Janeiro é sinônimo de férias para a maioria dos corredores. Depois de um ano inteiro de treinamento e competições, é hora do devido descanso. Não que se deva parar totalmente, mas é momento de diminuir a carga. A idéia é iniciar a atividade física de forma gradual, formando uma base sólida para a temporada que se tem pela frente.
Férias, relax, viagens, corrida leve… por que não ir para perto da natureza? "Não somente montanhas, mas podemos treinar também em estradas de terra, principalmente pelo interior do Brasil, onde a maioria sempre tem um parente ou amigo para visitar nas férias, ou aproveitar os finais de semana em sítios e fazendas. Fugir da monotonia, variar percursos, terrenos, locais, horários é fundamental para que aos poucos o corpo e a cabeça estabeleçam novamente o prazer pela corrida", diz o treinador e fisiologista do exercício Marcelo Camargo, do Clube Fórmula de Corrida, de Belo Horizonte.
Essa base inicial funciona como o alicerce para o treinamento do atleta profissional ou amador. "É com este ciclo que você irá se preparar para os treinos mais intensos e para o período competitivo. Com uma boa base, há menos risco de lesões", explica o professor de educação física Heleno Fortes, da HF Assessoria Esportiva, também de BH.
BASE NAS ALTURAS. Segundo os especialistas, é interessante incluir o cross-country nesta fase. "São corridas em parques, montanhas, estradas de terra. Isso ajuda no trabalho de propriocepção muscular, pelo fato do atleta correr em terreno com irregularidade de piso", argumenta Heleno Fortes.
O treinador José Virginio de Morais, da JVM Trail Run, de São Paulo, diz que as corridas em terrenos acidentados têm importante papel na construção de algumas adaptações. "O atleta começa a perceber, por exemplo, que correr vai além de simplesmente utilizar o primeiro terço do pé e manter uma velocidade alta".
Nas corridas de montanha e trilhas as variações de estímulos são grandes. "A intensidade muda muito, o ritmo nem sempre é constante, a frequência cardíaca varia em função das dificuldades (como uma curva ou subida), você precisa de atenção para decidir onde pisar, enfim, o percurso testa o corredor o tempo todo", explica Virginio, também conhecido como "o rei da montanha" graças à sua performance em competições do gênero.
Para ele, as corridas de cross e montanha são boas alternativas para o período de base. "Para os corredores que querem desbravar as ruas pelo mundo afora, esses percursos são ótimas pedidas. Como dizia um técnico campeão que conheci, os terrenos acidentados são academias naturais."
ROLAM AS PEDRAS. É preciso, no entanto, alguns cuidados para não se machucar nas montanhas. Devido aos terrenos irregulares e acidentados a atenção deve ser redobrada. E para quem pensa que as subidas são os trechos mais perigosos, Heleno Fortes avisa: "O que causa a maioria das lesões são as descidas. São nelas que acontecem as contrações excêntricas (fase de alongamento da contração muscular), geralmente responsáveis pelas dores e microlesões musculares do dia seguinte. Os atletas devem fazê-las de forma que não gere tanto impacto para a musculatura e para as articulações. Ou seja, elas devem ser encaradas de forma mais lenta, aumentando a velocidade de corrida na medida em que a inclinação vai diminuindo".
É bom respeitar também o tempo de 48 a 72 horas para um novo treino. "Se você fizer subidas na terça-feira, espere até quinta ou sexta para outra sessão", diz o treinador da HF.
E mais. "Use vestuário leve e adequado e tênis próprio para terra. Programe sua hidratação e opte por horário do dia com boa visibilidade. Não esqueça de avisar os familiares sobre seu local de treino e se possível leve um aparelho celular para o caso de emergência", alerta o treinador Marcelo Camargo.
INICIANTES SÃO BEM-VINDOS. "Um treino de montanha ou trilha para o iniciante pode ser como uma viagem para o estresse de ordem aguda", brinca José Virginio. Mas não interprete isso como algo ruim. "O corredor que se aventura pela natureza ganha força, resistência e agilidade."
E os treinos podem ser de baixa intensidade. "Para quem observa as montanhas de longe imagina subidas fortes e descidas bruscas, buracos e outros riscos. Sem dúvida há todo tipo de altimetria, mas tudo pode ser encarado de forma leve, o que, aliás, é recomendado para a percepção do ganho de habilidades", explica o "rei das montanhas".
O QUE VAI NO ALICERCE
O período de base consiste na fase inicial de uma nova temporada, vem logo após o período de transição. Para a maioria dos atletas amadores, é feita após as festas e viagens de final de ano. "A duração varia. Os mais experientes podem ter um período básico menor e os intermediários e iniciantes talvez precisem prolongar a fase. Hoje, com o calendário cheio de provas, os treinadores foram obrigados a diminuir o tempo da base. Mas sugiro que tenha entre 12 e 16 semanas", diz Heleno Fortes.
A prioridade deve ser dada ao volume de treinos, sessões e treinos de subida, em que o corredor irá desenvolver força específica. É indicado também o fortalecimento muscular (musculação), que envolve o trabalho para corrigir desequilíbrios musculares.
Para uma base bem feita, Heleno Fortes diz que é essencial que volume e intensidade estejam adequados para as metas e objetivos do atleta. Ele ainda sugere um trabalho preventivo de fortalecimento muscular. "Aqui a idéia não é hipertrofia muscular, tem que ser diferente da musculação convencional das academias", alerta. Por fim, o treinador reforça a importância de testes e avaliações para facilitar o controle e a prescrição dos treinos.
José Virgínio lembra que a prioridade deve ser a qualidade dos exercícios. "E ter paciência para não queimar a fase". Já Marcelo Camargo garante que o segredo é um só: "Regularidade, regularidade e regularidade!"
PARA QUEM NÃO TEM MONTANHA
Fazer muito morro no começo do ano, sem preocupação com ritmo, é uma prática corriqueira entre corredores experientes, porque já sabem o enorme resultado que esse treinamento acarreta nos meses seguintes. E isso não significa necessariamente ir para as montanhas, bastando utilizar ruas e avenidas (sem trânsito, de preferência) com subidas e descidas.
Nesse sentido, por exemplo, o local de maior concentração de corredores na capital paulista, a Cidade Universitária da USP, é uma ótima opção, pois tem todo tipo de subida, e até longas escadas que servem muito bem para o fortalecimento muscular, além de um bosque com um percurso de 1 km de terra batida, cheio de sobe e desce, e com a vantagem adicional de contar com banheiro e bebedouro.
O que se constata na prática é que os corredores, com ou sem treinadores, aproveitam já dezembro para começar a base, com bastante volume em percursos com aclive e declive, mas nada de treinos fortes de ritmo. Esse treinamento avança até fevereiro para a maioria, começando então um trabalho específico visando já algumas competições em março e em abril, como é a proposta do treinador Marcelo Augusti nesta edição, para os que tem em meta correr uma maratona em abril, como eu, em Santiago. (Tomaz Lourenço)