Os 40 anos da Maratona de Berlim não poderiam ter sido festejados de maneira mais especial. O recorde mundial tão esperado veio dos "pés" de quem já se esperava. O queniano Wilson Kipsang, que já havia ficado bem próximo da marca em 2011, quando correu em Frankfurt apenas 4 segundos acima do resultado do compatriota Patrick Makau, de 2:03:38, conseguido no mesmo ano em Berlim mesmo, desta vez não deixou escapar a oportunidade.
Os coelhos levaram a meia-maratona para uma passagem de 1:01:32, um pouco mais alto do que Kipsang pretendia. Na marca dos 35 km parecia que a prova sairia do controle dos líderes – o trio de compatriotas Wilson e Geoffrey Kipsang e Eliud Kipchoge, ao ficar 20 segundos acima do recorde. Mesmo com vento contra, Wilson Kipsang tomou as rédeas da corrida, parecendo mesmo que a ele não apenas a vitória interessava naquele dia. Apertando o ritmo, na passagem dos 40 km, o atleta já tinha entrado no ritmo de recorde e a partir daí continuou a acelerar para cruzar a linha de chegada em 2:03:23 e se consagrar como o 9º recordista mundial em Berlim. Na 2ª colocação ficou Eliud Kipchoge, que fechou com 2:04:05, seguido Geoffrey Kipsang, com 2:06:26.
No feminino, a queniana Florence Kiplagat, que já havia conquistado a maratona alemã em 2011, conseguiu o bicampeonato, com 2:21:13. A também queniana Sharon Cherop chegou em 2º, com 2:22:28. Na 3ª posição, ficou a alemã Irina Mikitenko, que aos 42 anos fechou a corrida em 3º lugar, com 2:24:54, resultado que lhe garantiu o recorde mundial máster de maratona.
A prova teve a presença de Marilson Gomes dos Santos, que buscava melhorar sua marca pessoal na distância, que é de 2:06:34, obtida em Londres em 2011, e quem sabe quebrar o recorde sul-americano estabelecido por Ronaldo da Costa, em Berlim mesmo, em 1998, quando bateu o recorde mundial; mas ele terminou na 6ª colocação, com o tempo de 2:09:24.
Mesmo não tendo conseguido o resultado esperado, o atleta, que passou uma temporada treinando na altitude de Paipa, na Colômbia (2.600 metros), avaliou seu resultado como positivo. "Saí para tentar fazer marca e até os 25 km estava dentro do previsto. Mas acabei sentindo um pouco depois. Talvez tenha sido por falta de competição mesmo; eu me senti meio preso."
FESTA NA CAPITAL DO MURO. Como não poderia deixar de ser, a 40ª edição da competição, realizada no dia 29 de setembro, foi marcada por festa. Para comemorar os 40 anos, os organizadores levaram nada menos do que todos os recordistas mundiais que já fizeram história por lá. No feminino, marcaram presença a alemã Christa Vahlensieck (1997), a queniana Tegla Loroupe (1999) e a japonesa Naoko Takahashi (2001). Entre os homens, a lista de convidados começava com nada menos do que o brasileiro Ronaldo da Costa, que bateu o recorde mundial em 1998 e é o único atleta não africano entre os recordistas mundiais masculinos em Berlim. E a lista se estendia com mais nomes de peso: o queniano Paul Tergat (2003), o etíope Haile Gebrselassie (2007 e 2008) e ainda o queniano Patrick Makau (2011), que até pretendia defender o recorde, mas não pôde correr devido a uma lesão. Uma série de eventos foi realizada com a presença dos sete recordistas, o que abrilhantou ainda mais a maratona alemã.
As honras da largada couberam a Haile, único nome na lista com dois recordes mundiais e que não escondia sua satisfação de estar ali presente, embora tenha declarado no microfone que preferia estar alinhado junto com os outros corredores, fazendo aquilo que ele mais gosta de fazer. Ou seja, correr. Mas enquanto o etíope dava o pontapé inicial de uma maratona que iria ficar na história, outros recordistas, como Ronaldo, Tegla, Christa e ainda de quebra a grande maratonista alemã Uta Pippig, que foi tricampeã em Berlim (1990, 1992 e 1995), bi em Boston (1994 e 1996) e campeã em Nova York (1993), aplaudiam os corredores de cima de palanque logo após a linha de largada.
Apesar da invasão na chegada, quando Kipsang foi surpreendido por um corredor que furou o bloqueio e cruzou a linha antes do recordista, praticamente não dando oportunidade para os fotógrafos ali presentes clicarem uma foto livre do queniano com o tempo oficial mostrado no relógio, o evento transcorreu sem maiores problemas. Segundo dados oficiais, o evento reuniu 41.120 inscritos. Desse total, 37.494 largaram e 36.601 cruzaram a linha de chegada. O Brasil teve presença de peso, com 619 inscritos que, embora buscassem recordes pessoais ou a possibilidade de estrear na maratona em grande estilo, encontraram em Berlim um evento impecável e que traduz todo o seu sucesso ao longo destes 40 anos. Muitos dos brasileiros não foram para a prova e 463 completaram oficialmente.
OS BRASILEIROS. A gaúcha Olga Pasqualotto, que mora em Campo Grande, escolheu a capital alemã para estrear nos 42 km como uma homenagem a sua mãe, descendente de alemães. "Eu sempre falava para ela que faria minha primeira maratona em Berlim. Ela faleceu há 4 anos, mas com certeza estava presente a todo momento ao meu lado", conta Olga, que finalizou em 3h56. Em relação ao evento, Olga só tem elogios. "Tudo me surpreendeu. Tive ainda o prazer de correr até os 20 km com um brasileiro, que já havia morado na Alemanha. Foi sensacional conhecer os pontos turísticos, além dos grandiosos marcos das cidades que percorremos na prova."
Outro que também optou por Berlim para fazer sua estreia nos 42 km foi o paulista Wilson Pires Justo, de Sorocaba, que fechou a corrida em 4h20. "Fiquei surpreso com a quantidade de informações sobre o evento. Quem foi à Expo, onde os kits foram entregues, recebeu revistas, mapinhas, guias e outras coisas. Tudo com pelo menos uma versão em inglês", conta Wilson, que destaca ainda o bom funcionamento das largadas em ondas e o fácil acesso ao local.
"Larguei na letra G. Para chegar lá a partir da arena foi moleza. Tudo estava amplamente sinalizado de forma que não tive nenhuma dificuldade em chegar ao meu bloco. Já larguei no ritmo desde o início. Houve somente alguns momentos de afunilamento das vias e nos pontos de água, principalmente até a Alexander Platz, no km 12", conta Wilson, destacando a parte final da prova como algo inesquecível: a passagem pelo Portão de Brandemburgo pouco antes de cruzar a linha de chegada. "Aquele Portão assistiu a guerras, já ostentou uma nada saudosa suástica e ficou à sombra do Muro. Não me envergonho em dizer que chorei quando passei por ali."
Corredor desde 1986, o pernambucano José Ailton de Lima, que mora em Mogi das Cruzes, já completou 85 maratonas, muitas delas no exterior, como Nova York, Paris, Londres, Buenos Aires e Santiago. O objetivo da escolha por Berlim não foi diferente dos outros corredores. Afinal, percurso rápido, temperatura ideal e ainda a possibilidade de fazer turismo sempre é uma combinação perfeita. Além da prova impecável, Ailton cita ainda os eventos paralelos ao principal como grandes atrativos, como a corrida de 6 km no dia anterior, com chegada dentro do Estádio Olímpico.
"Foi perfeito", diz o maratonista, que terminou os 42 km em 3h54. "A Expo é maravilhosa em tamanho e quantidade de expositores. O local é amplo, limpo e organizado. Retirei meu kit na quinta-feira e estava tranquilo. Voltei no sábado para passear e observei uma multidão esperando pacientemente para adentrar ao espaço destinado ao kit, mas tudo na maior calma. Todos os staffs são comprometidos com o evento", conta Ailton, que lembra ainda que neste ano foi introduzida a pulseira para controlar o acesso dos corredores à área de largada e evitar que pessoas repassem os números a terceiros.
TUDO PERFEITO. Quem faz uma vez sempre quer voltar. Foi que o que aconteceu com Alzira Nobuko Nishiyama, de Cuiabá, que já havia corrido Berlim em 2011 e quis repetir a dose. Sua maior motivação foi a receptividade e a festividade da população ao longo do trajeto. "Tudo é impecável na capital germânica. A inscrição, os eventos pré-corrida, a corrida e o pós também. A preocupação e as medidas de segurança durante todo o evento foram um ponto positivo. As medidas adotadas foram boas, pois o uso indevido dos números por terceiros tem gerado transtornos. Corri duas edições desta maratona e sem dúvida este ano os cuidados com segurança foram perceptíveis. A invasão da chegada realmente foi inesperada", lembra Alzira, referindo-se ao episódio no final da prova. "O percurso em si é lindo e realmente, durante o percurso, a cidade abre suas portas e somos abraçados pela festividade da população. O público é um diferencial, com sua receptividade, respeito e incentivo aos corredores, sem distinção de nacionalidade. As bandas são um incentivo a mais durante todo o percurso", lembra a maratonista, que fechou os 42 km em 3h24.
Ana Helena Canavarros, também de Cuiabá, fez sua primeira maratona internacional em Berlim. "Imaginava uma prova bem organizada e emocionante, além do percurso plano e clima frio. Digamos que ficou além do que eu pensava. Tudo me surpreendeu positivamente: a organização, o respeito ao corredor, o percurso, o clima e muito mais", conta a Ana, que, mesmo com a grande quantidade de corredores no percurso, diz não ter sentido qualquer dificuldade em correr. "Eram muitos corredores, porém tudo com um fluxo de movimento incrível, que segue como um balé para um mesmo destino e objetivo. É fascinante. Foi incrível a vibração das pessoas, as crianças com as mãozinhas esticadas para você dar um toque." Com todo esse clima favorável, não houve empecilhos que a impedissem terminar no tempo previsto, ou seja, 4h20.
A carioca Deborah Amorim Viana, que mora em São Paulo, também conseguiu se beneficiar de todas as características que tornam Berlim reconhecidamente uma das maratonas mais rápidas do mundo. E resultado não poderia ter deixado ela mais feliz: 3h26 logo na estreia dos 42 km. "O percurso é uma delícia. As ruas são largas, a prova é praticamente plana. Até o km 5 eu curti bem as coisas que estavam em volta. Estava segurando um pouco o ritmo, ainda com adrenalina em alta, com medo de soltar demais e quebrar no final. Por mais focado que você esteja – e eu estava – não tem como não prestar atenção às bandas, às pessoas, aos gritos de incentivo", lembra Deborah. "A parte inesquecível do trajeto foi avistar o Portão de Brandemburgo e vê-lo aumentando, aumentando, até passar por baixo dele. Não é só porque ali é o fim da prova praticamente. É pela sua grandiosidade. A avenida abre, as pessoas se aglomeram ali e cada grito parece uma mão lhe empurrando naquela hora que você mais precisa. Eu comecei a chorar exatamente nesse local."
ABASTECIMENTO CONGESTIONADO. A única ressalva de Deborah foi em relação aos postos de hidratação e a forma que é oferecida a água, ou seja, em copos abertos. "Para aquela quantidade de pessoas, achei que eles ficaram mal dispostos, apenas de um lado. Quem estava indo para tempo, como eu, tinha que diminuir muito a velocidade para não atropelar outro corredor. Outra coisa foi servir água em copos abertos. Eu já sabia, mas achei péssimo. Além de diminuir a velocidade para pegar a água, tive que diminuir para tomar, porque no primeiro posto quase me 'afoguei'."
Deborah também cita a Expo como um dos destaques do evento. "Como foi minha primeira maratona, fiquei encantada com a Expo e com a rapidez para a retirada do kit. Primeiro, o lugar – um aeroporto desativado -, que é sensacional. Segundo, uma infinidade de marcas, tudo muito bem disposto, os preços razoáveis quando consideramos Europa e muitas atividades para os corredores e familiares que não eram pagas. Tudo à disposição. Eles montam uma estrutura para que você vá com a sua família e queira ficar o dia todo por lá."
A tentativa frustrada de estrear nos 42 km no ano passado em Nova York, quando a prova foi cancelada por causa do furacão Sandy, foi que levou o paulista Leonardo Accorsi, de Serra Negra, a transferir o sonho de encarar pela primeira vez uma maratona para a capital alemã. Decisão das mais acertadas, já que Berlim não fica devendo em nada em termos de organização e animação em relação à famosa Nova York.
"Além de fazer parte das maratonas mais importantes do mundo, é uma cidade rica em história e exemplo para outras capitais do mundo. Minhas expectativas eram as melhores possíveis e foram todas superadas", afirma Leonardo, lembrando que tudo fluiu normalmente e pode fazer uma corrida livre desde o início, apesar de ser obrigado a algumas manobras nos pontos de hidratação para se desvencilhar do congestionamento.
"O percurso é muito bom. Passa por toda a cidade. Foi muito interessante correr pela parte que pertencia à antiga União Soviética e também pela parte Ocidental. É uma mistura de corrida com 'city tour'. O público é um espetáculo à parte. Nos últimos 12 km, nem me lembrei de tomar água nos postos. Estava tão empolgado que a qualquer sinal de sede ou desânimo bastava correr pelas laterais e estender o braço e todos ali – idosos, jovens e crianças principalmente – estavam prontos a dar um 'high five'." Leonardo finalizou a prova em 3h58, um tempo bem abaixo do que esperava. Afinal, como ele mesmo disse, "isso foi mais que suficiente para abastecer o estoque de endorfina, o carbo e tudo mais, e acabar a maratona com um grande sorriso no rosto".
15 anos do recorde de Ronaldo
Depois de 15 anos do recorde mundial estabelecido em Berlim, voltar à capital alemã foi uma honra para Ronaldo da Costa, que não escondia em nenhum momento a felicidade de estar ali, junto com os outros recordistas mundiais que fizeram a história dos 40 anos dessa grande prova.
"Estou muito feliz. Sei que fiz história aqui. Bati um recorde que já durava 10 anos. Sou o único não africano entre os homens. É uma honra poder estar aqui de volta no meio de todas estas feras, como Haile, Tergat, Loroupe", dizia Ronaldo, que ao longo da prova animava a área VIP do evento com toda alegria e simplicidade já muito conhecida por nós, mas não esquecia de tirar os olhos de cima das passagens do Marilson, numa torcida muito grande para que nosso único representante brasileiro na maratona conseguisse o feito de bater o recorde sul-americano.
"Eu torço mesmo para ele. Eu já vivi meu momento. Agora é o dele e quero que ele consiga quebrar essa marca. Isso é importante para o Brasil", dizia Ronaldo, que carregava consigo uma bandeirinha do Quênia, que, segundo ele, será guardada com muito carinho. "Aqui tem o autógrafo do Paul Tergat e da Tegla Lourope. Vou levar para casa como lembrança."
Com uma semana repleta de eventos, Ronaldo comentava sua satisfação de poder também estar ali próximo ao público. "Estou cansado, mas estou feliz. Chequei aqui na quarta e já comecei a trabalhar, porque a agenda foi cheia. Fui ver as crianças correr; havia 8 mil, com as escolas participando. Precisamos disso no Brasil. Você vê aqui a diferença da organização. Em paralelo à maratona, vários outros eventos aconteceram, como uma competição de patins. Foi tudo muito bacana."
Ali bem próximo do final, quando perguntado o que vinha à cabeça dele quando se lembrava de 1998, quando bateu o recorde mundial (2:06:05), Ronaldo respondeu com aquela simplicidade e alegria que todos conhecem: "Eu não tinha a proporção do que era isso; hoje eu sei. Fiz uma marca que não era para qualquer um. Fui o primeiro a correr abaixo de 3 minutos por quilômetro. Relembrar aquele momento, estando aqui depois de 15 anos, é uma grande felicidade. Aqui eu estou em casa. Ronaldo da Costa é Berlim".