Procurar acompanhar outros corredores, visando garantir um bom ritmo e uma motivação extra, é quase um vício para mim, que por vezes preciso controlar, para não me dar mal. Mas antes vou explicar como surgiu essa mania.
Fui ciclista amador (mas competitivo) durante alguns anos até descobrir a corrida. No ciclismo mais esportivo é fundamental saber “andar na roda”, ou seja, ficar próximo do ciclista da frente para enfrentar menos vento, quase que seguindo no vácuo daquele. E quanto mais rápido, maior o efeito, estimando-se que o esforço de quem vai atrás pode chegar à metade do outro. Não por acaso se vê aquelas imensas “cobras” nas provas clássicas de ciclismo de estrada, como o Tour de France e o Giro d’Italia.
Em função dessa minha vivência ciclística, quando comecei a correr acabei por repetir o procedimento de seguir com grupos, me escondendo no meio, para aproveitar o vácuo, que no caso da corrida é muito menor, mas que dá algum efeito, sem contar o estímulo psicológico para se manter junto. Assim foi na minha primeira maratona, em Blumenau 1992, quando me esqueci do ritmo sugerido pela treinadora Silvana Cole e colei atrás do primeiro grupinho que vi e lá fui eu.
A recomendação dela era para passar a meia-maratona por volta de 1h40, mas quando cheguei nesse ponto meu relógio cronômetro marcava 1h29. Resolvi então tirar o pé, até porque tinha ouvido falar do tal “muro” depois do km 30. Relaxei, reduzi o ritmo, mas aí… apareceu outro grupo e não me contive; era a síndrome de ciclista atacando outra vez. E assim fui realizando quase que um fartlek pelos 42 km, para finalizar em 3h04, meu recorde pessoal desde então, aos 45 anos de idade.
Na época (anos 90) ainda não estavam na moda os marcadores de ritmo para os amadores, apenas para a elite. Mas aí uma das grandes maratonas do mundo resolveu implantar esse “serviço” e ficou quase que uma obrigatoriedade para as demais. Na prática se constata que, com exceção dos corredores rápidos (abaixo 4 minutos por quilômetro), os demais têm pouca atração pelos marcadores, talvez até porque estão mais preocupados em completar os 42 km do que em conseguir uma marca expressiva, que se vier, ótimo!
Dessa forma, é meio melancólico ver passar corredores identificados como marcadores (com balões, bandeirinhas, camisetas chamativas etc) e ninguém atrás os seguindo. Teoricamente eles teriam a função de estimular os demais participantes e também de dar um parâmetro de ritmo. Mas, por outro lado, eles também podem ter um papel de vilão, na medida em que alguns que os sigam não estão, na verdade, preparados para tal (mas pensam que sim…) e acabam quebrando pelo percurso.
PACER EM PUNTA. Eu mesmo fui “coelho” uma vez (foto). A Maratona de Punta del Este de 2008 colocou em seu site que iria disponibilizar marcadores para diversos ritmos, mas faltava mais um para 4 horas. Como estava vindo da Comrades, correr os 42 km para esse tempo era moleza e me ofereci. Saí no ritmo proposto e até fui seguido por alguns corredores, mas depois da metade só sobrou um assinante que, talvez por solidariedade, foi comigo até o final, completado sub 4h, conforme a incumbência. Na foto, eu com a bandeirinha de marcador, ao lado do organizador Alain Mizrahi, que também fez esse papel.
E por falar em Comrades, a ultra da África do Sul, nela são famosos os “ônibus”, grupos imensos de corredores que seguem marcadores, com muita cantoria e brincadeiras no percurso (foto de abertura). O mais concorrido é o último, que tem como meta levar os participantes a completar os 89 km (nos anos de descida) ou 87 (em subida) sub 12 horas. Na minha primeira vez por lá, estava bem quebrado na altura dos 70 km, quando comecei a ouvir gente cantando e batendo palma atrás de mim; era o ônibus sub 11h.
Naturalmente que “entrei” no ônibus e fui com eles por algum tempo, mas logo constatei que a cada posto de abastecimento eles davam uma parada e achei que não estava precisando de tanto descanso. Resolvi então seguir em frente, por minha conta, completando em 10h50.
Para terminar, um relato sobre uma prova de má lembrança. Fui para Chicago em 2015 para tentar a qualificação para Boston 2017, onde queria comemorar meus 70 anos. Treinei, mas não cuidei muito do ritmo, realizando inúmeros longões confortáveis demais. Depois de passar a noite em claro, por ter feito a estupidez de tomar um café expresso duplo após o jantar na véspera, fui para a largada com a meta de correr para 6 min/km, de forma a ter uma folga no final, já que o tempo de corte de minha faixa etária era 4h25 (agora é 4h20).
E consegui correr até a marca da meia-maratona exatamente nesse ritmo, mas com certo esforço. Foi quando passou por mim um corredor alto e forte, um verdadeiro armário, e obviamente o transformei em meu “coelho”. Pensava: não largo desse cara de jeito algum; vou com ele até o final. E fui, mas só até o km 30, quando meu pacer abandonou a prova. E eu fiz o mesmo logo depois, bastante chateado, pois já tinha fracassado na busca do BQ (Boston Qualify) em Santiago e Punta.
Mas, no final, esta história terminou bem, porque mudei meu treinamento, com a orientação do colaborador da CR Fernando Beltrami, e em 2016 voei em Porto Alegre, conseguindo o índice até com muita facilidade, e sem seguir ninguém, ao fechar em 4h03.