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Divida seu treino em 4 fases e você vai ver os resultados!

FISIOLOGIA – por Fernando Beltrami – fernando@evenfaster.com.br – Março 2011

 

O verão está quase acabando, os dias já não são mais tão quentes e passado o Carnaval a vida volta à rotina, pelo menos até dezembro. Resta agora esquecer os treinos que foram trocados por uma porção de fritas e uma cerveja gelada na beira da praia. Nada de chorar sobre as planilhas não feitas, ou de lamentar que as solas daquele par de tênis ganho no Natal ainda estão intactas. A alternativa agora é acertar o foco, estabelecer um calendário com as provas principais para o ano e botar o pé na estrada.

A primeira atitude de um corredor consciente é fazer um check-up médico, e de preferência um eletrocardiograma de esforço. Mesmo. Especialmente para aqueles corredores que já passaram dos trinta, independente do grau de condicionamento. Encare dessa forma: você paga um seguro para o seu carro para não se incomodar em caso de acidente; paga seguro de viagem para caso das malas desaparecerem; enfim, paga por um monte de coisas que você realmente torce para que não precise utilizar.

Um eletrocardiograma de esforço é nada mais que um seguro de que você está com o coração em dia para se exercitar. “Ah, mas eu corro há anos e anos e nunca me aconteceu nada!” é o pensamento de muitos. É exatamente por isso que chamam os males do coração de males silenciosos, porque a pessoa não percebe que algo está errado até que alguma coisa realmente grave ocorra. Alguns problemas só se manifestam acima de uma frequência cardíaca específica, e daí a importância de um eletrocardiograma de esforço. Através dele é possível acompanhar o funcionamento do coração em diferentes graus de esforço, e assim detectar falhas que só ocorrem em elevadas taxas de trabalho. Algo mais ou menos como você ter um carro que funciona bem até cerca de 70 km/h. Se o carro nunca sair do limite urbano, periga você nem perceber que há um problema na injeção de gasolina quando o carro atinge 100 km/h.

Apesar dessas condições cardíacas serem raras, não há motivos para não ficar atento. Logo que comecei a orientar corredores, durante uma pesquisa na universidade nosso projeto envolvia trabalhar com 20 corredores saudáveis. Após muito trabalho convencendo sedentários a participar de um treinamento de 12 semanas, um dos potenciais participantes descobriu um problema gravíssimo no coração durante o teste de esforço inicial, e ao invés de participar do projeto de pesquisa em algumas semanas ele estava sendo operado.

Apesar da figura assustadora que se formou no parágrafo anterior, correr não é um risco à saúde, mas alguns corredores precisam de um incentivo um pouco mais forte para se convencer que cuidar do corpo é importante. Mortes em eventos esportivos são extremamente raras quando comparadas a quantidade de pessoas e horas de prática que não têm qualquer consequência mais grave. O que ocorre é que mortes durante eventos esportivos atraem muita atenção da mídia, dando a impressão de que são uma ocorrência frequente.

Treinamento em 4 partes

Mas vamos confiar que o leitor da CR aceitou o conselho, fez o eletrocardiograma de esforço e agora possui o aval médico para continuar treinando. O próximo passo é elaborar um calendário de treinos e competições. O sistema mais tradicional de treinamento irá dividir o ano em períodos de treinamento, cada qual com objetivos específicos. Apesar de eventuais mudanças na nomenclatura utilizada por um autor ou por outro, os períodos podem ser chamados de base, específico, polimento e descanso.

Vamos falar um pouco sobre cada um deles, pois sabendo o porquê de cada um fica mais fácil saber o que fazer. Essa é a parte do treinamento onde treinadores reclamam da falta de apoio que recebem da “ciência”, e onde os pesquisadores se defendem argumentando que existem muitas variáveis para se controlar, e por isso os estudos acabam por ter sua relevância limitada. Boa parte do conhecimento acumulado nessa área se origina das experiências de tentativa e erro documentadas por treinadores e atletas.

1 – O período de base é auto-explicativo. É aqui que o corredor irá desenvolver seu condicionamento geral, corrigir desequilíbrios musculares que possam ter aparecido na temporada passada e mais importante, ganhar volume de treino. É preciso mencionar que o início do período de base é quando o corredor pode substituir parte de seu volume de treino por outra modalidade. E não estamos falando de um “pode” qualquer, aquele do tipo “não tem problema”. Acrescentar uma nova modalidade na rotina de treinos, como natação por exemplo, é extremamente válido, pois trabalha uma série de músculos que são deixados de lado durante a corrida.

DESTAQUE O período de base deve durar pelo menos 8 semanas

Durante o período de base o corredor geralmente realiza volumes semanais superiores a todos os demais períodos de treino, apesar de não ser necessário dar ênfase aos treinos muito longos. Um corredor de maratonas, por exemplo, pode fazer 100 km por semana em seu período de base, porém sem correr mais de 20 km por sessão, enquanto fará apenas 80 ou 90 km semanais durante seu período específico de preparação, incluindo longos de cerca de 30 km. O período de base deve durar pelo menos 8 semanas, e dificilmente passa de 12 ou 15, dependendo do objetivo do corredor. Isto porque existe um período mínimo que o organismo deve ser exposto às cargas de treino para que se adapte. O objetivo principal do período de base é preparar o corredor para o período seguinte, aumentar sua velocidade de rodagem e o volume que ele é capaz de suportar sem a ocorrência de lesões.

2 – Passadas as semanas de treinamento geral, altos volumes, é hora de começar a focar nos eventos principais do calendário. O período específico tem por objetivo transformar o condicionamento adquirido durante a base. Por isso é importante que se façam testes preliminares de performance, na tentativa de se predizer o que será almejado durante a prova alvo. Treinos de velocidade e ritmo ganham mais espaço e importância, e o aumento de intensidade das sessões é possível graças à queda do volume semanal, quando se compara ao período de base.

DESTAQUE  Agora, séries mais curtas e intensas

É importante que o planejamento do treinamento acentue bem a diferença entre o período de base e o específico. Ao longo das semanas o corredor precisa perceber que o objetivo das sessões está diferente, que antes o treino era mais rodado, as séries eram mais longas e lentas e agora estão mais curtas e intensas. Nosso organismo têm por hábito se acostumar com as coisas, e por isso depois de algum tempo as cargas de treino têm de ser aplicadas de forma diferente, pois começam a perder sua eficácia. Imagine alguém que passe por uma estrada pela primeira vez: tudo é novidade, várias coisas são percebidas e informações sobre o local são guardadas. Depois de algum tempo fazendo sempre o mesmo trajeto, às vezes levamos dias para perceber que um prédio foi demolido. Por isso é importante que o organismo também perceba que está sendo constantemente exigido, de formas diferentes, para que o treinamento não caia na mesmice e deixe de gerar adaptações.

O período específico pode ser mais longo que o de base, e mais de um período específico podem estar presentes em um ano de planejamento, separados por uma fase de descanso ou transição. A maioria dos corredores responde bem com cerca de 12 à 16 semanas de treinamento (mais 12 do que 16), e com mais do que isso já começam a mostrar sintomas de overtraining. É importante que o corredor aprenda quanto tempo ele é capaz de suportar os aumentos de carga durante essa fase, pois é muito comum que alguns atinjam seu pico de condicionamento algumas semanas antes ou após seu evento principal, geralmente devido à falta ou excesso de descanso. Esse aprendizado, infelizmente, ocorre somente com o tempo de prática.

3 – O período de polimento têm por objetivo justamente descansar o corpo do corredor, e permitir que o organismo atinja seu pico de condicionamento na hora certa. A fase de polimento se caracteriza pela drástica queda de volume, cerca de 40% de uma semana para outra, e pelo aumento dos treinos em ritmo de prova. São duas semanas onde o corredor deve sentir-se gradualmente mais forte e mais à vontade nos ritmos propostos para a prova almejada. O período de polimento é negligenciado por muitos, que seguem aumentando suas cargas até o último instante.

DESTAQUE  Não realizar a fase de polimento adequadamente é jogar fora o esforço conquistado durante todos os meses anteriores

4 – Passado o evento principal, é chegada a hora de descansar. A fase de transição ou descanso deve ser proporcional ao tamanho e desgaste da prova, e se caracteriza pelo descanso ativo, ou rodagens de baixa intensidade. Provas longas, como uma maratona, podem ser seguidas por cerca de até 3 ou 4 semanas de treino em baixa intensidade, como forma de recuperar o corredor não só físico mas também mentalmente.

Separar o treinamento em períodos com objetivos específicos não deve ser um luxo de corredores avançados. É comprovado que nosso organismo se adapta melhor com este tipo de sistema, então não existem motivos para não segui-lo. Não é preciso que a corrida seja encarada de forma quase profissional para que o planejamento das fases tendo em vista uma prova alvo seja feito. O objetivo pode ser um evento qualquer, e a performance alvo não precisa ser um recorde mundial. Voltando a fazer analogia com automóveis, é preferível pegar a tecnologia de um fórmula 1 e ir desconstruindo até chegar num veículo de passeio, do que pegar uma carroça e melhorá-la pouco a pouco.

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