Eles praticam esporte, se alimentam bem, tomam sol, dormem corretamente, não fumam, não bebem. Isso basta para ter uma vida saudável, certo? Errado – pelo menos para um determinado grupo de corredores. Para eles, é necessário ingerir suplementos, vitaminas e assemelhados para ficar em forma, para ajudar e acelerar na recuperação e também para prevenir doenças e brecar o envelhecimento.
"Suplementos são complementos alimentares indicados para aqueles que têm carências de nutrientes em sua dieta, para os que praticam esportes de alto rendimento ou ainda para os que querem melhorar a performance. O tipo deve ser escolhido de acordo com a necessidade individual, analisada com o auxílio de profissional capacitado através de exames laboratoriais e clínicos", explica o endocrinologista Rafael Silvestre Knack, de Santos (SP), especialista em medicina do esporte pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Há pessoas de todas as idades que consomem esses produtos. Porém, quanto mais o tempo passa, maior parece ser a procura. Acima dos 50 anos – e especialmente mulheres -, elas querem não só estar em forma, como também caminhar rumo a uma maturidade saudável.
"Além da preocupação com a performance, o corredor deve pensar na prevenção de desgastes e doenças, como é o caso das mulheres que podem ter deficiência de cálcio", diz o médico nutrólogo Thiago Volpi, de São Paulo, diretor do Centro de Medicina Integrada Espaço Volpi.
Tomar ou não suplementos – alguns "da moda" e outros mais específicos às necessidades pessoais – gera polêmica semelhante a temas como "correr ou não descalço" e "treinar ou não com assessoria". Como em todas essas discussões encontramos posições divergentes. O que vale, no entanto, é a reflexão – até porque não existe uma fórmula certa ou errada.
Ouvimos alguns desses fãs de suplementos para saber o que tomam, porque tomam e quando tomam e também a opinião de especialistas sobre o tema.
PARA CHEGAR BEM. Alimentação saudável e horário sagrado de sono fazem parte da rotina da cirurgiã dentista Valéria de Cássia Cassiano, de 41 anos, corredora há 15. "Como verduras, legumes e carne branca, nada de embutidos ou enlatados e mantenho horários regulares para todas as refeições e para dormir", diz.
Esse estilo, teoricamente, garantiria boa saúde a ela. "Pensando no bem-estar diário, a alimentação saudável já seria suficiente. Contudo, quando pensamos em treinos desgastantes e performance, o uso de suplementos específicos são indispensáveis. Existe comprovação científica para algumas finalidades: eles aceleram a recuperação no pós treino e na reposição de nutrientes degradados, como o carboidrato e a proteína", diz o endocrinologista Rafael Knack.
Foi pensando assim que, após a incursão pelo mundo das maratonas, Valéria partiu para a suplementação. "Quero me manter saudável e bem disposta". Recomendada por uma nutróloga, a dentista consome amino, glucosamina, vitamina C, ferro, gel de carboidrato em provas de longa distância, refeições líquidas em dia de treinos longos (duas vezes por semana), suplementação de ferro e multivitamínicos diariamente. "Para mim funciona. Assim, eu chego ao final da prova com aparência feliz – e não acabada – e posso retornar ao trabalho no dia seguinte sem nenhum resquício de dor. Esse é o desempenho que quero ter".
ENVELHECIMENTO SAUDÁVEL. A advogada Maria Eugenia Cerqueira, de 64 anos, corredora há 15 e indo para sua quarta Comrades (a ultramaratona de 89 km na África do Sul), também é adepta confessa dos suplementos. "Tomo há muitos anos, antes mesmo de começar a correr. Sempre fiz tratamento com médicos ortomoleculares, visando preservar a saúde".
Sua lista de consumo é grande: bebidas esportivas ou isotônicas (para repor perdas em provas ou treinos pesados); carboidrato em gel (em provas); whey protein e similares (para aumentar a massa muscular, pois com o passar da idade a perda é significativa); suplementos de cálcio (1200 mg ao dia, junto com condroitina, MSM e glucosamina, para evitar descalcificação); suplementação de ferro (para combater anemia ferropriva); multivitamínicos e minerais (para suprir deficiências nutricionais); cafeína (para melhorar o pique e a atenção); ginseng e ginkgo biloba (para combater os radicais livres, prevenindo doenças e retardando o envelhecimento); óleos ômega 3 e 6 (para o bom funcionamento do organismo em geral). "Meu objetivo é, acima de tudo, envelhecer com dignidade e qualidade de vida", argumenta Maria Eugênia.
Além do especialista ortomolecular que a acompanha, a filha, que é médica, também dá palpites na escolha dos suplementos. "Antes de tomar qualquer coisa, consulto a opinião deles. É claro que são contra maratonas e ultramaratonas, mas me ajudam tentando ‘consertar' clinicamente o que eu estrago com estas loucuras", diverte-se a advogada, que tem como melhor marca na Comrades o tempo de 10h59.
APENAS COMPLEMENTAÇÃO. Percursos médios e longos nas montanhas – como o recente Mountain Do Deserto do Atacama – atraem o pediatra Alcides Erthal Ribeiro, 54 anos. Para enfrentá-los com disposição, ele mantém uma vida regrada. Mas não dispensa os suplementos. "Apesar de ser atleta participativo e não competitivo (para alcançar pódio), preciso de suplementos para as corridas, assim como para a vida cotidiana", justifica.
Entre os suplementos consumidos por ele, recomendados por especialistas, estão bebidas esportivas, gel de carboidrato, barras protéicas, suplementos multivitamínicos e minerais, whey protein, polifenóis e outros agentes com potencial antioxidante e/ou anti-inflamatório. "A partir de certa idade, mais ou menos 30 anos, precisamos de uma proteção celular ao desgaste de corridas e treinos intensos, para o desempenho e manutenção de uma saúde equilibrada, com menos lesões e melhora na recuperação dos esforços dos treinos e competições. Mas vale lembrar que suplementos isolados, sem dieta adequada e treinamentos supervisionados, de nada valem", diz Alcides. De acordo com os especialistas, se a alimentação é deficiente, o suplemento pode ajudar. "Mas, mesmo assim, é necessário corrigir a alimentação. Você já viu alguém colocar um Picasso em uma casa em reforma e toda quebrada?", questiona a nutricionista Denise Entrudo, de Porto Alegre, especialista em nutrição esportiva e treinamento físico e membro da Associação Brasileira de Nutrição Esportiva. Trata-se, portanto, de uma complementação. "Até porque não existe tecnologia suficiente para substituir alimentos por pílulas", reforça o nutrólogo Thiago Volpi.
ROTINA PUXADA. Maratonas e meias-maratonas são as provas preferidas do experiente corredor Roberto Brunner, de 49 anos. Suas marcas mais expressivas são 3h55 nos 42 km e 1h41 nos 21 km. Ele confessa que não se alimenta do jeito que gostaria, mas também não exagera e evita alimentos gordurosos e artificiais. "Meu sono é que é ruim. Durmo pouco", diz.
Para ele, os suplementos e afins – como multivitamínicos, aminoácidos em geral (tipo BCAA e HMD), vitamina C e até aspirina infantil – servem para dar um gás e ajudar na recuperação dos treinos. "Não creio que só com alimentação eu consiga suprir o que o corpo exige. Além do mais, os alimentos hoje, por causa do agrotóxico, não têm tanta qualidade", argumenta. No caso do personal trainer Juliano Francisco da Silva, de 30 anos, o que pesa é a rotina puxada de trabalho. "São 8 a 9 horas por dia. E ainda tem meu treinamento. Meu gasto energético é muito grande". Para sentir-se "inteiro" no corre-corre, ele investe em seis refeições diárias e suplementação. "Meu objetivo é retardar o envelhecimento celular e melhorar a performance", assume.
PARA MANTER A FORMA. Corredor há três anos, o advogado Luciano Costa Figueira, de 36 anos, diz que por mais que soubesse que deveria ter uma vida regrada, não conseguia manter a disciplina. "Desde o final do ano passado venho seguindo à risca a indicação nutricional proposta por meu endocrinologista. Claro que ocorreram pequenos deslizes, mas nada que tenha ocasionado mais do que 5% fora da meta estabelecida". Segundo o advogado, a suplementação indicada pelo médico visa atingir o peso mais próximo do ideal para sua constituição física.
Na atual fase da dieta, ele toma whey protein, caseína miscelar e tcm (triglicerídeo da cadeia média). "O WP é a base do meu café da manhã e os dois outros servem tanto como pré e pós-treino, seja de corrida, musculação ou natação. Desde que comecei a seguir este planejamento alimentar, com auxílio de suplementação, emagreci dez quilos em pouco mais de 45 dias. Com isto meu treinamento vem sendo mais prazeroso", conta Luciano, que tem os 10 km como distância preferida, sendo sua melhor marca 56 minutos.
"Alguns suplementos podem auxiliar no ganho de massa magra e no processo de emagrecimento", explica o endocrinologista Rafael Knack.
SEM EXAGERO. Há que se ter cuidado, no entanto, com os excessos. "O consumo de suplementos está na ‘moda'. Algumas pessoas nem sabem o que estão tomando e para que estão tomando determinado suplemento/energético/vitamina. Isso pode prejudicar a saúde, o rendimento e ser um desperdício de dinheiro. Às vezes se paga 300 reais em um produto e não se quer investir em uma consulta com um nutricionista especializado. Utilizar polivitamínico ou whey protrein da forma errada não ajuda em nada a recuperação muscular", alerta a nutricionista Denise Entrudo.
Portanto, ficar de olho no que se ingere, dosar as quantidades e ter acompanhamento especializado são fundamentais para não correr riscos. "Proteína em excesso sobrecarrega os rins; carboidrato em excesso, faz engordar. Além do mais, estudos mostram que o consumo abusivo de determinados suplementos – com ferro, por exemplo – aumenta o risco de morte", completa o médico Thiago Volpi.
"Equilibre alimentação, treino e suplementação. E não fique dependente do consumo desses produtos para malhar ou se sentir melhor. Cuide da saúde como um todo", finaliza Denise.
O bom e simples "arroz com feijão"
Para o ultramaratonista Márcio Villar – conhecido por desafios insanos como os da Badwater, Brazil 135 e Double Arrowhead – o consumo de suplementos beira a compulsão. "Algumas pessoas tomam sem pensar se estão fazendo mal ao corpo, se vão pagar no futuro pelo consumo dessas porcarias químicas. Eu não tomo nada, porque sei que estou fazendo o que eu consigo. O meu resultado, seja qual for, será obtido com meu esforço e suor, sem subterfúgios – e me orgulho disso. Já vi atletas chegarem se arrastando em um ponto de apoio e aplicarem neles mesmos uma injeção, para depois saírem correndo como doidos. Qual a vida útil de um atleta assim? Como será a saúde dessa pessoa daqui a um tempo?", questiona.
Na esfera dos "simples mortais", o administrador financeiro Carlos Alexandre Batista Ribeiro, de 37 anos, corredor há cinco, diz que usar suplementos pode até ser válido em determinados casos, mas ele, que é sub 39 minutos nos 10 km e 3h30 na maratona, nunca usou.
"É fato que hoje existe um apelo muito forte para o consumo. Só que eu não acredito em ‘combustíveis mágicos'. Conheço muita gente que se entope de suplemento e tem performance similar ou inferior à minha. Eu me mantenho mesmo é na base do arroz e feijão", brinca.
Ele acredita que a alimentação correta e o descanso adequado dão conta de repor a energia e de manter a saúde. "Já consultei médicos e nutricionistas que defendem o uso de suplementos, inclusive para ajudar na recuperação muscular. Não faço pouco caso do ponto de vista desses especialistas, mas ainda não senti necessidade. Para mim, esses produtos atuam de maneira superficial para aqueles que mantêm essa regularidade".