Performance e Saúde admin 4 de outubro de 2010 (0) (87)

Fadiga não é ruim, e sim indispensável para se evoluir

 

A melhora do rendimento na corrida passa por um processo que pode ser considerado a partir do seguinte gráfico (clique aqui)

Este ciclo é o responsável pelos ajustes fisiológicos que vão se realizando no organismo do corredor, que está submetido ao treinamento regular. Pode-se dizer que o objetivo do treinamento é provocar um gasto energético acentuado e um desgaste geral do organismo, levando-o ao estado de fadiga.

Mas o que é a fadiga? Não seria o inimigo número 1 dos corredores? Longe disso!

A fadiga é o resultado da exposição do corredor ao exercício físico. Ela é necessária para a proteção do organismo, pois caso não houvesse tal mecanismo fisiológico de controle, o corredor estaria arriscado a treinar até a morte!

A fadiga, portanto, é o aviso interno que o corredor recebe, dizendo-lhe que chegou o momento de reduzir o ritmo ou até mesmo parar definitivamente o exercício.

Porém, antes de se chegar ao estado de fadiga, o corredor tem uma primeira referência de que a energia está sendo consumida e o desgaste está ocorrendo: é o cansaço. O cansaço é entendido como uma sensação subjetiva do esforço físico, portanto, a tolerância ao esforço é individual, ou seja, para um mesmo nível relativo de atividade, uns podem expressar mais cansaço e outros menos.

Isto pode ser observado quando, durante o exercício físico, se aplica a Escala de Borg, que é um método para detectar a tolerância individual ao esforço físico. Na Escala de Borg está representada, por meio de graduações que vão de 6 a 20, a frequência cardíaca que pode ser alcançada durante o exercício, neste caso, de 60 a 200 bpm. A estes valores aliam-se os conceitos de fraco, confortável, moderado, forte e muito forte. Por esta graduação o treinador poderá observar a percepção do esforço de seus atletas, solicitando que eles, durante o exercício, indiquem na escala qual a numeração que condiz com aquele momento.

Vejamos um exemplo: dois corredores, de mesmo nível de condicionamento cardiorrespiratório estão realizando uma atividade na esteira ergométrica, com uma frequência cardíaca determinada em 150 bpm. Num certo momento, o treinador pergunta aos corredores como se sentem e pedem para que eles mostrem na Escala de Borg qual a graduação correspondente. Um aponta para o conceito confortável, enquanto o outro para o forte.

Ao analisar a informação, o treinador constata que a FC 150 corresponde ao conceito confortável/moderado e que o conceito forte está associado a uma FC 170. Portanto, mesmo os corredores apresentando nível de condicionamento cardiorrespiratório semelhantes, um é mais tolerante ao esforço do que o outro. Ou seja, durante o treino e a competição, um deles sofrerá mais do que o outro, mesmo que o esforço cardiorrespiratório seja equivalente para ambos. Uma explicação para o fato é a diferença do limiar anaeróbio entre os corredores (limiares mais baixos estão associados à maior fadiga muscular).

Após esse primeiro momento de desgaste provocado pelo exercício físico, a duração e intensidade do mesmo determinam o momento em que a fadiga irá se manifestar, ou seja, quando o cansaço deixa de ser algo subjetivo e passa para o plano do objetivo.

A fadiga, entretanto, não chega de uma vez, arrebentando o corredor. Ela se manifesta conforme o ritmo de execução do exercício (intensidade) e o tempo em que o corredor se expõe ao mesmo (duração). Assim, quanto mais intenso é um treinamento, mais rapidamente a fadiga se manifesta. Por outro lado, em uma intensidade moderada, a duração será o fator determinante.

De um modo geral, entretanto, a fadiga se manifesta em dois momentos distintos:

– Em um primeiro momento, quando o corredor conclui cerca de 45-60% do exercício;

– Em um segundo momento, após a conclusão de uma parte do treinamento, quando a intensidade e/ou a duração acentuam o desgaste energético.

DOIS TIPOS DE FADIGA. No primeiro momento em que a fadiga se manifesta, o corredor continua a realizar o exercício no mesmo ritmo em que foi iniciado, porém, executando a corrida com maior dificuldade. A postura já não é a mesma, piora a qualidade técnica, e deixa-se transparecer o esforço por meio de expressões faciais. Neste instante, o organismo compensa o desgaste energético dos músculos principais, solicitando o auxílio de outros músculos para a execução do exercício. Disso decorre a deterioração da técnica, ainda que o corredor consiga manter a intensidade do exercício. Esta é a fadiga compensada.

Ao seguir com o exercício, o gasto energético e o desgaste geral do organismo vão aumentando e, em dado momento, não será mais possível ao corredor manter o ritmo da corrida. Os mecanismos de compensação já não são mais suficientes para dar conta do recado e o que resta ao corredor é a redução do ritmo ou mesmo o abandono da corrida, conforme seja a sua condição psicológica. Esta é a fadiga evidente, ou seja, está explícita, pois o corredor foi obrigado a reduzir ou parar o ritmo do exercício.

Interessante notar que o corredor obtém ganhos em seu condicionamento no momento da fadiga compensada, porém não há mais benefícios quando na manifestação da fadiga evidente. Isto significa que há uma zona de limite (inferior e superior) de intensidade e duração do exercício físico na qual se obtém os benefícios com o treinamento. Durante a fadiga compensada, portanto, é importante que o corredor mantenha a concentração e supere as dificuldades ("força de vontade"), pois daí decorrem os ganhos mais acentuados em seu condicionamento.

O corredor atento poderá observar as manifestações da fadiga durante os seus treinamentos e competições. Em uma prova de 10 km, por exemplo, o corredor competitivo perceberá que, entre 4,5 a 6 km ocorre o primeiro momento crítico (fadiga compensada). O quanto este permanecerá nesta situação incômoda (de preferência até o final da prova) dependerá do ritmo da corrida. Se forçar além do que já se encontra, arriscará a ter que reduzir no final. Um bom plano de corrida deve atentar para este detalhe.

Entretanto, para o ciclo se completar e o corredor obter a melhora do condicionamento, se faz necessário uma ótima recuperação. Os corredores que treinam "forte" e não se recuperam estão deteriorando o seu condicionamento. Ao insistir nesta situação, a fadiga passa para a próxima fase, a exaustão, ou seja, o esgotamento completo do organismo.

Cabe ao corredor reconhecer as distintas formas de manifestação de desgaste do seu organismo (cansaço, fadiga e exaustão), "ouvindo" o seu corpo, que tem muita sabedoria para nos ensinar.

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