Blog do Corredor Especial Redação 9 de junho de 2011 (2) (428)

Elói Schleder: um atleta além de seu tempo!

A entrevista levou quase 10 horas, entremeada de manuseio de fotos, medalhas, troféus e muita história, num clima carregado de emoção e repleto de informações, que enriqueceram a história do atletismo brasileiro. Assim, fomos ao encontro de Elói, que mora desde 1999 em Bragança Paulista, 75 km de São Paulo, onde é professor de educação física efetivo pelo Estado, mas por estar afastado das corridas há 22 anos, poucos sabem quem ele é na cidade e o que representa para o esporte do país. E o mesmo deve valer para a absoluta maioria dos leitores da CR, daí a importância desta matéria sobre um ex-recordista brasileiro de maratona, com 2:12:54, ainda uma marca respeitável.

Elói Rodrigues Schleder, filho de agricultores, nasceu em 26 de julho de 1951 em Passo Fundo/RS. A corrida apareceu em sua vida em 1969, quando ia completar 17 anos; segundo ele, foi quase que por obrigação do Colégio Marista em que estudava. "Havia olimpíada em âmbito regional entre as escolas Maristas e para que o nosso colégio saísse campeão teríamos que vencer a prova que finalizava todo o evento, uma corrida rústica de 5 km." Elói, como todos os garotos da época, gostava mesmo era de futebol, mas diante da imposição dos professores se alinhou juntamente com os colegas na largada: "Eu nada sabia de corrida e até aceitei a dica de chupar limão segundos antes da saída (diziam que ajudava…); dada a largada, resolvi seguir o melhor de minha escola, que foi o primeiro colocado e eu o vice. Assim, na minha primeira corrida já subi ao pódio."

No ano seguinte, dessa vez na olimpíada estadual, o professor propositalmente atrasou o ônibus porque a escola de Elói não tinha uniformes para participar do desfile."A viagem era longa, quase 500 km, e como íamos chegar atrasados já aquecemos no ônibus; foi descer e logo em seguida alinhar para a largada; fiquei na quarta posição." Schleder começava a se destacar, mas os pais exigiam que o estudo fosse o principal, até pelo esforço que faziam para mantê-lo e mais suas duas irmãs em colégio particular.

Dessa forma, priorizou seu ingresso na faculdade de educação física, mas sem deixar a corrida de lado, especialmente as provas de rua. Apesar de torcedor do Grêmio no campeonato estadual de atletismo do RS chegou a representar o Internacional: "Só o Inter tinha equipe de atletismo e eles me ofereceram bolsa, material esportivo e moradia em Porto Alegre; fiquei por lá uns seis meses e no ano seguinte optei para correr sem clube." Participou dos Jogos Universitários Brasileiros de1972 até 1979, quando completou dois cursos universitários, o de educação física e de pedagogia. Depois ainda se formaria em administração de empresas e jornalismo.

MUITAS SÃO SILVESTRES. Schleder veio de Passo Fundo para São Paulo em 1975, para sua primeira São Silvestre, numa época em que a soberania dos atletas estrangeiros era tanta que se contava 28 anos sem que um brasileiro vencesse a prova. E naquele ano havia até um favorito do país, o sargento José Romão Andrade Silva, que colecionava recordes quase todos feitos no exterior, experiência que lhe dava grande chance de vencer a São Silvestre.

Elói relembrou aquela noite: "Como era tradicional, a prova saía pouco antes da meia noite, para que chegássemos logo depois da virada; faltavam alguns minutos e eu estava me posicionando na linha para a largada, quando um rojão cruzou o céu e estourou fortemente; com o susto, os corredores dispararam. Romão tinha ficado numa área reservada e acabou sendo prejudicado, mas mesmo assim ele foi brilhante, ultrapassou muita gente e chegou na 11ª posição e eu na 14ª".

Esse resultado lhe rendeu um convite para integrar a equipe do Sesi de Santo André. "A oferta era irrecusável, já que me ofereceram moradia, restaurante, bolsa de estudo na faculdade, registro de professor estagiário em educação física; nem pensei duas vezes e por lá fiquei durante 23 anos, inicialmente como atleta e depois como funcionário."

Em 1976 se classificou como o 1º brasileiro, o que se repetiu em 77 e 78 – respectivamente 10º, 9º e 7º na colocação geral. Elói correu na São Silvestre de 1973 até 1987 e gosta de lembrar o 5º lugar geral de 1985. "Naquele ano subiram quatro brasileiros ao pódio, liderados pelo campeão José João da Silva, ou seja, Adauto Domingues, João Alves (Passarinho) e eu, o maior pódio brasileiro até hoje; em segundo ficou o equatoriano Rolando Vera, que venceria a SS nos 4 anos seguintes."

"COELHO" SEM QUERER. Elói estava na prova em que José Romão correu 10 mil metros abaixo de 30 minutos pela primeira vez em território brasileiro e ele acabou por ser talvez o maior responsável por esse feito, acontecido na pista da Escola de Educação Física da Polícia Militar em São Paulo. "Ele já era o recordista, conquistado na Europa, e como eu não tinha nada a perder fui para vencer; corri 24 voltas na frente em ritmo forte para tentar quebrá-lo antes da última volta, pois sabia que ele tinha sprint final. Só que ele veio junto e me superou, com uma chegada fantástica!"

Em 1981, no Sul-Americano realizado há 3600 metros de altitude em La Paz, Elói resolveu correr sua outra especialidade, os 3000m com obstáculos. "É quase impossível correr provas longas sem nenhuma adaptação, por isso desisti da maratona e preferi a mais rápida. A vitória ficou com o chileno Emilio Ulloa e em segundo ficou o boliviano Johnny Perez; eu conquistei a única medalha para o atletismo do Brasil."

Elói tem dois recordes obtidos numa única prova, e que duram desde 27 de novembro de 1976, quando o Sesi de Santo André solicitou à FPA que homologasse na pista do Ibirapuera o evento. Schleder correu 50 voltas – 20.000 m na pista – em 1:02:17, sendo que na passagem da hora (60 minutos) obteve a marca de 19.217m –  Os recordes lhe deram destaque como um dos melhores fundistas da época.

DESCLASSIFICADO NA 1ª MARATONA. As maratonas começaram a se popularizar no Brasil no final da década de 70 e se intensificaram durante os anos 80, fazendo surgir uma saudável elite, mas um era reconhecido pelos próprios adversários como o maratonista número 1º do país – Elói Schleder, um atleta técnico com estilo elegante que com suas passadas decididas fez o Brasil retornar, após 52 anos de ausência, às maratonas olímpicas nos Jogos de 1984 em Los Angeles, como nosso único representante.

Detentor de recordes nacionais em 1981 e 1982, conseguiu em 8 de junho de 1986, em Sydney, Austrália, seu melhor tempo em maratona: 2:12:54. Foi a coroação de uma brilhante carreira de maratonista, mas que começou de forma bastante desastrada: simplesmente desclassificado!

As primeiras seletivas para maratonas olímpicas surgiram na década de 70, quando no Brasil era raro quem quisesse encarar os 42.195 m, com a justificativa de que o clima não ajudava, e por isso eram poucas as maratonas. Até que em 1976 a então CBD (Confederação Brasileira de Desportos) escalou Schleder para tentar o índice para os Jogos de Montreal.

Foi então realizada na cidade de São Paulo uma maratona com alguns poucos atletas, com batedores em trânsito livre. "Formamos dois grupos compactos de corredores e fiquei no bloco da frente; nos 28 km desgarrei 300 metros e assumi a liderança, mas o batedor parou no semáforo e eu segui em frente, porque achei que esse era o percurso. Dois ou três quarteirões depois fui alcançado pelo batedor, que me informou do erro e me pediu para que subisse na moto; eu recusei, pois imaginava que poder desclassificado, mas ele insistiu e acabei aceitando. Benedito Porto tinha pego a liderança que eu recuperei no km 35, mas corria com o ritmo quebrado, com ameaça de câibras, vencendo em 2h18, bem perto do índice, que era 2h16, só que não valeu, por ter subido na moto. A organização reavaliou e em quatro semanas marcou uma segunda seletiva, que também venci, mas em 2h21, cansado. Se não fosse o engano no trânsito, daria? Quem sabe?"

Esse fato não desanimou Elói que em 1977 defendeu o Brasil na maratona do Sul-Americano de Montevidéo, em 1979 na do Pan-Americano de Porto Rico, além de provas em que era convidado, como na de Frankfurt em 1981, 1982, 1983. "Na edição de 1981 obtive um de meus melhores prêmios, que foi conhecer Emil Zatopek, simpaticíssimo e muito atencioso e que assinou o meu diploma". Em 1982 foi o 7º na Maratona de Seul, após vencer a Maratona da Cidade de São Paulo, com o tempo de 2:15:08. Na Maratona Atlântica Boa Vista Rio de Janeiro, a prova de rua mais importante do país naquela época, chega em 11º em 1983, para vencer no ano seguinte, na edição que detém até hoje o recorde do número de concluintes na distância no país: 6.540 corredores. E muitas outras vitórias e pódios em maratona se seguiram.

ATRASOS E CONFUSÕES. Em 1981, após correr a maratona de Frankfurt, Elói aproveitou que estava na Europa e de férias, e passeou com o amigo Décio Oliveira, por Paris e Roma. Mas continuou por lá, pois tinha uma longa programação de participação em provas de pista em várias cidades. Após fazer um cross country em Ostia, na Itália, Elói perdeu o trem em que iria com atletas italianos para outro evento, na então Tchecoslováquia. "Tive que ir sozinho para a estação e acabei pegando trem errado, que seguia para a Rússia, e a confusão foi maior ainda." Ao se aproximar da fronteira a polícia solicitou seu passaporte e como ele não tinha visto, ficou preso por 24 horas, até que alguém da organização tcheca aparecesse para o libertar.  Conseguiu chegar na competição, que tinha ainda a presença do amigo José João da Silva.

Em 1985 as confusões se repetiram, desta vez na cidade de Hiroshima, onde aconteceu o Mundial de Maratona. Na verdade Elói já tinha errado o aeroporto em São Paulo, tendo ido para Congonhas, ao invés do recém inaugurado Cumbica. Acabou perdendo o vôo com a delegação brasileira e precisou ir por Miami, escala em Nova York, até chegar a Tóquio. Apesar da dificuldade da língua, no outro dia seguiu para Osaka, pegou o trem bala e a duras penas desembarcou na rodoviária de Hiroshima. "Naquele momento em frente a meus olhos passava a maratona feminina que acontecia um dia antes; aproveitei para seguir as corredoras e descobrir um pouco do percurso. Mesmo com essas dificuldades, no dia seguinte ele se classificou como melhor sul-americano do 1º Mundial de Maratona realizado pela IAAF.

LESÕES E LENDAS. Na fase de maratonista, Elói preparava sua própria planilha, que tinha como base treinar em dois períodos, pela manhã 10 km e à tarde mais 15 a 25 km. Em função das muitas participações em provas de rua, sofreu com lesões seqüenciais nos tendões. "Procurei vários médicos e um me disse que a causa poderia ser o sentido que eu corria na pista, durante meus treinos e sugeriu que eu sempre fizesse o aquecimento no sentido contrário. Em pouco tempo tinha muita gente me imitando, e o burburinho era: "O Elói sempre aquece no sentido contrário e deve ser por isso que é um bom corredor! Mal sabiam eles que era no que eu precisava acreditar para sentir menos dores. Na época virou até lenda!"

Em 1988, então com 37 anos, Elói tentou o índice para a Olimpíada de Seul, na a Maratona de Nevada, EUA. "Já larguei meio pesado e lembro que nos 21 km olhei no relógio e vi que não era mais possível, pois teria que fazer a segunda parte em pelo menos 4 minutos mais rápido e estava muito cansado. Então, pela primeira vez, desisti em uma corrida, e caminhei até o final, percebendo que era o fim de uma etapa de minha vida. Foi um desfecho natural e meu primeiro filho nasceria em poucos meses".

Próximo dos 60 anos, Elói continua sempre em atividade física, embora não tenha mais o vínculo com a corrida. Ao fim da entrevista, ele abraça o amigo Décio, que nunca parou e tem subido aos pódios nos últimos anos, e pergunta: Como estão as corridas agora? O veterano e muito premiado Décio responde: "Você precisa ver, melhoraram bastante as corridas no Brasil. Se você voltar ficará ainda melhor!" Quem sabe nas próximas corridas não nos encontraremos com esse ídolo?  

Veja o currículo de Elói Schleder

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2 Comments on “Elói Schleder: um atleta além de seu tempo!

  1. um atleta exepcional, frança dez 2011

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