Tudo em cima – Yara Achôa – DEZEMBRO 2007
Todo mundo já sentiu – e às vezes ainda sente -, 24 horas após a prática de uma atividade física mais intensa, os músculos doloridos… Entenda o que é a dor tardia, porque ela acontece, como preveni-la e minimizá-la. Mas saiba que essa dor, quando moderada, também tem seu lado positivo: é sinal que você vai correr melhor!
Nesta época do ano, com o calor e os corpos mais expostos, surgem muitos novos “atletas” nos parques, praias e ruas. Tentando recuperar o tempo perdido, eles se atiram nas atividades físicas e, não raro, no outro dia experimentam aquela sensação de terem sido atropelados por um trem. Mas também acontece com os mais experientes.
Quem é que nunca sentiu, no dia seguinte de um treino mais puxado ou uma distância maior percorrida, aquela dorzinha incômoda? Tecnicamente ela é chamada de Dor Muscular de Início Tardio ou DOMS (da sigla em inglês para Delayed Onset Muscle Soreness). Na prática é a “dor do dia seguinte” — a percepção de músculos trabalhados, às vezes apenas ligeiramente doloridos, outras com intensidade bem maior.
Ela é causada por esforço físico imprudente ou acima do habitual e ainda é erroneamente associada à concentração de ácido lático no músculo. “Esse é um conceito antigo, que persiste em função da falta de conhecimento científico mais atualizado por parte de alguns profissionais”, afirma Turíbio Leite de Barros, especialista em medicina esportiva.
A associação do ácido lático à dor muscular não é necessariamente equivocada, uma vez que o acúmulo dele no músculo de fato resulta em um quadro doloroso. “Mas trata-se de uma dor aguda, que aparece durante e imediatamente após o exercício. Ocorre por falta de fluxo sanguíneo nos músculos ativos (isquemia) e, em razão disso, os produtos da atividade metabólica (acido lático e potássio) não podem ser removidos. Em excesso, eles estimulam os receptores dolorosos localizados nos músculos.
A dor persiste até que a intensidade da contração para restabelecer o fluxo seja reduzida ou cesse”, explica o professor Marcos Caetano, do Instituto Vita, de São Paulo. Estudos recentes sobre a DOMS comprovam, inclusive, que o ácido lático é eliminado do organismo em duas ou três horas após o término da atividade física.
A dor tardia, por sua vez, está associada a microtraumas musculares. “O esforço provoca lesões em algumas células musculares (fibras), que por sua vez sofrem rupturas e derramam enzimas (creatinoquinase ou CK) na corrente sangüínea, levando a uma resposta inflamatória, causadora de edemas e dores”, diz o fisiologista Turíbio Leite. “Ela ocorre de 24 a 48 horas após o término das sessões dos exercícios. E, dependendo do tamanho da lesão, o músculo pode demorar de uma a quatro semanas para cicatrizar completamente”, reforça Marcos Caetano.
DOR BENÉFICA?
Para o fisiologista Turíbio Leite, a dor do dia seguinte tem seu aspecto positivo – desde, é claro, que seja um quadro moderado de dor. A explicação: no processo de regeneração das microlesões, o músculo vai se remodelando como forma de se adaptar ao exercício, o que resulta em fortalecimento. Já Marcos Caetano é cauteloso ao se referir aos benefícios que esse incômodo do dia seguinte possa trazer ao atleta, em termos de rendimento. “A força muscular diminui durante o processo doloroso e o atleta poderá ter que interromper os treinos diante dessa situação”, diz o professor do Instituto Vita.
As causas desses pequeníssimos traumas estão ligadas a fatores mecânicos e químicos. Os mecânicos dizem respeito ao esforço vigoroso: ou seja, você sobrecarregou o músculo com intensidade ou força, ele sofreu as microlesões e reagiu com dor. “Um programa de treinamento físico de progressão lenta, para que os músculos exercitados se adaptem ao estresse do exercício, é o mais indicado”, fala Marcos Caetano.
Já os químicos estão relacionados aos radicais livres – moléculas instáveis ou fragmentos de moléculas sem um par de elétrons em suas órbitas exteriores. “A atividade física prolongada libera radicais livres, que destroem as membranas celulares, causam danos e prejudicam o remodelamento muscular. Aliás, se pudéssemos neutralizá-los, encurtaríamos o período de dor do dia seguinte”, afirma Turíbio.
O estresse químico não pode ser totalmente anulado, mas tem seus efeitos minimizados por meio de antioxidantes, substâncias presentes em vitaminas, minerais e aminoácidos, que agem como uma espécie de escudo protetor. De acordo com muitos especialistas, no entanto, só a dieta – por mais equilibrada que seja – não daria conta da necessidade adequada, especialmente no caso de praticantes de atividade física regular e intensa.
“As pessoas deveriam comer diariamente de quatro a cinco porções – em alguns casos até nove porções – de frutas, verduras e legumes. E uma porção não quer dizer uma folha de alface, mas um prato de sobremesa”, diz Andréa Ramalho, doutora em saúde pública e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Além do mais, há grande perda nutricional devido à industrialização dos alimentos. “Existem evidências de que a suplementação vitamínica seria capaz de atenuar os sintomas da DOMS, permitindo um retorno mais rápido à prática esportiva. Mas é bom dizer que suplemento não substitui a alimentação e ele deve ser recomendado por um profissional da área de saúde”, aconselha Turíbio Leite. No entanto, para o professor Marcos Caetano, ainda faltam comprovações científicas sobre o uso de vitaminas para prevenir e diminuir a dor.
O TREINO DO DIA SEGUINTE
“É preciso repouso, reposição nutricional e hídrica para deixar o músculo íntegro novamente”, ensina Turíbio Leite. Portanto, o dia após o exercício deve ser de regeneração. O professor do Instituto Vita reforça: “O descanso e a alimentação adequada após a atividade são fundamentais. Um trabalho regenerativo, com atividades leves, como uma caminhada ou até um trotinho, desde que a dor não seja um fator limitante, também contribui para o processo de reparação das fibras (dependendo do grau da lesão), pois aumentam a irrigação sanguínea no músculo afetado”.
Sentir uma “dor gostosa” – não, isso não é coisa de masoquista – após o exercício é sinal de que seu corpo está reagindo e buscando melhorar sua performance. Mas diante de um quadro de dor mais forte ou prolongada, é recomendável reduzir a intensidade dos treinamentos para evitar uma lesão mais grave e procurar um especialista. Afinal, o que você quer é continuar se exercitando, não?
ALONGAMENTO NÃO DIMINUI A DOR
“É importante e necessário alongar os músculos, mas antes da atividade física, para torná-los mais flexíveis. Nunca depois, se estiverem doloridos”, afirma o fisiologista Turíbio Leite. A explicação, segundo ele, é que após exercício intenso o músculo está “machucado”. E certamente não será uma sessão de “estica e puxa” que diminuirá a dor do dia seguinte. “Não se alonga músculo dolorido”, diz o especialista.
REMEDINHOS PARA DISFARÇAR A DOR
Atletas aprendem a conviver com a dor em maior ou menor grau. Mas às vezes essa companhia é altamente indesejável, como no meio de uma prova. Daí que muitas pessoas recorrem a analgésicos ou antiinflamatórios – muitas vezes orientadas pelos próprios treinadores – para se verem “livres” dela. Só que a dor é uma ferramenta de defesa do organismo, ou seja, um “aviso” de que algo está errado.
“Esses medicamentos inibem a ação dos receptores da dor no sistema nervoso central, deixando as células musculares expostas a lesões maiores”, explica o professor Marcos Caetano. Portanto, se você não recebe o “comunicado”, pode forçar além da conta e provocar danos maiores. “O mais coerente, sempre, é fazer uma preparação física periodizada e orientada”, diz o especialista.
Mas o uso de analgésicos chega a ser comum entre corredores mais lentos, notadamente, especialmente em maratonas, e isto é em parte estimulado em algumas provas do exterior, cujo kit já vem com amostras grátis de medicamentos e indicação para se ingerir durante a maratona.
MECANISMO DA DOR DE INÍCIO TARDIO (DOMS)
EXERCÍCIO INTENSO → →
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EFEITO IMEDIATO
dor ↑ acúmulo de ácido lático
microtraumas → →
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DIA SEGUINTE
inflamação
dor |
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