Ela começou modesta, em 1974, com apenas 244 corredores completando os 42 km por uma área verde de Berlim, mas nos últimos tempos é uma das mais desejadas e difíceis para se conseguir inscrição, que acontece por sorteios. Convidado pela patrocinadora Adidas, junto com outros jornalistas, voltei à capital alemã 15 anos depois de ter lá corrido e gostei ainda mais dessa maratona.
Na primeira vez, os participantes não chegavam a 20 mil e tudo correu sem atropelos. Agora, seriam os anunciados 40 mil inscritos, mas a chegada ao local (de metrô) foi surpreendentemente tranquila, ao contrário da multidão que se verifica quando se vai para a largada em Paris. Depois, novamente, entrada e posicionamento na baia sem qualquer dificuldade, para uma caminhada aos poucos até a linha de partida.
Passado o pórtico, já se começa a correr livremente, confirmando a racionalidade da saída organizada por currais, com base no tempo de conclusão previsto. Mesmo porque, o que vale é o tempo líquido, daí não ter qualquer sentido querer sair na frente, atrapalhando os mais rápidos, como acontece ainda em muitas das principais provas brasileiras.
De qualquer forma, toda essa situação me pareceu um pouco estranha, pois esperava certo caos, já que nunca tinha entrado em uma corrida com 40 mil pessoas. Depois, ao ver a listagem de resultados, descobri que na verdade foram exatamente 29 mil concluintes (22.208 homens e 6.792 mulheres) e não entendi o porquê de divulgarem aquele número.
Provavelmente a organização leva em conta o total de participantes no evento, que começa no sábado, com corridas de crianças na área de largada/chegada e, principalmente, a prova de patins, também na distância de 42 km (em percurso um pouco diferente da maratona, para não haver curvas fechadas) e que reuniu impressionantes 4.630 profissionais e amadores. E no domingo, antes dos corredores, largam cadeirantes e handcycles.
ENTREGA DE KIT. Mas antes de falar da prova em si, vamos aos momentos anteriores, a começar pelos informes que a organização nos manda, por email. Na inscrição (que custa em torno de R$ 300), já é necessário definir o que se deseja receber na entrega do kit, que se restringe ao número e folhetos. É necessário pagar à parte pelo chip, obrigatoriamente, e, se desejar, pela camiseta oficial e pela de concluinte. Aliás, para os que ficaram revoltados com a entrega de medalha no kit da Corrida de São Silvestre de 2010, a Maratona de Berlim, assim como outras lá fora e aqui dentro, garante a sempre valorizada camiseta de finisher, mesmo que a pessoa não corra a prova… É uma forma de arrecadar ainda mais, já que, como se sabe, o custo das camisetas não representa 1/4 do valor de venda.
A entrega do kit foi em um antigo aeroporto, que se acessa facilmente por metrô. A feira é muito grande e repleta daquelas coisas que se compra, mesmo sem haver necessidade, como se descobre depois. O recebimento do número demora alguns minutos; apresenta-se o cartão de confirmação de inscrição (recebido por email), um documento com foto, confirmam-se os dados pessoais que aparecem em uma tela de computador e em seguida é impresso o número de peito; com ele, os alfinetes, o chip e um bracelete fixado na hora pelo staff, e que obrigatoriamente precisará continuar no pulso para se ter acesso às baias, na largada.
Em seguida, pega-se a sacola (apenas com folhetos…), que necessariamente deverá ser usada pelos interessados em utilizar o guarda-volume no dia, e depois os brindes que se pagou antecipadamente. Na feira, o encontro inesperado com a cantora Zélia Duncan e o médico Dráuzio Varella, naturalmente motivo para uma foto, quando trocamos ideia sobre nossas performances no domingo e que acabaram sendo bem próximas: Dráuzio 4h14, eu 4h25 e Zélia 4h37.
A PROVA. As largadas acontecem em torno das 9 horas, neste ano com temperatura perfeita (13 graus) e que não passou dos 18. Após uma concentração e saída impressionantemente tranquilas, a corrida flui fácil, por ruas largas. Logo chama a atenção grupos musicais dos mais variados pelo percurso, por vezes a cada 500 metros! Os primeiros postos de água e isotônico (sempre em copos abertos) são um pouco congestionados, mas nada muito sério, e assim vai até o final.
A única falha foi no posto de entrega de carboidrato em gel, muito bem montado e extenso, na altura do km 30 (pelo que me lembre…), motivando muita gente a pegar um ou mais sachês e já ingerir o suplemento, para constatar que não havia água em seguida, mas apenas mais de 1 km à frente.
A música continua firme, com pequenos grupos e até grandes bandas, o que é efetivamente um fator motivador para os corredores. O público também é animador, mas nada muito entusiasta nem em grande número, como se verifica em Nova York, mas apenas aqui, como se sabe.
Como se larga tendo o Portão de Brandemburgo nas costas, ao se aproximar do final a expectativa é que os metros finais sejam muito emocionantes, pela famosa avenida Unter den Linden, mas em função de obras no local chega-se a ela já para cruzar o portão e ir em direção à linha de chegada. Medalha no peito, segue-se para a dispersão e novamente outra surpresa: água e isotônico em copos abertos, e mais nada!
ELITE E RECORDE. O queniano Dennis Kimetto fez história na Maratona de Berlim. Não somente quebrou o recorde mundial em 26 segundos, como se tornou o primeiro homem a completar os 42 km abaixo das 2h03, com 2:02:57! A antiga marca era do compatriota Wilson Kipsang, obtida também lá, no ano passado, com 2:03:23. O segundo colocado, o queniano Emmanuel Mutai, também correu abaixo do antigo recorde, com 2:03:13. O pódio foi completado por Abera Kuma, da Etiópia, com 2:05:56.
A etíope Tirfi Tsegaye foi a campeã, com 2:20:18, seguida pela compatriota Feyse Tadese (2:20:27) e pela norte-americana Shalane Flanagan (2:21:14). A peruana Ines Melchor terminou na oitava posição com novo recorde sul-americano: 2:26:48. A brasileira Adriana Aparecida da Silva fez 2:38:05, enquanto Michele Cristina das Chagas completou em 2:42:19.
Três bobagens
Não é exclusivo da prova alemã, mas três bobagens merecem ser comentadas:
– No kit vem uma esponja para ser encharcada em baldes de água do percurso e depois passada pela cabeça e corpo. É uma recomendação da entidade que coordena as provas internacionais (AIMS) sem qualquer sentido prático. Não por acaso, praticamente ninguém usa. Curiosamente algumas corridas por aqui copiaram essa bobagem, igualmente sem adesão dos participantes.
– Postos de massagem, com maca, pelo percurso. Outra medida sem sentido porque quando muito a pessoa para e pede uma massagem rápida, de pé mesmo. Na foto, um posto às moscas, no km 35. Também recentemente um circuito brasileiro de dez milhas oferecia esse serviço e até uma área para descanso e confraternização, no meio da prova!!! O que organizadores não fazem para propor algo diferente…
– A terceira bobagem já foi levantada pela revista, mas achávamos que em maratona teriam alguma função. São os marcadores de ritmo, com vistas a determinados tempos de conclusão. No começo até que são acompanhados por alguns corredores, mas com o passar dos quilômetros vão sendo abandonados. Por volta do km 30 fui ultrapassado pelo coelho das 4h15 e, mesmo com 30 mil participantes, ele seguia absolutamente sozinho e meio sem graça com aquela bola de gás laranja acima da cabeça.
Minha corrida conservadora
Como informei na CR de agosto, o convite da Adidas chegou meio em cima da hora e tive, então, 10 semanas para me preparar, quando fazia apenas 3 treinos por semana, de 10 a 15 km. Não consegui treinar como gostaria e muito menos emagrecer como pretendia, e por essa razão fui para Berlim com pretensões modestas.
Nas minhas duas últimas maratonas (Santiago e Punta del Este) tinha quebrado no terço final, por ter saído mais forte do que deveria, animado para conseguir índice para Boston (4h10, em minha faixa etária 65/69 anos). Desta vez, até por saber que estava menos condicionado, decidi que correria de olho no relógio, para me controlar, e assim ir até o final sem ter que andar, como havia acontecido naquelas duas maratonas.
E assim fiz, passando a meia maratona em 2h05, mas consciente que não conseguiria manter o mesmo ritmo na segunda parte e, dessa forma, resolvi segurar um pouco mais o ímpeto e administrar os outros 21 km, para não ter as minhas sempre acompanhantes cãibras. E deu certo, já que elas até apareceram, mas fracas e logo sumiram, e foi possível correr sem parar até a chegada, para terminar em 4h25.
Depois, nada daquele esgotamento e mal estar, comuns após uma maratona, e muito menos as cãibras no resto do dia e à noite (estas as mais terríveis, por impedirem de dormir), que me acompanham há muitos anos. Uma corrida conservadora geralmente não garante um grande resultado, mas em compensação as consequências ruins pós 42 km também não aparecem.
O índice para Boston continua sendo uma meta e um estímulo para continuar treinando firme. Se não conseguir tão logo, deixo para os meus 70 anos (em 2017), quando então poderei buscar um sub 4h25.
Inscrição só por agência
Os interessados em participar da 42ª Maratona de Berlim, dia 27 de setembro de 2015, já não tem possibilidade de se inscrever normalmente para os sorteios, uma vez que o prazo acabou dia 2 deste mês. Agora, terão que recorrer às agências de turismo, que conseguem algumas cotas de inscrições, associadas a pacotes de viagem.
De sub 2h05 a sub 2h03
(recordes mundiais em Berlim)
Paul Tergat (Quênia) 2003 2:04:55
Haile Gebrselassie (Etiópia) 2007 2:04:26
Haile Gebrselassie (Etiópia) 2008 2:03:59
Patrick Makay (Quênia) 2011 2:03:28
Wilson Kipsang 2013 2:03:23
Dennis Kimetto 2014 2:02:57
Lições de Berlim
Depois de passar quase duas semanas na capital alemã, algumas dicas para os que forem para lá correr a maratona um dia.
1 – Tenha sempre moedas no bolso, para pagar pelo uso de banheiro (de lojas, públicos etc, em que a gorjeta é obrigatória).
2 – Não deixe, em hipótese alguma, de comprar bilhete de transporte urbano, e de ativá-lo antes de entrar (no metrô ou trem) ou no próprio veículo (bonde e ônibus). Caso apareça fiscalização, a multa é bem alta, além do constrangimento!
3 – Salsicha no pão ou com batata continua sendo um lanche barato e encontrado em todo lugar.
4 – Além do tradicional city tour, algumas visitas obrigatórias: Ilha dos Museus, Reichstag (cúpula de vidro do Parlamento Alemão), Torre de Televisão na Alexander Platz, Checkpoint Charlie e naturalmente o Portão de Brandemburgo.
5 – Passeios não muito interessantes: de barco pelos canais da cidade; ida até Potsdam (nada comparado com Versailles); visita a campo de concentração.
6 – Hoteis perto da Alexander Platz tem bons preços e a localização é ótima. Na praça está o ponto inicial (e final) do ônibus para o aeroporto, e por lá passam diversas linhas de metrô, bondes e trens.
7 – Não se confunda com os nomes das estações de metrô e paradas de ônibus, quase todas terminando em strasse (rua), platz (praça) ou tor (pórtico).
8 – A maioria das pessoas fala um pouco de inglês e não é difícil entender, exatamente por não serem fluentes.
9 – Restaurantes cobram taxa de serviço de até 20%.
10 – Respeite (mesmo) os sinais de pedestre, para não ser atropelado por carro, ônibus, bonde ou bicicleta. E cuidado para não andar na faixa (geralmente avermelhada) de bicicleta nas calçadas.