Performance e Saúde contrarelogioadm 29 de junho de 2017 (0) (138)

Descansar direito para correr melhor

Em qualquer planejamento de treino bem feito (e bem executado), o corredor deve chegar à prova-alvo em seu auge de condicionamento físico. Nessa lógica, qualquer situação em que isto não aconteça implica que o planejamento foi mal feito ou mal executado. Assim, como explicar a situação em que um período de descanso – forçado por uma lesão ou mesmo por falta de tempo – acabe por melhorar a performance do corredor?
Na edição do mês passado, por exemplo, o assinante Alexsandro da Silva Lima relatou na seção "E-mails" sua experiência de ter melhorado seu tempo de 3h04 na Maratona de Porto Alegre 2016 para 2h49 em Boston em abril último, sendo que para esta prova deixou de treinar por duas semanas, não fazendo alguns de seus longos mais importantes, em função de uma lesão. Longe de ser exceção, a explicação para este tipo de situação na maioria das vezes está na falta de descanso adequado antes da prova principal, o que pode ter um impacto enorme sobre o desempenho.
O processo do treinamento físico consiste em "agredir" ou "estressar" o organismo repetidamente ao longo de dias, semanas ou meses, com o intuito de gerar uma resposta adaptativa. Assim, é preciso ter claro que o treino, a sessão em si, não melhora o condicionamento físico, mas sim o descanso após o treino.
Neste ponto, ainda nem estamos falando da qualidade do descanso – incluindo qualidade do sono, estratégias de recuperação com suplementação, massagem etc – mas simplesmente do espaço de tempo entre duas sessões de treino, durante o qual o organismo tem a chance de se regenerar do estresse sofrido e criar a chamada "supercompensação". O gráfico explica este processo com mais detalhe: a partir de uma carga de treino, o organismo passa por um período em que a performance fica debilitada, mas logo em seguida surge a fase de supercompensação, em que o condicionamento aumenta.
No entanto, o ciclo descrito se aplica tanto para sessões individuais de treino quanto para ciclos inteiros, com semanas de duração, como no caso do exemplo. Salvo (talvez…) o caso de corredores extremamente inexperientes que chegam a sentir certa melhora a cada sessão de em suas primeiras semanas de treino, não é novidade que corredores treinados precisam de semanas ou meses de carga para constatar alguma melhora.

MEDO DO POUCO TREINO. Estes ciclos de carga, contudo, devem necessariamente ser seguidos por um período de descanso, para possibilitar que estas respostas adaptativas ocorram. O que acontece com muitos corredores é que, por medo de treinar "de menos", eles chegam à sua prova-alvo quando ainda estão, por exemplo, nos pontos demarcados pelas letras B ou C do gráfico, ou seja, antes do momento ideal de performance. Com um pouco mais de descanso, o que pode ocorrer acidentalmente em função de alguma lesão menor que não interfira depois com o desempenho de prova, o excesso de treino planejado é corrigido e o atleta chega à competição no ponto D, seu pico de condicionamento.
Quando se fala de descanso no sentido do período entre o pico de treinos e a prova-alvo, estamos tratando especificamente do chamado período de polimento. No entanto, a literatura normalmente trata essa fase como um "extra" para a performance, e não considerando a possibilidade de um corredor chegar em sua prova-alvo ainda "cansado" e com a performance debilitada.
De qualquer forma, o polimento cumpre as duas funções: propiciar a resposta normal de adaptação, como qualquer período de descanso entre ciclos de carga, e ainda oferecer este "extra" de performance, em função de treinos mais específicos para a prova, melhor alimentação etc.

EXPERIÊNCIA COM INTERVALADO. Considere, por exemplo, o seguinte estudo publicado em 2014 por cientistas noruegueses: dois grupos de corredores realizaram 24 sessões de treino intervalado de alta intensidade, porém um deles as realizou ao longo de 8 semanas (3 por semana) e o outro em apenas 3 semanas (8 sessões semanais). O primeiro grupo apresentou uma melhora constante de sua capacidade aeróbica ao longo dos treinos, e 4 dias após finalizarem o treinamento apresentaram ganho de 10% em sua capacidade aeróbica. Porém, 6 semanas após o fim dos treinos, os ganhos já haviam desaparecido.
Colocando estes resultados em nosso gráfico, a carga equilibrada de 3 sessões semanais posicionou os corredores no ponto D logo após (4 dias) o fim dos treinos, e 6 semanas depois (sem qualquer treino, é importante ressaltar) os participaram chegaram no ponto E.
Já o outro grupo, com carga concentrada de 24 sessões em apenas 3 semanas, não apresentou melhora alguma de condicionamento 4 dias após a última sessão. No entanto, 12 dias depois a capacidade aeróbica havia aumentando em 7%, valor equiparável ao do outro grupo. Ou seja, esta concentração da carga de treino modificou o posicionamento dos participantes no nosso gráfico, colocando-os possivelmente na posição C, ao fim do ciclo de cargas, e na desejada posição D passados 12 dias, ou cerca de duas semanas. É exatamente a situação de que tratamos no início da matéria! Uma carga muito intensa demanda um tempo de recuperação maior para fazer efeito.
As cargas de treino feitas por um corredor irão requerer mais ou menos tempo de recuperação para gerar uma resposta adaptativa, dependendo de sua intensidade e da capacidade de recuperação do atleta. Para melhorar a performance é fundamental que se procure entender este processo ao máximo, experimentando diferentes formas de repouso, antes de provas menos importantes.
As "receitas" mais tradicionais recomendam uma diminuição de 40-50% do volume de treino por cerca de duas semanas, enquanto que a intensidade das sessões é aumentada (mais velocidade em séries intervaladas, mas com pausas generosas para que a sessão não seja exaustiva).
Visto que a perda de condicionamento é relativamente lenta caso os treinos não sejam abandonados por completo, faz sentido que se comece experimentado com descansos maiores, e a partir daí seguir em busca de um protocolo individualizado de polimento pré-prova, que otimize a transformação de todo o esforço colocado nas planilhas em um grande resultado na prova.

 

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