Muitas vezes a corrida entra na vida de um casal como uma "amante". Chega de mansinho, vai seduzindo, conquistando espaço, ganhando mimos – o que pode deixar o parceiro intrigado (e até irritado) com tanta paixão.
Mas há que se ter mesmo muita paciência e disposição para entender que o marido ou a mulher vai acordar às cinco da manhã de um domingo chuvoso para encontrar os amigos em uma corrida; para ficar ouvindo falar de pace, ritmo, longão, fartlek; para escutar histórias mirabolantes de caras que fazem 50 maratonas em 50 dias ou de índios que correm descalços por desfiladeiros mexicanos; para entender que Paris (em abril), Berlim (em setembro), Chicago (em outubro) e Nova York (em novembro), por exemplo, são ótimas opções de "férias".
Corredores por vezes são monotemáticos e quase enlouquecem seus parceiros com seus horários, vocabulários e programas. Porém também tem o lado da admiração, do orgulho, da diversão. Fomos atrás de histórias engraçadas e emocionantes de casais e corridas. Confira!
"DUAS MARATONAS SEGUIDAS É DEMAIS!". O maratonista Claudio Zuccolo ainda não corria quando conheceu a artista plástica Priky – sua mulher há 27 anos. "Mas ele começou quando ainda estávamos namorando, em 1982. Acho o máximo e o admiro muito por isso. É no esporte que ele demonstra perseverança e coragem de vencer desafios", diz.
Companheira de todas as horas, Priky esteve na maioria das corridas que o marido realizou. "No início eu ia a todas, sem exceção, quando ainda não era moda correr. Eu ficava na calçada, sozinha, sem ter com quem conversar. Até chegar às maratonas internacionais, estive em lugares muito feios e estranhos", lembra. Ela, inclusive, é a "fotógrafa oficial" do marido, registrando e montando álbuns de seus feitos.
Apesar de acostumada com o universo da corrida, ela ainda se incomoda com os horários de treino de Claudio. "Ele dorme cedo e eu adoro deitar e acordar tarde. A diferença entre nós é o ciclo circadiano: cada um tem o seu pico de energia em horários diferentes. O resto é só alegria. Adoro os amigos, curto as conversas, o ambiente de festa nas ruas em dia de corrida… E o Claudio é light, não é bitolado só nisso, não come pizza com suco de laranja. Ele se permite tomar refrigerante, chopp, vinho, se alimenta normalmente. E acompanha também meus programas culturais. É bem equilibrado".
Entre os raros momentos de estresse com o marido corredor, Priky destaca: "Em 1994, ele havia corrido a Maratona de Londres. De lá fomos comemorar meu aniversário em Paris – quem torce também sofre e merece méritos! E ele resolveu fazer outra maratona na sequência. Neste dia eu estressei. Não sabia se ele conseguiria terminar e como ficaria fisicamente. Foi um alívio encontrá-lo na chegada, no Arco do Triunfo, em perfeita forma!"
Apesar do exemplo do marido maratonista, Priky não aderiu ao movimento. "Já tentei correr, mas o máximo que consegui foram 5 km. Não curti muito. Prefiro caminhada, alongamento, pilates, bicicleta. E ele respeita isso".
DICA DA PRIKY PARA QUEM TEM UM PARCEIRO FANÁTICO POR CORRIDA: "Não tente impedir ou dificultar a vida esportiva do companheiro. Esses momentos de prazer pessoal nos deixam bem humorados, de bem com a vida e isso se reflete positivamente no relacionamento. Estar junto é ceder, compreender, valorizar o que é importante para o outro. O legal é ter respeito e encontrar o equilíbrio, ponderando os desejos e necessidades de cada um".
"ACOMPANHAR TREINO DEVE SER MUITO CHATO". Quando o advogado e professor universitário Ruy Cardozo Tucunduva conheceu Renata, ela ainda não corria. Mas deu total apoio quando a mulher começou. "Tenho muito orgulho das conquistas dela: das provas de 6 km em 2006 à recente Meia-Maratona em Buenos Aires, que ela terminou em êxtase", conta. A admiração é tanta que ele mesmo criou um espaço em casa para guardar as medalhas dela.
Ruy só não chega ao ponto de acompanhar a parceira em treinos. "Convenhamos, acompanhar treino deve ser muito chato, eu só iria atrapalhar", brinca.
Em provas, especialmente as que envolvem viagem, ele é figurinha fácil. "Recentemente viajei a trabalho – para um congresso internacional – e ela aproveitou para correr uma prova no local. Em ocasiões que envolvem viagens não temos a necessidade de fazer acordos porque um conhece os compromissos do outro e os respeita. Mas procuramos corridas nas quais haja um tempo reservado para curtir. A filosofia da Renata é desfrutar a corrida, sem neuroses de tempo, marcas, recordes. Tenho impressão de que o que ela busca é bater seu recorde pessoal, se divertindo mais que na última vez. E isto é excelente! Não chegamos a uma cidade, nos enfurnamos no hotel com um prato de carboidrato, para acordar no dia seguinte na neura da prova".
Acostumado com o vocabulário da corrida usado pela mulher, ele confessa que só não sabia o que era fartlek. "Tive que pesquisar, para saber o significado dessa palavra sueca", diverte-se.
DICA DO RUY PARA QUEM TEM UMA PARCEIRA FANÁTICA POR CORRIDA: "O que vale é a parceria, o respeito. Da mesma forma que ela sabe que abro mão de momentos de descanso para acompanhá-la, sei que ela faz seus treinos com base nos meus horários para que tenhamos o maior tempo de convívio possível. Mas isso não é um ‘toma lá dá cá' e sim uma prova de amor e companheirismo".
"FORAM DUAS HORAS EM UM JANTAR SÓ FALANDO DE CORRIDA!". A funcionária pública Juliana Reis acha super saudável o estilo do marido Rodrigo Montoro. Mas não peça a ela que esteja presente em treinos e provas. "Não o acompanho em nada. Até porque tem que acordar muito cedo. Sempre disse a ele para não me pedir isso", diz.
Ela conta que faz parte da personalidade de Rodrigo se empenhar 100% em seus projetos. "Com a corrida não foi diferente. Quando o conheci, ele comentou que queria praticar corrida. Mas nunca imaginei que fosse realmente querer participar de maratonas e partir para o triatlo. Acho isso insano!"
Para ela, Rodrigo se tornou um fanático pelo tema. "Acordar mega cedo, correr vários quilômetros na chuva, no sol, no calor e no frio, treinar sete dias por semana… Aí tem que fazer musculação para não perder massa magra; aí vai à nutricionista esportiva, faz dieta… E tem jantar com os amigos corredores… Uma vez fui a um desses encontros. Achei todo mundo bacana, mas ficaram duas horas só falando de corrida, pode?! Para quem não pratica a atividade tudo isso é meio maçante", desabafa.
Ela, obviamente, não corre. "Mas acho que ele adoraria que eu corresse. Só que estou em uma fase de muito trabalho, sem tempo para nada. Já fui algumas vezes ao Parque Ibirapuera com ele: enquanto ele corria, eu caminhava. Sou flexível e não digo que nunca irei correr, mas agora é impossível!"
DICA DA JULIANA PARA QUEM TEM UM PARCEIRO FANÁTICO POR CORRIDA: "Respeite o espaço dele e exija respeito também. Tudo pode ser negociado!"
"SAI DESSE TWITTER!".A advogada Selma Aparecida Leitão conhece o marido, Joel, há 17 anos, quando ele sequer sonhava em correr. "Ele começou com corrida há três anos, inspirado pelo livro Semente da Vitória, do Nuno Cobra. Mas nunca imaginei que fosse levar tão a sério". Joel tem duas maratonas completadas e inúmeras outras provas, de variadas distâncias.
Tão logo ele começou com o esporte, Selma notou mudanças no comportamento do parceiro. "Ele melhorou o humor, tornou-se mais disciplinado e principalmente ganhou mais fôlego e disposição, em todos os sentidos".
Ela costuma estar presente em quase todas as provas e sente o maior orgulho das conquistas dele. "As mais emocionantes foram a São Silvestre, em 2009, e a Maratona de São Paulo deste ano. Acompanhei sua preparação e vi o quanto foi determinado. Em minha mesa de trabalho tenho fotos dele e mostro para todo mundo meu marido corredor", conta.
Jantar com amigos corredores do marido é outro programa que Selma faz de vez em quando. "Em algumas ocasiões já me senti um pouco deslocada. Mas gosto de ver a empolgação das pessoas. O clima é bom e saudável, não tenho do que reclamar". Irritada mesmo só fica com a mania do parceiro em querer dividir suas experiências esportivas pelo Twitter.
DICA DA SELMA PARA QUEM TEM UM PARCEIRO FANÁTICO POR CORRIDA: "Tenha paciência e apóie. Afinal de contas, é uma atividade saudável".
"ELA ME MANDOU FICAR QUIETO!". O engenheiro químico Fabio Gusmão Aquino e a dentista Deborah Viana se conheceram no ambiente da corrida e estão casados há cinco anos. "Ela corria em uma assessoria esportiva e como desculpa para me aproximar, entrei para o grupo também".
Os dois praticam a atividade, o que facilita a convivência. Mas ele sabe que a mulher tem o espírito competitivo e adora um desafio – tanto que nem pensou em parar ao se descobrir grávida, seis meses atrás. No início da gestação, porém, Fábio entrou na jogada para controlar o ímpeto da mulher. "Eu corria ao lado da Deborah controlando a frequência cardíaca dela. Tive esse cuidado até ela entender a corrida em sua nova condição. Na etapa em que estamos, nossa principal meta é a saúde da nossa filha Maria Eduarda", conta.
O casal vai sempre junto às provas. Um dos momentos mais marcantes para Fábio aconteceu no Desafio Castelhanos, em Ilhabela, em 2007. "Nessa prova ela fez 24 km e eu a acompanhei de bike, dando suporte. A uma determinada altura, vi que ela estava em segundo lugar e comecei a incentivá-la ainda mais. Ela ficou nervosa e me mandou calar a boca. Fiquei quieto. Logo depois ela perguntou se eu não ia falar nada. Não deu nem para estressar porque a Deborah acabou pegando pódio", diverte-se.
DICA DO FÁBIO PARA QUEM TEM UMA PARCEIRA FANÁTICA POR CORRIDA: "Mesmo que você não seja fanático pelo esporte, não custa nada tentar acompanhar pelo menos de vez em quando. Isso gera cumplicidade e movimenta a vida social do casal".
"LONGÃO É A PALAVRA DA MODA LÁ EM CASA". A analista de sistema Marisa Morita, de Curitiba, acha o marido Luiz Eduardo bastante dedicado e comprometido com seus treinos. Admira e apóia o companheiro, mas raramente o acompanha em provas. E embora ache chato ter de dar carona para uma corrida às cinco da manhã, não se nega a fazê-lo.
Depois de alguns conflitos envolvendo o esporte, eles se acertaram. "Costumava me irritar quando ele ficava fora de casa todos os finais de semana em alguma prova ou treino longo de bicicleta. E ainda fico brava quando ele me avisa de uma corrida em cima da hora", conta Marisa.
Luiz explica: "Até 2007, eu era totalmente sedentário, ou seja, sempre estava em casa disponível para todos os compromissos familiares. Minha atividade física se resumia a um futebolzinho com os amigos nas terças à noite. Comecei a correr para combater a pressão alta e no início meus treinos eram rapidinhos e eu não participava de provas. Em 2008 passei a pedalar também e fazer corrida de rua e de montanha/aventura, que geralmente não são em Curitiba. Isso compromete um dia inteiro – às vezes dois. Fui tomando gosto pela coisa e quando vi todo final de semana tinha alguma coisa agendada".
Foi então que Marisa e a filha Isabela resolveram fixar um calendário na parede da cozinha, determinando dois finais de semana livres por mês para Luiz. "Alguma negociação até é possível, mas muito difícil. Mas no fim das contas acho que o calendário é bem justo, pois ambas as partes cederam um pouco", diz Luiz.
Sobre a linguagem do universo das corridas, Marisa diz que já sabe o que é um longão. "Como agora ele está treinando para uma maratona, essa palavra está na moda aqui em casa".
DICA DA MARISA PARA QUEM TEM UM PARCEIRO FANÁTICO POR CORRIDA: "Entenda a importância que o esporte tem na vida do seu parceiro".
"QUATRO HORAS EM UMA FEIRA DE CORRIDA ME IRRITOU!". Super paciente. Assim pode ser definida a jornalista Alessandra Vanini Amaral, de São Paulo, mulher de Cassio Politi. Não fosse assim, como conseguiria esperar o marido em um treino na USP por quase duas horas? "Meu treino era menor e terminei bem antes. Minha sorte é que um amigo ficou com pena de mim e me fez companhia durante esse tempo", conta.
Dedicada e orgulhosa do marido corredor, ela também faz às vezes de staff. "Uma vez ele foi correr no fim da tarde na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. Fui junto para ficar entregando água para ele durante seu treino de quase duas horas. Ficava com o relógio calculando quando ele passaria pelo ponto de encontro para a hidratação. Em troca deste ‘serviço', o fiz passar no shopping para fazer compras de Natal. E ele foi do jeito que estava, todo suado".
Ela lembra que apenas uma vez perdeu a calma. "Foi no ano passado; eu estava começando a correr e fomos juntos na São Paulo Running Show. O Cassio passou quatro horas na feira e eu fiquei muito irritada".
Foi por influência dele que Alessandra começou a correr. Mas não tinha nenhum planejamento de treinos. "Na hora de sair é que eu decidia qual seria a distância e isso deixava o Cassio bravo. Até que um dia, sem eu saber, ele contratou um treinador para mim. Minha primeira reação foi reclamar, pois ele agiu sem me consultar, mas depois adorei. Ele me dá muita força, inclusive consegui fazer 10 km abaixo de uma hora em uma prova, em que ele se inscreveu somente para me puxar", conta.
A jornalista fala que cada conquista dele acaba sendo uma conquista para ela também e as boas lembranças das corridas são muitas. A mais marcante foi agora na Maratona de Chicago, a primeira do marido. "Estávamos indo para a largada e no caminho ele me disse: ‘depois da largada volta para o hotel que tem um envelope para você'. Quando cheguei no quarto e abri o envelope, comecei a chorar copiosamente. Ele tinha feito um álbum com fotos nossas e em cada foto tinha uma música do meu playlist do ipod. Eram 25 fotos, uma para cada milha. A 26ª estava vazia: eu escolherei a foto para esta última milha. Com certeza será uma foto da nossa viagem".
DICA DA ALESSANDRA PARA QUEM TEM PARCEIRO FANÁTICO POR CORRIDA: "Comece a correr também!"
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Bom dia!!
Muito pertinente essa materia. Senti na pele esse processo com antiga companheira. Foi muito feliz o responsável pela mesma. Sucesso a vcs!!!