Performance e Saúde admin 21 de abril de 2017 (0) (223)

É possível mudar a técnica de corrida?

Tempos atrás, conversando com um corredor, ele se mostrou perplexo com a possibilidade de se trabalhar à distância com treinamento. "Como você faz para corrigir seus alunos?" foi a pergunta dele. Tendo participado de um programa de treinamento dentro da empresa onde trabalha, para ele o ponto-chave de contar com uma pessoa lhe orientando era justamente a possibilidade de correção de seus eventuais erros, e não as planilhas em si.
Conversar com pessoas de fora do meio tem essa vantagem: elas muitas vezes fazem você pensar sobre tópicos que talvez há muito tempo já tenha esquecido de abordar. Este não é um caso isolado: dentro das assessorias esportivas, diversos alunos reclamam que seus treinadores não "cuidam" de sua técnica, e corrigir ou não a postura pode acabar sendo o diferencial entre o bom e o mau treinador – pelo menos nos olhos do cliente. Hoje em dia existem, inclusive, "escolas" de técnica de corrida, como o Chi Running e o Pose Running, que propõem exercícios para trabalhar pontos como a pisada (parte dianteira do pé), a inclinação do corpo, e a frequência e comprimento de passada.
A ideia de que existe uma postura ideal para correr não é nova. Nos anos 70 e 80, os primeiros trabalhos mais completos descrevendo a biomecânica da corrida foram feitos, e desde lá já se pensava na possibilidade de que o corpo possivelmente se ajusta ao longo dos milhões de passos da carreira de um corredor, de maneira a atingir uma postura ao mesmo tempo econômica e que diminua a chance de lesões.

FATORES DETERMINANTES. Se este processo existe, deveria ser possível criar um programa visando acelerar a obtenção desta postura ideal, através de exercícios específicos ou de feedback extensivo ao corredor, assim como é possível criar um programa de treino para acelerar o processo adaptativo cardiorrespiratório. Surgiu, assim, a busca pela identificação dos fatores que seriam os determinantes desta postura ideal, seja por melhorar o rendimento ou por diminuir lesões.
Em um dos estudos mais completos sobre o tema, publicado em 1987, um conjunto de 31 corredores foi dividido em três grupos, baseados em sua economia de movimento (alta, média e baixa), e diversos parâmetros da mecânica de corrida foram avaliados com câmeras de alta velocidade. Apesar de haver diferenças entre os grupos, os autores foram categóricos em afirmar não existir um fator exclusivo responsável pelas diferenças em economia de movimento e, mesmo entre os parâmetros que apresentaram diferenças entre os grupos, havia muitas exceções.
Por exemplo, a inclinação do tronco era ligeiramente maior no grupo mais econômico, mas ao mesmo tempo alguns dos corredores mais econômicos tiveram os piores valores de inclinação do tronco e vice-versa. Esta falta de um padrão levou à conclusão de que não existe uma referencia contra a qual um corredor possa ser comparado e julgado, o que dificulta enormemente o trabalho de treinadores que queiram mexer na postura de seus corredores.

NOVA AVALIAÇÃO. Trinta anos mais tarde – apenas alguns meses atrás – um novo estudo nos mesmo moldes foi feito, desta vez com 97 corredores com níveis de performance nos 10 km entre 31 e 56 minutos. Com uma amostra muito mais heterogênea, os autores conseguiram demonstrar alguns dos conceitos clássicos da mecânica de corrida: os corredores mais econômicos tenderam a apresentar três particularidades: menor oscilação vertical da pélvis durante a fase de contato com o pé no solo, menor ângulo mínimo do joelho durante o momento de contato com o solo e maior velocidade mínima da pélvis.
Destes, os dois primeiros fatores estão relacionados com a rigidez da perna durante o contato com o solo: a mais "rígida" irá "dobrar" menos durante esse momento, deixando o joelho mais estendido o tempo todo e causando menos alteração da altura da pélvis (quadril). Esta maior rigidez melhora a utilização de energia elástica na passada, aumentando sua eficiência. Já a velocidade da pélvis possui relação com quanto o corredor "freia" a cada passada, e é bastante intuitivo que alguém com uma velocidade mais fluida irá ser mais econômico.
Mesmo neste estudo mais recente, contudo, uma quantidade muito grande de exceções e a imensa diferença entre os níveis dos corredores impedem que se conclua que o corredor A ou B precisa necessariamente trocar sua técnica em função deste ou daquele fator. Além disso, os poucos estudos que tentaram efetivamente mudar a técnica de corredores mostram resultados pouco animadores.

MÉTODO POSE. Vejamos o exemplo de um estudo de pesquisadores do Colorado, nos Estados Unidos, que analisaram um grupo de triatletas antes e depois de 12 semanas de treino com 1 hora semanal de treinamento no método Pose (além de uma aula inicial de três horas com o criador do método). Ao fim do período, conforme predito, algumas mudanças ocorreram na técnica dos corredores: as passadas ficaram um pouco mais curtas e mais frequentes para uma dada velocidade. Apesar disso, houve um aumento no consumo de oxigênio para aquele ritmo, justamente o contrário do que seria desejável!
Outro estudo, também norte-americano, testou o efeito de trabalho intensivo na técnica de corredoras: por cinco semanas, corredoras previamente identificadas como tendo uma postura deficiente passaram por três sessões semanais de treino em esteira, em que eram filmadas e o vídeo de cada treino era analisado em conjunto com um treinador antes da sessão seguinte, assim como durante o treino feedback específico para corrigir os diferentes aspectos da postura.
Por esta ótica, entendam-se os seguintes aspectos: flexão do tronco, posição dos braços, ângulos do pé, joelho e quadril durante a pisada e fase aérea e a oscilação do centro de massa. Ao final do período, como no exemplo anterior, apareceram algumas diferenças na postura das corredoras, especificamente nos pontos trabalhados, porém isso não se traduziu em melhor economia de movimento ou menor sensação de esforço.

DIFÍCIL E SEM RESULTADO. A postura de um corredor é o resultado da complexa interação de diferentes fatores. Apesar de alguns "estilos" parecerem mais ou menos bonitos aos olhos, mexer no jeito de correr de alguém é uma tarefa ingrata, que com frequência parece não trazer grandes benefícios, além de ser extremamente difícil de conseguir e demandar uma grande quantidade de tempo.
É importante considerar, contudo, que na literatura também existem diversos estudos de casos sobre os efeitos das mudanças na postura de corredores sobre lesões específicas, o que sugere que a resposta para a questão mexer ou não na técnica não é simplesmente que se deve abandonar qualquer tentativa de analisar os corredores.
Porém, este último tipo de análise normalmente gira em torno de outros fatores, como a rotação interna e externa do quadril, joelhos varos ou valgos e outras assimetrias corporais, e não em aspectos como posição do braço e o comprimento x frequência de passada.
Existe uma grande diferença entre os dois, e neste último caso o treinador (ou possivelmente um fisioterapeuta) precisa de uma especialização mais específica para atuar com alguma propriedade, sendo que a solução para algum eventual problema não se dará por alguns gritos na beira de pista, dizendo para o corredor dobrar os cotovelos. Estes vão pouco além de fazer com que o corredor se sinta cuidado.

Veja também

Leave a comment