Na edição do mês passado da CR começamos a abordar os diferentes componentes de uma sessão de tiros, fundamental para os que querem ganhar velocidade. Contudo, é importante destacar que nesta série não estamos falando do treino intervalado em si, mas sim dos componentes "periféricos" da sessão: aquecimento, alongamento (antes ou depois da série principal), exercícios técnicos/educativos de corrida e o trote de volta à calma.
Neste sentido, vimos que, com relação ao aquecimento, um efeito positivo sobre a performance pode ser obtido com cerca de 8-10 minutos de trote moderado. Além disso, o aquecimento pode ser utilizado como uma forma de aumentar o volume semanal de treinos em ritmos de baixa intensidade, justificando quilometragens maiores.
Por outro lado, o aquecimento parece ter um efeito mínimo ou mesmo nulo sobre a prevenção de lesões, o que infelizmente também é o caso dos exercícios de alongamento (quer antes ou depois da série). Os exercícios de alongamento, aliás, são ainda mais controversos do que o aquecimento, sendo que em algumas situações protocolos mais intensos de alongamento podem inclusive atrapalhar a performance.
Com isso, existe uma corrente que sugere a utilização de exercícios dinâmicos como forma de manutenção da flexibilidade, com a realização de gestos "exagerados" da corrida combinados com saltos ou trotes. A seguir iremos abordar alguns pontos sobre a realização de tais exercícios – os educativos de corrida – bem como sobre os efeitos e o porquê do trote de volta à calma.
EDUCATIVOS DE CORRIDA. O nome "educativos de corrida" talvez não seja o mais apropriado, mas é possivelmente a maneira como a maioria dos corredores se refira à sequência de saltos e exercícios coordenativos, que realizam antes de uma série principal em treinos de pista.
Uma rápida busca online por "educativos de corrida" ou "running drills" irá fornecer uma enxurrada de vídeos com exemplos de exercícios como skipping (joelhos altos), corrida com o calcanhar nos glúteos (também conhecido como anfersen), saltos alternados etc. Em linhas gerais, estes exercícios visam reproduzir partes específicas do ciclo da passada, de forma a (em tese) corrigir a postura do corredor, além de trabalhar a coordenação motora de forma geral.
E eles funcionam? Sim e não, de certa forma. A técnica de corrida em si, ou seja, a postura do corredor, é muito difícil de ser trabalhada, pois é um gesto adquirido após milhares e milhares de repetições e que não se ajusta com a realização de uns poucos saltos. Por outro lado, tais exercícios cumprem a função de manter a flexibilidade ativa do corredor, pois demandam amplitudes de movimento maiores, o que pode vir a evitar encurtamentos mais sérios na musculatura.
Mas o efeito mais notável destes exercícios, na verdade, é sobre a economia de movimento do corredor. Diversos estudos já demonstraram que a inclusão de exercícios de pliometria (sequências de saltos) são eficazes em diminuir a quantidade de energia que o corredor gasta para se locomover.
O modelo mais aceito hoje é que um dos fatores determinantes da economia de movimento é a chamada pré-ativação muscular, ou o quanto os músculos da perna estão ativos no momento imediatamente antes do contato com o solo. Um maior grau de ativação aumenta a rigidez do sistema musculoesquelético, elevando a eficiência da utilização de energia elástica para a locomoção.
É importantíssimo ressaltar, no entanto, que esta pré-ativação não é obtida com o corredor tentando conscientemente correr "com as pernas duras" – não é disso que se trata a pré ativação. O processo ocorre em nível inconsciente, de certa forma, e é trabalhado justamente com a execução repetida de gestos mais explosivos de saltos, que requeiram uma maior organização do sistema locomotor do que a corrida de baixa intensidade.
Recomendação: O real objetivo dos exercícios educativos deve ser relacionado ao ganho de economia de movimento. Assim, estes exercícios devem ser encarados mais como saltos do que como "educativos". O corredor pode iniciar com uma sequência que inclua, por exemplo, 80-100 saltos com cada perna, divididos em quatro ou cinco exercícios, e ao longo do tempo aumentar gradativamente a complexidade e quantidade dos exercícios. Entre dois exercícios mais intensos, pode realizar um menos saltado e mais coordenativo, buscando trabalhar amplitudes de movimento além daquelas da corrida. Evidentemente que não há mal algum em, no meio disso, tentar prestar atenção à postura, mas este não deve ser o foco principal da atividade.
TROTE DE VOLTA À CALMA. Finalizada a parte principal do treino, o corredor – exausto – deverá realizar o trote de "volta à calma". Por quê? Esta é uma pergunta de resposta difícil, pelo menos com base na argumentação tradicional, defendendo o trote final pós-treino. A teoria nos diz que o trote, ou o "descanso ativo", auxilia na remoção de metabólitos da musculatura, pois mantém a circulação e a perfusão dos músculos em níveis elevados, facilitando a "limpeza".
O problema é que, em primeiro lugar, este argumento só é válido para alguns poucos fatores na circulação, por exemplo o lactato, mas nem ao menos se sabe ao certo se esta remoção acelerada realmente traz alguma diferença. Em segundo lugar, esta diferença de velocidade, em realidade, é de apenas alguns minutos. Ou seja, ao passo em que a chamada pausa ativa pode fazer sentido, quando se fala em treino intervalado, quando a pausa entre uma série e outra é limitada, este argumento se perde ao final do treino, quando há 24-48 h até o próximo treino.
Recomendação: O trote final deve ser abolido dos treinos, então? Depende. É possível encarar o trote da mesma forma que tratamos do aquecimento, como uma forma de completar a volume semanal. Imagine um maratonista, por exemplo, realizando seu trote final – exausto, novamente – em ritmo próximo ao seu de maratona. Aqui já não estamos mais falando de "voltar à calma" como o objetivo final, mas como uma maneira diferente de impor uma sobrecarga para que o corredor se acostume a correr com as pernas pesadas.
Por último, é importante também ter em mente que apesar de o trote final não ser necessariamente bom para a performance, também não há evidências concretas de que seja prejudicial. Se o corredor simplesmente se sente bem ao "soltar as pernas" após uma série intervalada, não existem no momento grandes razões para não o fazer. Neste sentido, 400 – 800 m de trote moderado teriam a mesma eficácia de distâncias mais longas.