POR FERNANDO BELTRAMI | rips_hurder@hotmail.com – Agosto 2016
Você costuma acertar seu tempo de prova? Em caso negativo, você não está sozinho! Uma pesquisa recente indica que maratonistas tendem a errar seu tempo em pouco mais de 7 minutos para baixo, ou seja, acreditam ser capazes de correr cerca de 10 segundos por quilômetro mais rápido do que realmente conseguem.
Se considerarmos que os corredores normalmente começam as provas dentro do seu ritmo alvo, ou até mesmo mais forte, a diferença se torna expressiva. Mas por que com tanta frequência não conseguimos manter o pace que gostaríamos e/ou que achávamos que estávamos preparados? O que está por trás da capacidade de manter um determinado ritmo de corrida por longos períodos?
Nos primórdios da fisiologia, a performance era explicada principalmente do ponto de vista energético, onde se sabia que a energia necessária para o exercício podia ser fornecida por duas rotas: a aeróbica (com oxigênio) e a anaeróbica (sem). Acreditava-se que quando o organismo ultrapassasse sua capacidade de gerar energia aerobicamente, o sistema anaeróbico entraria em atividade – algo como uma bateria de emergência de alta potência, mas de baixa duração.
O problema do sistema aeróbico seria a produção do ácido lático, que atrapalharia a capacidade contrátil dos músculos, causando a sensação de fadiga e obrigando o corredor a diminuir o ritmo para “voltar” para a zona aeróbica. Assim, a intensidade em que se imaginava que a produção de energia anaeróbica aumentasse de forma significativa ficou conhecida como o limiar anaeróbico ou limiar de lactato.
Curiosamente, quando um atleta corre exatamente nesta intensidade, o ponto de exaustão acontece em pouco menos de uma hora, mas sem que qualquer um dos mecanismos usualmente utilizados para explicar a desistência esteja presente, o que para alguns pesquisadores serve como evidência de que a fadiga tem sua origem no cérebro, independente de qualquer evento fisiológico significativo aconteça.
MUITOS FATORES. De fato, atualmente a regulação da performance é vista como um fenômeno muito mais complexo do que a equação entre demanda e fornecimento de energia, e fatores como manutenção de temperatura corporal, estresse cardiorrespiratório, fadiga neuromuscular e motivação/percepção de esforço em relação ao objetivo ganharam espaço no conjunto de fatores que, juntos, determinam nossa habilidade de manter o ritmo de corrida.
Em termos práticos, voltamos ao estudo mencionado no início da matéria, em que mais de 700 corredores foram avaliados durante a Maratona de Londres. Antes da prova, os corredores foram entrevistados sobre sua experiência em maratonas e também sobre suas expectativas de performance, e estes dados foram cruzados com os resultados alcançados.
Em média, os corredores completaram a prova cerca de 7min40seg mais lentos do que sua expectativa. E, mais importante, quando separados por faixa de experiência, aqueles que nunca haviam entrado em uma maratona fizeram os primeiros 5 km 9% mais rápidos do que seu ritmo médio, e acabaram os últimos 5 km 11% mais lentos!
Na prática, isso quer dizer que para um ritmo médio de 5min/km o corredor inexperiente começou em 4:33 e acabou em 5:35; isso sem nem considerar que dentro dos 5 km desta média ele possivelmente começou ainda mais rápido e acabou ainda mais lento!
Já para os corredores com pelo menos cinco provas de experiência, o panorama foi um pouco mais animador: para os mesmos 5min/km de ritmo médio, este grupo iniciou em 4:45 e terminou em 5:19/km. Esta quebra exagerada dos corredores pouco experientes é um claro indicador da falta de capacidade destes em predizer seu próprio ponto de exaustão.
SENSAÇÃO DE ESFORÇO. Como não existe um fator único responsável pelo esgotamento do corredor durante provas de longa distância, a chave para ficar no ritmo é manter a sensação de esforço em uma taxa de progressão, onde o máximo de esforço seja atingido somente no final da prova, e não antes.
Considere o exemplo mostrado no gráfico, em que um mesmo corredor completa uma maratona em seu ritmo correto (em círculos azuis, com a respectiva sensação de esforço em círculos verdes) ou errado (com a velocidade representada por triângulos em laranja e a respectiva sensação de esforço em triângulos vermelhos).
Repare que no início da prova a sensação de esforço das duas condições é a mesma (as linhas verdes e vermelhas se sobrepõem), parte em função da “empolgação” inicial e pelo efeito da massa de corredores ao redor. No entanto, o ritmo exagerado do início logo faz com que a sensação de esforço aumente mais rapidamente no segundo caso, atingindo valores próximos do máximo muito antes do fim da prova, no exemplo já no km 35.
Com isso, o corredor é obrigado a reduzir consideravelmente o ritmo no final, o que mesmo assim não diminui a sensação de esforço, pois a fadiga das pernas torna o custo energético de locomoção mais alto. Este é o exemplo daquele amigo que você perde de vista no início da prova porque ele dispara, e lá pelo quilômetro 35 o encontra caminhando cabisbaixo.
Para garantir que isso não aconteça no dia da competição, existem diversas calculadoras de ritmo para lhe ajudar a estimar seu ritmo inicial de prova. Uma destas sugestões está no quadro abaixo, e tabelas semelhantes ou com pequenas variações abundam em sites e revistas de corrida.
O importante é utilizar estas velocidades como uma guia inicial, e a partir disso construir o seu próprio gráfico de sensação de esforço no decorrer do tempo em seus treinos longos, quando estes forem feitos em ritmo de prova. A escala pode ser de 1 a 10, de 6 a 20 como no exemplo do gráfico, não importa. O fundamental é que você tente perceber, a partir de seus treinos, se determinado ritmo é sustentável até o fim da competição ou se já é razoavelmente óbvio que não. Se este for o caso, o melhor a fazer é repensar a estratégia.