da cidade, mas muito próximo ao metrô. Como esperado, o primeiro dia é sempre mais tranquilo. Não havia filas e em cinco minutos estávamos prontos para visitar os estandes da expo. São dois andares de feira, sendo o superior ocupado pelos parceiros oficiais e o outro pelas lojas de produtos especializados. Uma verdadeira tentação para quem corre, em termos de variedades e preços. Praticamente impossível sair dali sem comprar alguma coisa.
No sábado, véspera da maratona, foi realizada a Corrida Internacional da Amizade, de 5 km, gratuita, na região do Centro de Convenções, que acaba no pórtico de chegada dos 42 km. Alguns amigos participaram e gostaram da experiência.
Então, 22 de fevereiro foi o grande dia. No total, 36 mil corredores se reuniram em frente à sede do Governo Metropolitano de Tóquio, no bairro de Shinjuku, para dar início a mais organizada prova que já participamos. A presença do público é constante nos 42 km. O trajeto, com uma leve descida nos primeiros 5 km e praticamente plano no restante, estimula a busca por bons tempos. O único porém foi a largada. Como não adotaram o critério de colocar os atletas mais rápidos nas baias da frente, houve certa lentidão nos primeiros 2 km.
Mas após esse contratempo, a prova foi fantástica. Postos de apoio com água, isotônico e alimentos praticamente a cada 4 km. Banheiros limpos e vazios a todo instante e a população em peso nas ruas apoiando os atletas, muitos deles correndo fantasiados. Mas o melhor estava no final. Após a linha de chegada, todos os voluntários batiam palmas e parabenizavam os concluintes. Nunca vi nada parecido. Muito emocionante. Aliás, a educação do povo japonês é inacreditável. Um exemplo para os brasileiros.
Podemos falar que foi uma experiência que valeu todo o esforço que fizemos para realizar esse sonho. Uma viagem que sem dúvida recomendo a todos. Corredores ou não.
Domínio etíope
Primeira Major do ano, a Maratona de Tóquio teve amplo domínio etíope. Vitória de Endeshaw Negesse, com 2:06:00, superando o campeão olímpico e mundial, Stephen Kiprotich, de Uganda, que terminou em 2:06:33. O queniano Dickson Chumba completou o pódio.
A etíope Birhane Dibaba foi a vencedora com 2:23:15, seguida da queniana Helah Kiprop (2:24:03) e da também etíope Tiki Gelana (2:24:26), medalha de ouro na Olimpíada de Londres-2012.