POR JOÃO PAULO BARNEWITZ



Era uma terça-feira de outubro de 2024, quando recebi uma ligação que mudou o rumo do meu ano. Do outro lado da linha, a Mizuno Brasil me convidava para representar o Brasil na Maratona de Osaka 2025. A resposta foi imediata: “Sim, é claro!” Nesse instante, comecei a sonhar com o Japão, com sua cultura única e, principalmente, com a oportunidade de viver uma experiência inesquecível através da corrida.
O Japão sempre me fascinou, não apenas pela sua tecnologia e modernidade, mas pela disciplina e resiliência que ele simboliza! Eu costumo dizer que a disciplina e a resiliência me salvam de muitas dificuldades do dia a dia e me tornaram quem eu sou: a disciplina eu aprendi desde cedo tendo a minha avó como exemplo: ela aprendeu sozinha a falar 6 idiomas e sempre estava lendo e querendo aprender mais. Além disso, comecei nos esportes competitivos aos 9 anos de idade e meus treinadores eram extremamente espartanos em relação à horário e a comportamento, demonstrando o valor da disciplina. Foi essa disciplina desde a infância que me fez passar no vestibular de Medicina e na residência médica, mas foi graças à resiliência de ficar dois anos no cursinho pré-vestibular estudando literalmente todos os dias da semana que sou médico.
A corrida de longa distância simboliza e exemplifica a essência da disciplina aliada à resiliência. A prova é dura, precisa de muito treinamento, disciplina para acordar cedo e correr antes de ir para o trabalho, disciplina alimentar para fugir das sobremesas e das taças de vinho nos finais de semana e muita resiliência para aguentar os treinos longos num período de 6-8 semanas pré-prova. É exatamente por isso que eu gosto tanto da maratona, pois parece que eu me sinto em um ambiente conhecido e confortável.
Correr uma maratona não era uma novidade para mim, pois ela seria a minha sexta prova de 42,2km. A questão era que essa seria a primeira vez que eu teria de correr uma maratona tendo que me adaptar a um fuso horário de 12 horas em apenas 4 dias: esse era o real desafio! Como nada é por acaso, eu havia me matriculado em uma pós-graduação em Medicina do Sono dois meses antes desse convite e esta viagem seria a oportunidade perfeita para colocar em prática o que aprendi sobre jet lag!
Eu comecei a estudar mais sobre o assunto e percebi que o ideal seria eu já começar a antecipar em uma hora o meu horário para dormir quando faltassem três dias para o embarque. Outra coisa ideal é você já colocar o horário local do destino final no momento que você entrar no avião. Ou seja, como o meu voo era às 2h da manhã no Brasil, no momento que me sentasse no avião eu teria que entender que já eram 14h no Japão e eu simplesmente NÃO PODERIA DORMIR NAS PRIMEIRAS 5 HORAS DE VOO.
Vou tentar ser mais didático: como eu costumo me deitar por volta das 21h30 no Brasil, teria que esperar 7 horas e meia de voo para chegar no horário que eu costumo dormir na minha casa, visto que no momento que eu me sentasse no avião eram 14 horas no Japão. Eu sabia que não conseguiria aguentar tanto tempo acordado, mas sabia que, se eu aguentasse 5 horas acordado e iniciado o meu sono depois desse horário, eu já estaria bem mais perto do meu horário habitual de dormir. O tempo total de voo até Osaka seria de 27 horas divididos em dois voos: o primeiro tinha 14 horas de duração e o segundo cerca de 9 horas, e ambos seriam intercalados com uma conexão de cerca de 4 horas. A ideia geral era dormir no avião no horário mais perto do meu horário de sono habitual em apenas 27 horas!
Outro ponto importante para dar certo era chegar com PRIVAÇÃO DE SONO no Japão para facilitar a minha primeira noite em território nipônico. Para facilitar o meu raciocínio, montei um protocolo de sono para executar na viagem: baixei filmes no Netflix e ficava me levantando para ir ao banheiro nos momentos de maior sonolência. O mais difícil era ficar acordado enquanto todos estavam dormindo e tentar dormir enquanto todos estivessem acordando. Uma coisa que me ajudou muito: fui munido de sachês de Supercoffee para tomar no avião e de Koala (um suplemento alimentar à base de aminoácidos, magnésio e complexo B e que NÃO CONTÉM MELATONINA) para me ajudar a dormir. Eu nunca usei Zolpidem ou melatonina para dormir e não queria arriscar nada novo na véspera de uma prova tão importante. Além disso, não sou a favor de ficar tomando remédios para dormir, pois muitos têm efeitos colaterais e podem causar dependência. Além disso, a melatonina é um HORMÔNIO e deve ser usada com cautela e em doses bem baixas. Eu sempre tomo o Koala para dormir, pois ele me ajuda a relaxar e sinaliza para o meu cérebro que estou me encaminhando para dormir.
O segredo de dormir bem é já começar a dar sinais para o seu cérebro cerca de duas horas antes de você se deitar: diminuir as luzes de casa, tomar um banho quente, não assistir à TV deitado na cama, não ficar mexendo no celular antes de dormir e de preferência fazer leituras leves e fáceis, que não exijam muita atenção e raciocínio momentos antes de você dormir.
Existem diversos estudos que indicam que dormir menos do que 5 horas por noite durante cinco dias consecutivos já provoca prejuízos hormonais importantes e isso prejudicaria muito a minha performance física e cognitiva. Felizmente meu protocolo de ficar acordado nas primeiras cinco horas de voo deu certo e, logo que eu pedi uma água quente para diluir o meu Koala, consegui relaxar e dormir por 7 horas.



Já no Japão, primeiras impressões e adaptação
Existem atitudes que facilitam a adaptação ao fuso horário no local novo: expor-se à luz solar logo no início da manhã, comer as refeições do dia também nos horários habituais e evitar sonecas ao longo do dia. Eu fiz tudo isso e, mesmo o meu cérebro estando preparado para tomar um belo café da manhã, eu estava comendo um belo jantar para me adaptar ao fuso com mais rapidez.
A experiência de estar no Japão a convite de uma marca japonesa (a Mizuno é originária de Osaka) foi extremamente marcante. Visitamos a Mizuno Engine, onde são realizados testes dos produtos com uma tecnologia de ponta, fabricamos um tênis de placa de carbono naquela manhã para vermos todos os processos de montagem e ainda participamos de brincadeiras que nos ensinavam a entender os objetivos das espumas da sola dos tênis e como é difícil chegar no peso ideal X responsividade: quanto mais responsivo, mais pesado ficava o nosso tênis. Outra experiência incrível foi ter o contato com os atletas da marca de diversos países, pois todos nós ficamos hospedados no mesmo hotel.
A culinária japonesa estava em todos os momentos, desde o arroz com peixe no café da manhã a sopas com Udon no jantar.
Eu acabei levando do Brasil o meu biscoito de arroz, aveia em flocos finos e optei por comer a minha própria refeição nos dias que antecederam a prova (biscoito de arroz com geleia e banana com aveia). A experiência da culinária japonesa seria feita com o maior prazer e tranquilidade após a prova.
A preparação para a maratona é uma combinação de controle e aceitação. Controlamos o que comemos, como nos hidratamos e o descanso antes da prova, mas o clima, o percurso e outros fatores estão além de nosso alcance. Se no dia da prova estiver mais quente ou mais frio do que você imaginou, leve na sua mala roupas ou acessórios que te ajudem! Esteja preparado para estes eventos ao invés de ficar reclamando do sol ou da chuva! Nem sempre será o dia perfeito para bater o seu RP, mas nem por isso você tem que ficar chateado antes mesmo de largar na prova! Lembre-se que para nós, amadores, correr uma maratona é um hobbie e somente o fato de termos saúde e condições financeiras de poder correr maratonas no mundo todo deveriam fazer parte do nosso pensamento nos momentos difíceis da prova. Dito isso, dois dias antes vi que a previsão do tempo era de mais frio do que imaginei e tive que comprar uma legging e luvas mais potentes na véspera da prova para poder tolerar o frio de 0 grau na largada.

Largando em Osaka: frio, silêncio e surpresa no caminho
Eu conheci um francês, Theo, que estava no time da Mizuno e que estava com objetivos de correr no mesmo tempo que eu. Colei nele na largada, e fomos desviando de japoneses que corriam felizes e sem fazer nenhum ruído durante os 42km da prova. Aliás, o silêncio no Japão é algo extremamente respeitado! No metrô e no trem, existem avisos de colocar o telefone no modo silencioso e de não conversar dentro do vagão para não atrapalhar o outro. O espaço do outro é muito valorizado lá.



Quando eu e o meu mais novo amigo francês estávamos no km 18, comecei a sentir algo caindo no meu rosto e percebi algo que não estava no meu radar: estava NEVANDO! Achei aquilo incrível e como eu estava muito bem agasalhado na prova, não senti que isso me prejudicaria. Depois de momentos altos e baixos na prova (senti as pernas ficarem um pouco mais duras no final), pude concluí-la em 2h38 com um belo sorriso no meu rosto congelado! O pós-prova foi bastante comemorado pelo nosso time Mizuno Brasil com muita pizza e cerveja japonesa!



Mais do que o tempo ou a performance, o que realmente importa para mim são as lições e momentos que essas maratonas me proporcionam. O meu tempo de prova não pode ser o mais importante. Conhecer culturas, novas pessoas e viver tudo isso com gratidão é o que torna a corrida ainda mais especial. Agradeço profundamente à Mizuno Brasil e à agência Milk por me darem essa oportunidade. Volto para casa mais rico em experiência, com novas amizades e recordações que levarei para sempre.
Um abraço e boas corridas a todos!
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João Paulo Barnewitz é médico otorrinolaringologista com pós-graduação em Medicina do Sono, 7x Ironman (2 mundiais de Kona) e 6 maratonas. (crédito fotos: Buena Onda)