Nossas maratonas atualmente começam em maio e muitos não conseguem esperar até lá. Então fazem já no começo do ano a Disney ou logo depois a de Miami, em março Barcelona ou Roma e em abril Paris, Roterdã, Londres ou Boston. Opção mais econômica e com viagem mais rápida é o evento na capital chilena, que oferece três distâncias (10, 21 e 42 km), agradando a todos os níveis de corredores.
O resultado dessa realidade se viu dia 3 de abril, quando quase mil brasileiros invadiram Santiago, representando, de longe, o principal grupo estrangeiro, e sendo o dobro do verificado no ano passado. De onde se conclui que o evento chileno caiu nas graças dos corredores do país, e com razão. Além do aspecto financeiro da viagem em si, os custos em Santiago são um pouco mais baixos do que os nossos e existe a facilidade da língua. Também vários e interessantes são os passeios que podem ser feitos.
Em relação à prova, a inscrição pela internet é simples e barata, mas também o kit não tem nada de especial. Este ano a largada foi atrasada das 8 para as 9 horas, o que não chegou a prejudicar muito os maratonistas, porque a temperatura esteve amena (entre 17 e 27 graus, com 5 horas de prova) e também porque se corre na maior parte do tempo pela sombra das árvores ou dos prédios.
POUCA ÁGUA NO PERCURSO. O clima seco (50% de umidade) igualmente favorece a performance, mas por outro lado dá mais sede. E nesse aspecto a maratona chilena falhou. Foram colocados postos (com água e isotônico) a cada 5 km até a meia, e depois a cada 3 km. Esse abastecimento até que seria razoável numa maratona se fossem oferecidos copos de água fechados ou garrafinhas, porque se poderia ir tomando aos poucos. Mas eram copinhos abertos, obrigando a se beber apenas no posto, o mesmo valendo para o Gatorade.
A organização seguiu as orientações dos órgãos internacionais (AIMS/IAAF), mas que estão ultrapassadas e são válidas especialmente para o hemisfério norte, no outono e primavera, quando acontecem as maratonas por lá. Nesse sentido, havia dois postos de esponja molhada, outra bobagem daquelas entidades, mas que serviram para os maratonistas conseguir um pouco mais de água.
Fica então a sugestão da revista para a organização chilena, no que se refere ao abastecimento da maratona. Ou reduzam os intervalos entre os postos (3 km até a meia e depois a cada 2 km), ou ofereçam água em garrafinhas, ou ainda, importem os práticos copos fechados do Brasil.
Em função do crescimento da prova, também o público pelo percurso aumentou, formado principalmente por amigos e familiares dos participantes e esse aspecto foi muito estimulante. Detalhe curioso é que os motoristas buzinavam sim, mas não em protesto pelo trânsito um pouco travado pela maratona, mas de forma ritmada, estimulando os corredores. Aliás, quase não se buzina em Santiago, respeitam absolutamente a faixa de pedestres e os chilenos são muito cordiais. Talvez fruto de um aspecto sensacional do país: não há praticamente analfabetos!
Na chegada, outro aspecto que precisa ser melhorado. Não há clima festivo, porque grades altas (usadas na largada) impedem a presença de público. Bastaria a montagem de uma arquibancada maior, para estimular as pessoas a esperar e aplaudir a chegada dos corredores. Um lanche básico no final, medalha muito simples e ao que se soube pela internet certa confusão e lentidão na devolução do guarda-volume. Mas no cômputo final, uma maratona e meia interessantes para os brasileiros em abril.
A prova, que teve a presença do presidente da república na largada, oferecia alto prêmio na maratona (US$ 20 mil aos campeões) e, da mesma forma que no Brasil, lá estavam alguns quenianos em busca do dinheiro, quase certo. Como no Chile são poucas as provas de grande estrutura, os africanos presentes vieram do México, onde fazem temporadas, e como aqui, não são do primeiro nível. As vitórias foram em 2h12 e 2h34 (14ª geral!), com pouquíssimos atletas de elite. Na meia, pior ainda, porque a premiação era bem baixa, com o paulista Gilberto da Silva Roque, assinante da cidade de Salto, na quarta posição, com o tempo de 1:09:00, seguido do mineiro Julio Cesar Lopes, com 1:09:18.
Terminaram na maratona 2.348 corredores, na meia 6.267 e na prova de 10 km 6.780. Infelizmente não conseguimos a listagens dos brasileiros, apesar do contato pessoal com os organizadores durante a entrega do kit e dos muitos e-mails enviados. Outra falha grosseira da prova, uma vez que qualquer maratona de expressão disponibiliza resultados por nacionalidade, como aliás fazemos nesta edição em relação às de Paris, Roterdã, Londres e Boston.
Na realidade os organizadores são os mesmos que faziam a prova há alguns anos, de forma bem precária, inclusive não pagando alguns brasileiros que lá estiveram e que subiram ao pódio. Com a entrada da Adidas como patrocinadora, o evento ficou bem melhor, mas ainda longe até do que temos por aqui, no que se refere a abastecimento no percurso, rapidez nos resultados e facilidade de acesso a eles, organização na entrega da medalha, lanche e guarda-volume na chegada e naturalmente respeito aos quase mil brasileiros (7% dos concluintes!) que prestigiaram o evento e que não estão vendo seus resultados publicados na CR.
ERRO DE ESTRATÉGIA
Treinei por três meses para a Maratona de Santiago, acreditando conseguir fazer a prova entre 4 e 4h15, o que significaria correr no ritmo de 5:40 a 6:00/km. Sabia que até o km 30 haveria algumas subidas, mas que os últimos 12 km seriam em leve descida e depois plano total, favorecendo então o famoso "split" negativo, que é correr a segunda metade da maratona em tempo menor que a primeira.
Larguei me sentindo muito bem e para me livrar do congestionamento inicial fiz os primeiros quilômetros um pouco mais rápido do que previa. Encontrei o assinante José Amorim, do Rio, e passei a correr com ele, que logo me informou estarmos no ritmo de 5:10/km. Decidimos então reduzir a velocidade, mas ele estava bem (treinando para a Comrades…) e achei melhor não acompanhá-lo e fui no meu ritmo, que considerava até confortável.
Ao passar pela marca dos 10 km, em 52:40 fiquei obviamente contente, mas ao mesmo tempo um pouco preocupado, pois nesse ritmo poderia pagar o preço mais à frente. E paguei! Fiz os outros 10 km já um pouco mais fraco, mesmo porque são em leve subida, especialmente entre o km 20 e 22, talvez o único aclive digno de nota. Mesmo assim passei a marca dos 21,1 km em 1h56, que na minha estratégia deveria ser em torno de 2 horas.
Aí então começaram a acontecer as ameaças de cãibras e para que elas não viessem comecei a caminhar, intercalando alguns pequenos trotes. Cada vez que tentava correr o problema surgia e lembrando de outras situações semelhantes decidi ir até o final sem me preocupar com o relógio, aceitando a opção da caminhada, no trecho mais favorável do percurso. Apenas quando faltavam uns 5 km, já incomodado pela situação, resolvi que tentaria ir trotando e como as cãibras não se concretizaram completei sem problemas em 4h45, meu "recorde" na distância. Talvez minha chegada menos comemorada em maratona, não só pelo tempo alto como também pela não presença de público, em função de grades nos últimos 500 metros. Em relação ao abastecimento, consegui água com alguns brasileiros que assistiam, depois contei com a ajuda de um ciclista que acompanhava uma corredora e aproveitei uma garrafa deixada no chão por um chileno, logo após sua equipe ter lhe entregue e tomado apenas alguns goles.
Não tenho certeza se foram aqueles primeiros 10 km rápidos os culpados pela quebra, mas muito provavelmente, já que não é uma estratégia inteligente para uma maratona. De qualquer forma a participação em Santiago valeu pela motivação que me deu para treinar por três meses, pelos 3 kg a menos e por me sentir com base suficiente para encarar novos treinamentos e maratonas este ano. E naturalmente para definir a estratégia para 2012, se lá voltar: ir confortável até o km 30 e só então começar a correr de verdade.