Conhecida como a Capital do Ártico, Tromso é uma charmosa e simpática cidade portuária do extremo norte da Noruega, que recebe todos os anos atletas de vários partes do mundo para a Maratona do Sol da Meia-Noite (Midnight Sun Marathon, como é o seu nome oficial em inglês. O site oficial é www.msm.no). Disputada este ano no dia 17 de junho, a 17ª edição da prova teve, ainda, uma meia-maratona, uma prova de 10 km e uma corrida infantil, num total de cerca de mil participantes. Dos 263 que completaram a maratona, a grande maioria era de estrangeiros, num total de 33 países, sendo eu o único brasileiro (mas, quatro compatriotas estavam entre os 272 que correram a meia).
Localizada a quase 70 graus de latitude norte e a apenas 2.500 km do Pólo Norte, Tromso oferece fenômenos interessantes para quem a visita. No inverno, é possível ver as fantásticas luzes da aurora boreal, efeito do magnetismo que emana do Pólo Norte sobre as partículas lançadas pelos ventos solares, que são tempestades na superfície do Sol. Elas liberam energia na forma de luz, que pode ser vista no céu nos horários de crepúsculo, num impressionante balé de formas e cores, estas variando entre o amarelo, verde e azul. Já no fim da primavera e parte do verão, mais precisamente entre os dias 21 de maio e 21 de julho, o Sol simplesmente não se põe no horizonte. Isso mesmo! Devido à altíssima latitude, a cidade fica sem escuridão durante dois meses seguidos!
Foi para explorar esta curiosidade que se criou a Midnight Sun Marathon, cuja largada é às 20h30, na praça central da cidade. A idéia é que a maioria dos atletas ainda esteja correndo na passagem da meia-noite, quando o Sol brilha baixo no horizonte, mas não chega a se por. Este ano, porém, as nuvens no céu esconderam o astro-rei. Mesmo assim, foi bem divertido largar às 20h30 e correr na claridade todo o tempo.
Simples, mas oficial. Apesar do clima de prova interiorana, meio de “fundo de quintal”, a Midnight Sun Marathon é impecavelmente organizada, tem percurso muito gostoso de se correr e ostenta orgulhosa o título de maratona mais setentrional do calendário anual da AIMS (Associação Internacional de Maratonas e Corridas de Rua). Ainda, o fato de ser uma prova oficial da AIMS garante aos atletas uma distância corretamente medida, o que, mesmo hoje em dia, nem sempre é uma certeza nas provas de rua.
Logo após a largada, no centro, os corredores cruzam a grande ponte, de 1.026 metros de comprimento, que liga a parte insular da cidade – onde vive a maioria dos seus 64 mil habitantes – à parte continental, a leste. Ainda na ponte, cuja parte central é o ponto mais alto da prova, a 44 metros sobre o nível do mar, uma surpresa: a marcação em quilômetros é decrescente! Ou seja, após correr 1.195 metros encontro uma placa mostrando “41km”… No início estranhei, mas, depois, me convenci que psicologicamente é bem mais estimulante correr de olho na distância que ainda falta, e não na que já percorremos.
Ao chegar ao continente, no fim da ponte, o corredor se depara com a bela Catedral do Ártico, principal igreja de Tromso, cujo moderno projeto arquitetônico remete a enormes placas de gelo verticais e triangulares, dispostas como se fossem peças de um dominó que caem umas sobre as outras. O percurso segue por uma espécie de ciclovia que ladeia a principal estrada que dá acesso a Tromso, vinda do sul. O piso é de asfalto e o traçado, sinuoso, com curvas suaves e aclives e declives quase imperceptíveis, perfeitos para quebrar a monotonia, mas não o ritmo. Com 12 graus de temperatura constante e umidade em torno dos 65%, as condições são ideais para se correr.
Torcida bem informada. Há pouca gente nesta parte do percurso, mas diante das poucas casas vemos pequenas aglomerações de pessoas, que aplaudem, gritam e vibram. Algumas falam meu nome e gritam “Brasil!”, que entendo, apesar da enrolada pronúncia norueguesa. Fico intrigado, mas, muitos quilômetros depois, desvendo o mistério: um jornal local publicou a lista completa dos corredores inscritos na maratona, com o número, nome e país de origem. Assim, a diversão das pessoas ao longo do percurso é identificar quem está passando e gritar o nome e o país. Achei muito simpático e estimulante.
No km 10,5, o percurso faz meia volta e retorna à ponte pelo mesmo caminho. Isso é bom, pois vemos quem está à nossa frente e também atrás. Como são poucos os maratonistas, a maioria se cumprimenta e estimula, o que cria um astral muito bacana e camarada. Na descida da ponte, de volta ao centro de Tromso, a maior aglomeração de pessoas dá uma injeção de ânimo, assim como a passagem pela marca dos 21 km.
Às 22h30, é dada a largada da meia-maratona, no mesmo ponto da largada da maratona (a prova de 10 km e a corrida infantil são disputadas entre a largada da maratona e a da meia). Como passei os 21,097km em 1h42, só comecei a ser ultrapassado pela turma da meia lá pelo km 27. A mistura dos maratonistas, já cansados, com os corredores da meia, é excelente e muito bem pensada pelos organizadores da prova, pois gera uma massa maior de gente no percurso, animando a todos, inclusive o público.
Depois de passar pelo centro, o percurso acompanha, também numa espécie de ciclovia/calçada de asfalto, a estrada que contorna a ilha, em direção ao aeroporto da cidade, onde fazemos o retorno para voltar novamente ao centro para a grande chegada. Assim como no continente, aqui passamos por muitas casas e grupos de pessoas que gritam nossos nomes e países, sempre com o tal jornal na mão. As marcações decrescentes são especialmente estimulantes nos quilômetros finais da prova.
Pensamentos reconfortantes. Já com as pernas cheias de ácido lático, flertando com cãibras iminentes, é muito bom ver números de apenas um dígito a cada quilômetro que completamos. Oito, “hummm, isso é só Leblon-Arpoador ida e volta”, penso. Sete, “menos do que uma volta na Lagoa”, continuo. Seis, “duas voltinhas no Bosque da Barra”. Cinco, “a distância daquelas corridinhas para iniciantes que fazem no Aterro do Flamengo”. Quatro, “Posto Seis-Leme”; três, “ah, isso é nada, menos de duas milhas”; dois, “pouco mais do que a praia de São Conrado…”. Quando finalmente dá meia-noite, já passei pela marca do km 1 restante e estou prestes a entrar na avenida central de Tromso. Com céu claro, aliás, claríssimo, porém nublado, completo a prova à 0h04, ou seja, com 3:34:44.
As ruas e calçadas da cidade estão cheias de gente, é sábado à noite e todo mundo se prepara para ir aos bares e boates que se aglomeram por ali. Sede de uma grande universidade, Tromso possui vida noturna intensa e desproporcionalmente agitada para uma cidade do seu tamanho. Gente de todas as idades grita à passagem dos corredores na reta final da avenida. Agora, medalha no peito e cobertor nos ombros, é só caminhar até o hotel e tomar aquele merecido banho quente, ritual sagrado de todo corredor que acaba de fazer 42,195 km.
Márcio Carrilho, jornalista e maratonista do Rio de Janeiro, já correu 15 maratonas e tem apoio da Asics.
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Olá Márcio, se possível gostaria de algumas dicas, pretendo fazer essa maratona em 2013 juntamente com a de St. Petersburg, caso tu possas me ajudar desde já te agradeço.
abraços
Ola Marcio,
Pretendo correr em 2013 esta maratona. Se possivel me passe algumas dicas da prova.
Obrigado!
Oi, Márcio, pretendo fazer esta corrida em 2013. Vc foi de Oslo para Tromso de avião? Vc tem algumas dicas sobre transporte até lá?
Valeu.
Gustavo