A princípio, considerando o calendário e o percurso das duas maratonas, resolvi investir em performance na de Roterdã e, depois, apenas completar em Madri. Segunda cidade mais importante da Holanda, Roterdã é de fácil localização (apenas 30 minutos de trem a separam do aeroporto de Amsterdã) e encanta pela sua moderna e criativa arquitetura, resultado da total reconstrução realizada após a devastação ocorrida durante a Segunda Guerra. O site da maratona é bem completo, com todas as informações necessárias e traz até dicas de turismo.
A organização da prova facilita a vida do atleta ao concentrar largada, chegada, feira da maratona e jantar de massas em um mesmo local: a "Coolsingel", principal avenida da cidade, que conta com três estações de metrô, sendo uma delas em frente ao prédio do WTC, local de entrega dos kits e do jantar de massas, e que está em frente à Prefeitura da cidade e ao lado de um shopping center. Enfim, mais centralizado, impossível. Por este motivo, e por ter conseguido reservar um hotel a apenas 200 metros da largada, fui retirar o meu kit logo após chegar à cidade, sem qualquer dificuldade. Sem combinar, encontrei na feira um colega corredor de Brasília, Carlyle Vilarinho, que também resolveu se inscrever nas duas provas.
A entrega dos numerais (com chip de cronometragem preso no verso do número de peito; há também um número de peito dorsal) foi tranquila. Além da maratona, houve a entrega de kits para percursos de 10 km, 5 km (na véspera), revezamentos com duplas ou quartetos nos 42 km e corridas infantis. Apesar da tradição da prova (esta foi a 33ª edição), a feira é muito tímida, sem qualquer distribuição de brindes.
Diversamente dos horários a que estamos acostumados, a largada da Maratona de Roterdã é tarde, pois é realizada às 10h30. Logo, não é preciso madrugar para correr e, além disso, é possível ter uma digestão tranquila do café da manhã pré-prova. Quanto à temperatura, os termômetros costumam marcar em torno de 10°C nesta época do ano, mas no dia a temperatura era de confortáveis 16°C na hora da largada. O acesso aos "currais" distribuídos de acordo com o tempo informado no ato da inscrição é bem tranquilo. O uso dos banheiros químicos também, assim como a disposição dos corredores inscritos nos 10 km, que largam alguns minutos depois e percorrem percurso diverso.
10 MIL NOS 42 KM. A largada ocorreu sem grandes tumultos ou atraso, com um tiro de canhão dado pelo prefeito local. Todos largaram pela Coolsingel a caminho da ponte Erasmus. A principal dificuldade do início da corrida é o estreitamento da via: mesmo ocupando as duas pistas da avenida, ela se mostra estreita para receber os 10 mil inscritos na distância maior. A situação só melhora por volta do 5º km, quando se passa ao lado do estádio De Kuip, casa do Feyenoord, o time de futebol mais popular de Roterdã.
Na altura do 2º km, atravessa-se a ponte Erasmus, em sobe e desce, com vento contra. A animação da população local compensa as dificuldades. Aliás, os cidadãos de Roterdã são festeiros e incansáveis: apoiam e chamam o atleta pelo nome (escrito no número) durante quase todo o percurso. O suporte é fantástico. Uma animação barulhenta (no bom sentido) quase comparável à dos norte-americanos nas principais provas dos EUA. Meu uniforme "brasuca" rendeu mais de sete assobios de "Aquarela do Brasil" ao longo da maratona. Os ciclistas também são uma companhia constante, mas sem atrapalhar; nada mais natural, considerando-se que a bicicleta é um meio de transporte muito popular nas cidades holandesas.
Mesmo com a difícil dispersão nos primeiros quilômetros, não enfrentei dificuldades em manter um "pace" médio de 5 minutos e 35 segundos, o que me dava esperanças de finalizar a maratona em menos de 4 horas. No 10° km, fui abordado por Maurício, corredor brasileiro experiente em provas internacionais e natural de Curitiba. Conversamos ao longo de dois quilômetros sobre maratonas e futebol. Ele revelou que sua esposa também participava da prova e estava bem à frente de nós, despedindo-se de mim no primeiro posto de hidratação que surgiu após o início do bate-papo.
A hidratação não deixou a desejar: todos os postos ofereciam água, esponjas e isotônico local. Também havia algumas bandas ao longo do percurso, a fim de animar os atletas. Percorrendo áreas mais afastadas do centro turístico, alcancei os 21 km quase em 2 horas e presenciei a troca de duplas nos pontos de revezamento. Na altura do 25° km, o percurso retorna à ponte Erasmus e à avenida Coolsingel.
Já com quase 30 km rodados, o atleta passa muito próximo à chegada, mas é obrigado a desviar por um túnel, deslocando-se para as "Casas Cubo" (famoso ponto turístico de Roterdã) e o belo parque Kralingse, que integra o percurso da prova até o 39° km. Apesar de cansado, consegui obter um split negativo, fechando a maratona em 3:57:41. Não foi o suficiente para quebrar meu recorde pessoal, mas fiquei satisfeito por obter mais uma maratona sub 4h.
A dispersão ao final também foi sem maiores transtornos, desde a entrega das medalhas (simples, porém, bonitas), água e frutas até a saída para o encontro de familiares. As mulheres ganharam flores na chegada. Enfim, um final de prova tranquilo, bem diferente da tragédia que ocorreria em Boston no dia seguinte e que chocaria o mundo inteiro.
MARATONA DE MADRI
Após quase duas semanas de muitas caminhadas (encaixei as cidades de Amsterdã, Haia, Antuérpia, Bruges, Bruxelas e Barcelona no meu roteiro turístico) e pouco treino e descanso, cheguei a Madri, mas sem grandes aspirações em termos de resultados, pelo cansaço e pela altimetria desfavorável da prova espanhola. Por este motivo, decidi correr sem me preocupar com o relógio, e levei minha máquina fotográfica a tiracolo.
A Maratona de Madri já possui 36 edições realizadas, mas vem ganhando notoriedade e obtendo crescimento mais recentemente. Desde o ano passado, esta prova passou a integrar o circuito "Rock'n'Roll Marathon Series", conhecido por organizar diversas provas temáticas nos EUA (26 cidades norte-americanas) e por estar em franca expansão na Europa (a série também já chegou a Lisboa, Edimburgo, Nice, Dublin e Oslo), além de brindar os atletas com lindas medalhas e muita música ao longo do percurso.
Neste ano, foram 13 mil inscritos na maratona, 3 mil na meia e mais 700 pessoas nos 10 km. A grandiosidade também foi notável no tamanho da feira, com várias grandes marcas como expositores. Também merecem destaque os estandes da comissão de candidatura de Madri para as Olimpíadas de 2020 (após perder para o Rio a edição de 2016, a cidade tenta novamente convencer o COI a ser sede dos Jogos Olímpicos) e os murais de apoio e solidariedade aos corredores e vítimas dos atentados realizados na Maratona de Boston.
LONGAS FILAS. O kit da prova contava com uma caneca alusiva à prova e uma camiseta Adidas, além de um convite para o jantar de massas válido ao atleta e mais um acompanhante. O merchandising oficial da prova caprichou nas opções de souvenires: havia chaveiros, mochilas, camisetas de algodão de diversas estampas, bonés, dentre outros produtos. Porém, o local escolhido (Pabelón de Cristal) para a retirada do kit é um pouco afastado do centro, não havendo qualquer indicação ou informação de localização no trajeto entre as estações de metrô mais próximas e o pavilhão de exposições.
Na manhã da maratona, a cidade de Madri apresentou uma mudança drástica de temperatura: os termômetros marcavam 5°C às 7 horas, a duas horas da largada, contra a média de 15°C dos dias anteriores. A Praça Colón, no Paseo de la Castellana, é uma avenida larga e ampla para abrigar os quase 20 mil corredores das três distâncias. No entanto, a exemplo da feira da corrida, não há muita sinalização disponível, sendo que presenciei uma das maiores bagunças já vistas nas filas (havia filas?) dos caminhões de guarda-volumes. Definitivamente a prova madrilena necessita se aperfeiçoar em sinalização, informação e organização.
Não obstante a confusão no guarda-volumes, a largada ocorreu sem muitos atrasos, logo após as 9 horas da manhã, com direito a um minuto de silêncio às vítimas da Maratona de Boston, com todos os atletas levantando sua mão e formando um "B" em forma de homenagem. A largada simultânea criou um pequeno conflito entre os corredores de distâncias diferentes, já que os atletas da meia e dos 10 km iniciaram de forma mais veloz. Cansei de levar pequenas "trombadas" dos mais apressados nos primeiros quilômetros.
O detalhe é que a prova se inicia em uma subida de 3 km, a primeira de muitas a serem vencidas. No terceiro km surgia a primeira banda de rock de um total de 21 grupos tocando o mais puro e energético rock'n'roll, sendo que as bandas foram escolhidas dentro de um concurso realizado meses antes da maratona. O suporte dado por inúmeros "staffs" que acompanhavam os corredores durante todo o percurso em patins, oferecendo vaselina e spray para dores musculares, também merece destaque.
A primeira subida terminou com o desvio do percurso ao lado do legendário estádio Santiago Bernabéu, casa do todo-poderoso Real Madrid, quase na altura do 4º km. Nesse momento, também houve a separação dos corredores de 10 quilômetros dos demais atletas. O percurso da maratona adentrou por algumas áreas residenciais, com constantes subidas e descidas. Apesar de tímido, o público local incentivava familiares e corredores com faixas de "Si, se puede!" e gritos de "Vamos, campeones!" e "Arriba!". Após a primeira hora da prova, a temperatura já havia subido para 10 graus, e os postos de hidratação de 5 em 5 km (com água e Powerade) eram suficientes.
MUITO E BOM ROCK. Após o 15° km, foi a vez de os corredores de meia maratona se desgarrarem dos maratonistas. O percurso adentrava no centro histórico de Madri: o asfalto era substituído pelos calçadões do centro, em avenidas de grande circulação. E foi justamente na principal praça de Madri, marco zero da cidade, e já na metade do percurso, que duas bandas tocaram em sequência os hits "Highway to Hell" e "You shook me All Night Long", ambas da banda australiana AC/DC. Mais rock'n'roll, impossível!
Com maciça presença de povo local e de turistas, o percurso da maratona continuou alternando subidas e descidas em sua segunda metade. Não por coincidência o público incentivava gritando "Arriba! Arriba!". E foi pouco depois do km 30 que fui alcançado pelo amigo Carlyle Vilarinho, que resolveu me fazer companhia no trecho final.
Quase no 40° km, avistamos a estação de trem de Atocha (local onde ocorreu um atentado terrorista em 2004, vitimando diversas pessoas) e passei em frente ao hotel em que estava hospedado. Carlyle começou a sentir o ritmo nas últimas subidas, mas continuamos nosso pacto de companheirismo. O Parque do Retiro, local da chegada, já estava próximo, mas exigia uma nova subida nos últimos 2 km. Avistamos o pórtico de chegada, que cruzamos quando mostrava pouco mais de 4h27 (tempo bruto) e recebemos uma bela e pesada medalha.
Na minha 10ª maratona, o recorde!
Acompanho sempre os relatos dos assinantes da Contra-Relógio e as coberturas que vocês fazem das maratonas internacionais, o que tem sido decisivo na escolha das minhas provas. Foi assim em 2012 para correr a de Paris e este ano para a escolha da Maratona de Madri.
A cidade de Madri é sensacional e tudo funciona perfeitamente. O deslocamento do aeroporto para o hotel foi feito de metrô, de forma rápida, fácil e muito tranquila. No grande dia da prova estava bastante frio e nos deslocamos para o local com uma hora de antecedência, o que quase não foi suficiente para colocarmos nossos pertences no guarda-volumes. Foi uma desorganização total; os guarda-volumes eram dez caminhões-baús, enfileirados muito próximos, gerando um tumulto muito grande.
Este fato nos prejudicou na entrada para as baias da largada, que estavam sem isolamento entre as faixas do tempo, e logo todos os corredores das provas de 10 km, meia e da maratona se misturaram, em total bagunça.
Após ser dada a largada, demoramos mais de dois minutos para passar no pórtico, pegamos os dois primeiros quilômetros bem "engarrafados", mas no 4 km, com a separação dos corredores de 10 km, a prova fluiu melhor nas largas e arborizadas ruas de Madri.
O que mais nos impressionou foi o apoio do público, que incentivava e aplaudia em quase todo o circuito, sem contar as muitas bandas no percurso.
Após a chegada, fomos bem acolhidos e supridos pela organização, mas o frio ainda era intenso, e muitas pessoas precisaram de atendimento médico. Para nossa surpresa, o meu amigo Paulo Lorena foi o primeiro dos 10 brasileiros concluintes, e eu o segundo, com respectivos tempos de 3h12 e 3h14, sendo este meu melhor resultado em maratonas.
Por Marcelo de Azevedo Moreira, assinante de Vitória da Conquista, BA.