Mais famosa, mais festiva, mais desejada, mais difícil para se inscrever… Muito já se falou e superlativos nunca faltam quando se tenta definir a Maratona de Nova York, agora mais ainda. Afinal, a edição que comemorou os 40 anos da prova teve o impressionante número de 43.475 concluintes, recorde absoluto em maratonas em todos os tempos (ver quadro). Para se ter uma idéia, até então o recorde era de 38.577 concluintes, lá mesmo em Nova York, em 2007.
Ainda mais impressionante é constatar que 43.741 corredores passaram pela linha de largada. Ou seja, apenas 266 não completaram a prova, ou 0,6% dos que largaram. O que faz da Maratona de Nova York tão especial a ponto de praticamente todos os que largam conseguirem chegar ao final dos 42,195 km? Ainda mais num percurso que não é exatamente rápido, ainda que não tão difícil quanto costumam dizer por aí?
Como em toda grande maratona, a questão logística sempre impôs um limite para o número de inscritos e, consequentemente, o de concluintes também. Em Nova York, desde 2008 passou-se a adotar uma largada em três ondas, com 20 minutos entre cada uma. Além disso, cada largada é dividida em três grupos de cores, e estes ainda são divididos em subgrupos separados por letras. Com isso, a prova flui melhor desde a largada e os corredores sofrem menos com os atropelos tão comuns das provas gigantes. Ninguém perde nada por largar na segunda ou terceira onda, pois em cada uma delas o ritual é o mesmo, com a execução do hino nacional dos Estados Unidos, tiro de canhão e "New York, New York" na voz de Frank Sinatra pelos alto-falantes.
Se tudo funciona às mil maravilhas, o que é especialmente impressionante numa prova com tanta gente, a organização ainda tem desafios pela frente, como tentar reduzir o tempo de espera antes da largada na área de concentração. Por uma questão de logística, os atletas são obrigados a acordar muitas horas antes da largada (a primeira onda é às 9h40), para embarcar nos ônibus que os levam de Manhattan até Staten Island, onde a prova começa.
Para tentar entender a magia da Maratona de Nova York, nós recolhemos depoimentos de alguns dos 360 brasileiros que correram a mais fascinante maratona do mundo dia 1º de novembro.
A economista carioca Denise Amaral, 46 anos, pode ser chamada de Miss New York entre os maratonistas brasileiros. Apaixonada pela prova, nesta 40ª edição ela a completou pela 17ª vez! Para quem acha muito, Denise tem agora nada menos do que 73 maratonas no currículo, a primeira delas em 1983 – e não pretende parar tão cedo… Em um depoimento especial para os leitores da CR ela comenta o que achou do sistema de largada em ondas:
"Depois de correr a prova tantas vezes, confesso que torci o nariz para o novo sistema de largada em ondas, cujo objetivo era diminuir o congestionamento no início, ao longo do percurso e na chegada. Minha dúvida era se a mudança afetaria essa festa tão maravilhosa. Depois de todos estes anos participando da Maratona de NY já vivenciei algumas modificações e tenho que admitir: eles nunca erraram. Como uma corredora bem lenta, fiquei preocupada se isso faria com que eu não tivesse o grande público de sempre para me incentivar nos momentos cruciais, além de não ter a companhia de vários corredores.
A largada em três ondas permitiu que eu cruzasse a linha de largada com apenas três minutos depois do tiro de canhão, mesmo estando bem atrás. Não houve nenhum atropelo na ponte e nos primeiros km, o que era comum antigamente, com gente caindo ou até perdendo os tênis dos pés. Por conta disso, eu mesma já caí duas vezes – das 17 que participei.
Mas, e o público? Pois bem, ele estava lá, maravilhoso como sempre, carinhosamente aguardando os corredores. A inovação foi ousada e certeira, já que temos hoje uma divisão bem nítida entre os maratonistas: aqueles preocupado em completar a prova em um tempo rápido e os que estão ali apenas para participar, se divertir (meu caso) ou completar a sua primeira maratona.
Opiniões diversas
Assinante da Contra-Relógio e corredor há oito anos, o engenheiro e advogado Paulo Lemos, 57 anos, de São Paulo, fez sua estréia em Nova York, sua quarta maratona.
ORGANIZAÇÃO. "A prova é muito bem organizada, com logística perfeita. O acesso ao Fort Wadsworth, local da concentração, foi muito fácil, primeiro via metrô, depois, peguei o ferry e um ônibus em Staten Island. A largada em ondas funcionou perfeitamente, tudo bem sinalizado, com monitores e orientação por alto-falante em diversos idiomas (mas não em português)."
PÚBLICO. "O apoio e animação da torcida é fantástico e contagiante ao longo de toda a corrida, especialmente em Manhattan. Os corredores retribuem com muita animação e tapinhas nas mãos das crianças. Os postos de hidratação, a partir da terceira milha, são posicionados de milha em milha, oferecendo isotônico e água, ambos em copo aberto. São sempre seguidos de um posto médico."
PERCURSO. "O percurso é muito técnico, com ondulações constantes, especialmente nas pontes. A chegada em Manhattan, logo após a Queensboro Bridge, é sensacional e emocionante. Esperava concluir a prova em 4h30, mas completei em 4h58, pois senti uma lesão na coxa direita. Recomendo a prova a todos, é uma experiência inesquecível."
Morador de São Paulo, o administrador Cesar Mikail, 41 anos, também correu em NY 2009 a sua quarta maratona. Antes havia feito Paris, Disney e Buenos Aires.
DIFICULDADE. "NY foi a maratona mais difícil que enfrentei. Primeiro, por ter que chegar quatro horas antes da largada em State Island e ficar esperando no frio – aliás, a dica que dou é levar, além de um bom agasalho, um colchonete desses baratinhos para a largada; ajuda a descansar."
MANHATTAN. "A dificuldade do percurso é compensada pela torcida; nunca vi tanta gente estimulando os corredores. O mais inacreditável é a entrada em Manhattan: depois do silêncio na ponte vem o barulho ensurdecedor das pessoas gritando por você, realmente não dá pra explicar a sensação."
FINAL. "A chegada no Central Park parece que você está entrando num estádio em final de campeonato, a torcida não pára de gritar! Terminei em 3h55, não foi meu melhor tempo, mas aprendi que NY é uma maratona para curtir e não para buscar performance."
A empresária paulista Angélica Brotero de Castro, 50 anos, corre desde 2004 e já havia feito as maratonas de Chicago e Berlin antes de enfrentar NY. Apesar de fazer algumas críticas à organização da prova, ela garante que correria NY novamente.
LARGADA. "A minha largada era na segunda onda, às 10h, na curral B, mas o acesso até lá foi péssimo, pois ia afunilando e, como o espaço era pequeno para tanta gente, quando deram o tiro de largada eu ainda nem estava no lugar correto. A diferença do meu tempo para o tempo real ficou em torno de 30 minutos. Mas, nessa hora quem se importa? Fui para me divertir sem me preocupar com o tempo."
PERCURSO. "Do começo ao fim é pura emoção, tem torcida o tempo todo! Só acho que o percurso poderia ser maior dentro de Manhattan. A chegada no Central Park é meio problemática, pois as ruas dentro do parque são muito estreitas. Leva-se um bom tempo até se conseguir retirar os pertences nos caminhões guarda-volumes e conseguir sair."
O médico Rogério Camargo Pinheiro Alves, 33 anos, de São Paulo, corre há quatro anos e fez sua estréia em NY. Ao contrário da maioria, ele conseguiu terminar no tempo previsto, em 3h58.
CLIMA. "A temperatura estava agradável para correr, cerca de 13 graus, mas o vento nas pontes parece querer nos cortar ao meio. Uma coisa fantástica em relação à maratona é o povo na rua incentivando, batendo os tradicionais sininhos, você não se sente só em nenhum momento."
MEDALHA. "Depois de chorar ao cruzar a linha de chegada, eu adorei exibir a medalha à noite e no dia seguinte e ser parabenizado. É fabuloso ver o orgulho no rosto das pessoas e finalmente entender que você conquistou algo grandioso. Recomendo NY a quem pretende correr uma maratona, embora seja uma viagem cara e uma prova difícil, a sensação de exibir aquela medalha é indescritível."
Corredor há nove anos, o operador da bolsa de valores Antonio Bonagura, 48 anos, adorou a sua estréia em NY, apesar de ter completado em 4h16, quando sua meta era 4h00. "Não era o meu dia, nem do Marilson e nem da Paula Radcliffe… No km 32, comecei a não me sentir bem, mas consegui terminar graças à minha amiga Angélica (Brotero de Castro, já citada acima), que me puxou até a linha de chegada".
ESPERA. "Fechei o pacote de viagem pela Chamonix e, por sorte, este ano foi a primeira vez que os dois ônibus do grupo (de 55 pessoas), conseguiu chegar até a largada. Meu acesso foi fácil, mas é muito longe. A espera é a pior parte dessa maratona, você tem que levar toda a proteção para um acampamento de duas a três horas."
MÚSICA. "Mais fantástico ainda do que o apoio da torcida no percurso são as bandas de música, bastante variadas. Até mais ou menos a metade da prova, há uma a cada quarteirão, nunca tinha visto tantas."
COMPARAÇÃO. "Tendo já participado de três das cinco principais maratonas mundias, para mim NY é a mais animada e com o melhor visual. Chicago é a mais organizada, pela feira e pelo fácil acesso à largada e chegada. Berlin vem em segundo, também com fácil acesso à largada e chegada, só que a feira é uma zona total, porém cheia de produtos."
Alexandre Vasto, 47 anos, Administrador de empresas paulista, é um veterano em NY, com três participações.
SORTE. "Felizmente não choveu, pois na área de espera as tendas de proteção são limitadas."
ENERGIA. "Acho o clima da prova muito especial, bem como o apoio da torcida, que é fantástico. Quando o percurso fica mais duro, na entrada do Central Park, é que dá para sentir o quanto essa torcida é animada e te empurra nos km finais. É muito bacana."
DISPERSÃO. "Apesar de ser uma prova muito bem organizada, especialmente considerando o número enorme de participantes, eu gostaria que a dispersão fosse mais rápida após a chegada."
Já o médico psiquiatra Ésio Padilha Cursino, 56 anos, de Recife, corre há apenas um ano, mas NY já foi a sua oitava maratona. Apaixonado pelo novo esporte, ele criou até um blog, o "Maratonista Camarada", para dividir suas experiências com outros corredores: http://esiocursino.blogspot.com Curiosamente, a CR teve participação na sua decisão de ir correr na Big Apple:
COMEÇO. "Neste mês de novembro de 2009 fez um ano que corri o meu primeiro quilômetro. Quando li na Contra-Relógio um artigo sobre a Maratona de Nova York decidi me tornar maratonista e correr esta prova. Mas, não aguentei esperar e estreei em Porto Alegre, em maio, e, na semana seguinte, já corri a de São Paulo também."
FRIO. "A organização em NY é excelente, só é muito ruim você ter que esperar mais de três horas para a largada. Não consegui ficar parado por causa do frio, já que optei por não levar nada que fosse descartar ou guardar, então passei todo o tempo andando para não congelar."
BRASILEIROS. "O apoio da torcida é muito bom durante todo o percurso, principalmente quando você têm alguma identificação com seu nome ou país. Como esse não era o meu caso, não recebi apoio. Não sei o que aconteceu, mas não vi nenhum torcedor brasileiro, acho que eles estavam escondidos da imigração…"
DISPERSÃO COMPLICADA. "A única parte da prova em que fiquei tenso foi após a chegada, naquele corredor para a saída. Como não tinha nada para pegar nos guarda-volumes, queria sair logo, mas não tinha como. Também achei muito precário o setor de atendimento médico, que era à direita, imprensado, a menos de um metro da fila imensa para a saída. Imaginei como seria se alguém chegasse passando mal, a dificuldade de um atendimento eficaz, e me lembrei do brasileiro que morreu no ano passado após a chegada. Como não podia sair logo, tive que ficar andando bem devagar, suado e com frio. Comecei a ter calafrios, que só passaram quando consegui sair do Central Park e comecei a andar rápido."
Daniel Pacheco, 31 anos, engenheiro químico de Campinas, é corredor há cinco anos e correu em NY pela primeira vez, completando a sua quarta maratona.
CONFRATERNIZAÇÃO. "Participei da tradicional corrida de confraternização no sábado de manhã, que termina no Central Park, no mesmo local da chegada da prova, com uma surpreendente troca de camisas entre os corredores. As do Brasil fizeram muito sucesso, em troca, consegui camisas da Holanda, França, Peru, Colômbia e México."
CÂIBRAS E RECOMPENSA. "Apesar da temperatura agradável para se correr, entre 8 e 12 graus, os ventos constantes castigavam o corpo não acostumado a essas condições, o que no meu caso contribuiu para algumas cãibras. Mesmo com um tempo bem acima do esperado, 4h13, quando o objetivo era 3h30, a sensação de correr em NY é única. Mesmo após completar, caminhando em direção ao hotel, ouvi muitos cumprimentos de moradores me parabenizando. Isso é muito gratificante. Com certeza irei correr esta prova novamente, só que melhor preparado da próxima vez."
O médico Plínio Gomes, 47 anos, do Rio de Janeiro, já havia corrido duas maratonas antes de encarar NY 2009 (Buenos Aires e Chicago).
FEIRA E JANTAR. "A feira é muito organizada e fica em local de fácil acesso por metrô, além dos ônibus gratuitos colocados à disposição dos corredores. No entanto, prepare-se para andar pelas ruas da cidade mais do que o recomendado em véspera de prova. Decidi trocar o jantar de massas oficial da prova, no Central Park, que é muito concorrido, por um restaurante italiano local famoso, o Carmine's. Inesquecível."
ÔNIBUS. "Quando vi o horário de 6h para o embarque nos ônibus que nos levam à largada, minha reação inicial foi de indignação. Mas, a movimentação intensa e organizada por voluntários na frente da Biblioteca Pública logo me fez esquecer este infortúnio. Fomos em silêncio até Staten Island, onde os ônibus eram descarregados com alguma dificuldade. A presença de uma banda de blues aqueceu-nos a alma, mas era indispensável levar agasalhos para suportar os 7 graus."
MAGIA DE NY. "A corrida é tudo o que dizem e mais um pouco: impressiona cruzar com deficientes físicos (escoltados por guias), ou respeitáveis senhoras com mais de 80 anos, num total de 12 octogenários maratonistas que participaram da prova, além do incentivo dos moradores e dos conjuntos musicais."
MILHAS X KM. "Tive que me acostumar a marcar minhas passagens por milhas, já que, ao contrário de Chicago, as marcações em km só apareciam a cada 5 km. Como treinei apenas dois meses para a prova, a tática que combinei com meu treinador foi começar a 5:20/km e procurar aumentar o ritmo após o km 30. Sendo um especialista em desrespeitar a primeira metade da prova, desta vez segui à risca o combinado e fechei com 3h43, o que me encheu de alegria."



