Por Tomaz Lourenço | tomaz@novosite.contrarelogio.com.br
A prova mais famosa de Portugal é a meia-maratona que acontece em março. Ela sai do outro lado do Rio Tejo, na cabeceira da Ponte 25 de Abril, e vem em leve descida (por 3 km) até Lisboa. Esse detalhe sempre garantiu bons resultados à elite e aos amadores, mas no primeiro caso as marcas não eram oficializadas, pelo desnível favorável. De alguns anos para cá os profissionais largam de Cascais e seguem em percurso plano até o Convento dos Jerônimos, onde acontece a chegada de ambos os percursos.
Na primeira vez que lá corri, ao descer a ponte segui por uma avenida e logo encontrei à frente uma bifurcação, onde imaginei que seria a separação dos 21 km e dos 7 km, prova secundária que reúne a maioria dos participantes. Nada de staff orientando os corredores, apenas um papelão amarrado à pilastra do viaduto onde se lia: ORGULHO (com uma seta à esquerda) e VERGONHA (seta à direita).
Mesmo sendo filho de portugueses, fiquei surpreso como tamanha grosseria, que separava os corredores entre valorosos (porque fariam os 21 km) e os fracos da prova menor. Além de ser piada de mau gosto, algo comum entre os portugueses, ela não cumpria seu papel de informar objetivamente para onde deveríamos seguir. Nem os próprios locais a entendiam, como comprovei alguns quilômetros à frente, quando um patrício me perguntou por que estava demorando tanto para acabar a minimaratona…
Na chegada pedi explicações ao organizador, que justificou a brincadeira como algo “normal” e que eu não levasse tão a sério esse procedimento, sendo que estamos falando da principal prova portuguesa, de nível internacional e com altíssima premiação.
E ele aproveitou para explicar porque em Portugal havia tantas meias e apenas uma maratona sem expressão (na época, há 20 anos). Lembrou que Rosa Mota era destacada a principal atleta do país, e todos acompanhavam seus pódios, sempre fechando os 42 km na casa de 2h30. Então, quando os corredores comentavam, com familiares e amigos, terem corrido uma maratona para 4 horas ou mesmo 3 horas, eram ridicularizados em suas performances, na comparação com as de Rosa.
Então, passaram a preferir fazer as meias, em que completavam em menos de 2 horas, portanto muito superiores à campeã, uma vez que, para os ouvintes dos feitos, maratona e meia eram praticamente a mesma coisa. Ainda hoje essa explicação parece continuar valendo, uma vez que são dezenas de meias em Portugal e apenas duas maratonas, em Lisboa e Porto (surgiu uma terceira em Aveiro este ano).
COM FOME EM LONDRES. Outra situação engraçada aconteceu comigo na Maratona de Londres de 15 anos atrás. Tinha corrido a de Paris, muito bem, e depois cruzei o Canal de Mancha (de trem) para no domingo seguinte fazer a prova inglesa. Em parte tinha decidido por essa dobradinha para contestar as recomendações de alguns treinadores de que seriam necessários alguns meses de descanso entre maratonas, o que vale para os profissionais, que dão a vida em cada prova. Mas isso fica para outra história…
Como sempre fazia, marquei no relógio/cronômetro de pulso a hora de acordar, mas por ter ficado com o braço debaixo das cobertas, acabei não ouvindo o alarme. Quando vi, pela janela do hotel, os ônibus fretados para os amadores estrangeiros já posicionados, me arrumei de qualquer jeito e saí em disparada. Pedi então ao motorista alguns minutos para o café da manhã, mas ele foi taxativo, se negando a esperar. Não tive outro jeito senão subir ao ônibus, imaginando que na concentração encontraria algo para comer.
Lá chegando fui logo em busca de alimento e, novamente, tive uma resposta seca do staff: nada para comer, apenas água, café e chá. Não me desesperei porque tinha achado uma banana no saco que levei para colocar no guarda-volume e também porque imaginei que durante os 42 km algo seria oferecido; enfim, eu estava em uma das principais e mais ricas maratonas do mundo. E lá fui eu, tomando água, Garotade e mais NADA!
Estava fazendo a prova sem compromisso com tempo (tinha corrido Paris para 3h28 no domingo anterior), mas mesmo assim, depois do km 30 a fome chegou. Já não conseguia pensar direito, a não ser no lanche que imaginava teria na chegada. Foi quando vi, um pouco à frente, no meio do público que se postava na calçada, uma criança acompanhada de seu pai e com algumas bolachas na mão!!! Não tive dúvida; elas eram para mim. Passei e peguei duas delas, agradecendo em seguida e procurando não ouvir o que parecia ser um choro e um xingamento.
Acho que eram bolachas de chocolate recheadas, mas não tenho certeza porque simplesmente as engoli rapidamente. E assim consegui ir até a chegada onde recebi um generoso sanduíche, mas insisti e consegui outros dois, que fui devorando até encontrar minha esposa Cecília.