Você se preparou durante meses. Acordou cedo para correr, melhorou a alimentação, abriu mão das baladas, pediu compreensão da família, enfim, treinou direitinho para um grande desafio como a maratona. E todo o esforço foi recompensado: você se saiu muito bem nos 42 km, curtiu a prova, atingiu seu objetivo de tempo e festejou com os amigos, orgulhoso de seu feito. Deu tudo absolutamente certo. Mas depois de alguns dias a vida voltou ao normal… E parece que ficou sem graça. O desânimo e certa tristeza tomaram conta de seu cotidiano? Pode ser depressão pós-maratona.

Muitos corredores experimentam esse abatimento depois da realização de uma grande meta. Para a maioria, porém, a duração é curta e basta traçar um novo plano para a rotina voltar aos trilhos. "Após correr uma maratona, eu perco o chão! Fico triste só de pensar que tenho que parar um pouco, descansar. Mas daí rebato: descansar para quê? E costumo emendar um desafio a outro", conta a gerente de projetos Angela Machado, de São Paulo.

Para o tabelião Cassiano Mendonça de Andrade, de Itabira (MG), porém, a coisa não foi tão simples. Ele começou a correr em 2005, para perder peso, e se apaixonou pela modalidade. Começou tranquilo, com 5 e 10 km, depois aumentou para 10 milhas, meias-maratonas… "Muitas vezes me inscrevia em eventos apenas para ter a motivação para treinar. A felicidade após cada corrida me mostrava que eu era capaz de mais. Foi então que, depois de várias meias junto com alguns amigos, resolvi tentar uma maratona, aproveitando também a oportunidade para viajar. Começamos a planejar com 8 meses de antecedência", conta. 

TUDO CERTO DEMAIS. O objetivo em questão era a Maratona de Berlim, em 2010. E nos meses que antecederam a prova, em seus horários de folga, Cassiano e os amigos treinavam ou pesquisavam sobre a viagem. "Durante boa parte de um ano, vivemos o sonho da maratona. O ‘problema' é que tudo deu certo demais. A viagem foi superagradável e concluímos a prova com imensa facilidade. Na chegada vivi um dos momentos mais felizes da minha vida. Antes, nem a proximidade do vestibular ou da minha formatura ou mesmo meu casamento me deixaram com essa sensação de euforia tão boa", relata.

A experiência havia sido tão mágica que o corredor tratou de compartilhar imediatamente com os amigos. "Após a prova cheguei ao hotel e fui direto para o computador para relatar meu feito. Guardo até hoje os mais de 70 e-mails de pessoas que me parabenizaram."

No entanto, ao retornar ao Brasil e aos treinos, sentiu um enorme desânimo. "Depois de ter participado de uma das melhores corridas do mundo, fiquei sem incentivo para continuar correndo. Não via mais graça nas curtas distâncias e, com exceção de algumas meias, nenhuma prova me encantava. Até minha vida profissional ficou abalada: durante o período de treino para a maratona, nos momentos mais complicados do trabalho, eu lembrava que tinha que fazer aquilo para poder conquistar um sonho – era o que me incentivava. Depois, a vida tinha ficado um pouco sem objetivo. Passei muito tempo me sentindo assim", confessa Cassiano.

O CORPO REAGE. Segundo Carla Di Pierro, psicóloga do esporte do time Brasil do COB, a depressão pós-maratona é mais comum do que se imagina. "Existem razões biológicas e psicológicas para isso. Após uma prova como a maratona, o corpo sofre uma espécie de inflamação, o que faz com que o sistema imune entre em estado de alerta. Nosso cérebro procura nos proteger, agindo em nossa disposição e em nosso humor, assim como acontece quando estamos gripados: não queremos sair de casa, ficamos mais quietos e introspectivos." Quando alcançamos uma grande meta que envolveu tempo e dedicação, é comum também as outras coisas parecerem menores, insignificantes. "Falta perspectiva", diz a especialista.

"A maneira mais simples de lidar com esse desânimo após superar um desafio é criar outro desafio", sugere o psicólogo Rafael Dutra, da Assessoria Esportiva Enzo Amato, de São Caetano do Sul. "E o bacana da corrida é que sempre existem possibilidades para se desafiar, seja buscando lugares diferentes, revezando a corrida de rua com a de montanha, aumentando as distâncias, buscando melhores marcas, tentando trazer amigos para a prática esportiva… No entanto, acredito que o melhor seja deslocar o prazer pela superação de um desafio específico para o prazer da corrida em si. É a jornada dos treinamentos, preparativos e expectativas que tornam o processo tão rico e tão intenso", completa.

VIDA ALÉM DA CORRIDA. Carla di Pierro diz que para evitar a depressão é preciso também traçar outros planos e perspectivas na vida além do esporte. "Ele deve ser uma das fontes de satisfação e alegria. Mas não deve ser a única." E é importante perceber ainda se a tristeza e o desânimo estão ligados ao final de um período de intensas emoções, como a maratona, ou se existe algo a mais por trás disso.

"Se uma pessoa realmente entra em depressão após ter concluído um desafio, com certeza não é a corrida que trouxe esse problema, mas outros aspectos da vida que precisam ser revistos, inclusive com um acompanhamento especializado. A corrida para a maior parte das pessoas é um momento de lazer. Devemos nos esforçar para não perder essa característica", alerta Rafael Dutra.

Felizmente, o corredor Cassiano de Andrade conseguiu retomar seu caminho. "Como solução para o meu desânimo, planejei correr outras maratonas, pelo menos uma por ano. Mas sei que isso requer planejamento. Neste início de 2013 estou mais animado, principalmente porque sinto que tenho condições para encarar novamente a ‘escada' das corridas. Como no começo, pretendo correr para perder um pouco de peso – que ganhei após a maratona e por conta também de uma redução nos treinos, devido a uma lesão. Planejo ainda algumas provas de 10 km e meias. E, se der para fazer uma viagem, quem sabe não encaro a Maratona de Chicago?", diz.