Notícias admin 7 de setembro de 2016 (0) (90)

Dando um tempo com a corrida

Quando a corrida começa a fazer parte da sua vida e torna-se uma rotina, é difícil imaginar que um dia você vai pensar em parar. Afinal, os benefícios são incontáveis. Mas às vezes ela se torna tão viciante e fora dos limites que chega um momento em que acaba não cumprindo mais o papel que se espera, que é de melhorar a saúde, aliviar as tensões do dia-a-dia e provocar aquela sensação de bem-estar geral inexplicável.
É nesse momento que você vai perdendo o interesse e de uma hora para outra resolve parar por um período. Confira aqui a história de cinco corredores que viveram essa experiência e que nos contam como fizeram ou estão fazendo para reverter essa situação e retomar o prazer pela atividade.

1 – CABEÇA MAIS ABERTA. A publicitária paulista Eliane Araújo da Silva, de 45 anos, corredora há mais de 20 anos, ficou saturada e acabou optando por dar um tempo. Três anos já se passaram. "Fui diminuindo os treinos aos poucos, primeiro por não conseguir conciliar corrida, trabalho e família. Estava viajando demais e não havia tempo para treinar direito. Aos poucos, a corrida não preenchia mais o espaço que tinha antes na minha vida e passou a ser uma tortura, exatamente porque não conseguia fazer da forma que queria", conta Eliane, que diz sempre ter convivido com essa luta interna de não conseguir correr por correr, apenas para manter a forma.
"Sempre me cobrei em relação a isso. O que valia era a performance", lembra ela, que acredita que, se tivesse uma cabeça um pouco melhor e mais aberta, hoje poderia ter mantido uma rotina menos intensa e não ter parado completamente. "No fundo, sei que o excesso de trabalho e as viagens foram apenas uma desculpa que dei a mim mesma, que não conseguia colocar um tênis no pé e correr naquele momento difícil da minha vida, só para manter a forma e curtir."
Depois de várias tentativas frustradas de volta, a corredora acredita que hoje está com a cabeça mais aberta para retornar, o que já é um avanço. "Nesse meio tempo, percebi que não consigo me dedicar a nenhuma outra modalidade", diz ela, que tentou bicicleta, natação, remo, academia e outras atividades, mas parou tudo. Sem nada para preencher o vazio deixado pela corrida e com outra cabeça, Eliane está apostando todas as fichas no retorno.
"Voltei aos poucos, sem grupo de corrida, primeiro andando, porque estava totalmente destreinada. Agora estou correndo pelo menos 30 minutos, 3 vezes na semana, o que já é um avanço", explica. "A volta é um pouco dolorida e difícil porque nossa memória sempre acaba nos traindo e tento me segurar para não ir além do que meu corpo permite. Não coloquei nenhum objetivo ainda, porque não quero viver novamente com as minhas cobranças."

2 – EMPURRÃO QUE FALTAVA. O empresário gaúcho Gabriel Bianco, de 44 anos, correu sem interrupção de 2004 a 2012. O nascimento da primeira filha em 2010 alterou completamente sua rotina. Dois anos depois, veio a segunda, o que contribuiu de vez para o abandono. "Não havia outra decisão a tomar", lembra Gabriel. A retomada veio apenas este ano, quatro anos depois, após algumas tentativas em vão.
Nesse período, ele acompanhava notícias de maratonas, lia livros e sentia saudades dos tempos de corredor. No período em que ficou parado, o que mais sentia falta era a disposição que tinha antes para encarar a rotina diária. "Eu sempre vi na corrida uma válvula de escape para pequenos aborrecimentos e também fonte de inspiração para novas ideias e criação", conta Gabriel, que diz que a maior barreira para a volta foi vencer a inércia.
Quando achou que era hora de voltar, matriculou-se numa academia para conseguir ter um estímulo inicial. "Aproveitei que a corredora Daniela Santarosa, de quem já era fã pelo histórico nas Travessias Torres-Tramandaí, entre outras provas, abriu uma academia este ano ao lado de casa. Era a 'deixa' que eu precisava. Depois de matriculado e com a planilha mensal na mão, passei a não ver mais dificuldade alguma na retomada."
Embora tenha sentido bastante falta da corrida durante o tempo em que ficou parado, Gabriel não carrega arrependimentos e enfatiza que não faria nada diferente se tivesse que voltar no tempo. "Como o motivo da parada foi minha família, valor mais precioso para mim, sei que a decisão foi acertada. No fundo, tinha consciência que era uma parada temporária", explica o empresário, que já estabeleceu metas para voltar com tudo às competições. "Quero fazer uma meia-maratona até o final de 2016 para voltar às maratonas em 2017."

3 – SEM FOCO, SEM ÂNIMO. Corredor desde 2008, o historiador e professor carioca Nelton Araújo, de 32 anos, que é colaborador da Contra-Relógio, também sofreu com a falta de vontade para manter os treinos de corrida, depois de um período de boas performances. Após treinar por quatro anos intensamente em ritmo forte, de 2001 a 2015, Nelton, que era da turma dos "bem rápidos", resolveu dar um tempo. O primeiro baque foi em 2014, quando teve uma fratura por estresse diagnosticada erroneamente. "Eu a neguei, como muitos fazem, tive um péssimo assessoramento e aí fui me desmotivando", lembra o corredor, que teve que parar durante oito semanas.
Já recuperado, preparou-se para fazer a Maratona de Nova York em 2014 e foi quando acredita que fez a "pior burrada": usar as mídias sociais para contar sua façanha e escrever sobre os últimos 30 dias de treinamento. Acostumado a "andar" rápido e fazer grandes resultados nas ruas, a exposição acabou piorando ainda mais as coisas. "Para se expor, você precisa de muita coragem para não levar tão a sério os elogios e tampouco os haters ("odiadores") Nesse período, a corrida já estava num processo de resignificação. Tanto, que, ao ver que não ia conseguir completar a maratona no tempo que almejava, simplesmente parei no km 15, e esperei por duas horas minha noiva, Juliana."
Nelton teve que "aguentar" comentários e indiretas de que tinha fraquejado e que acompanhar a noiva havia sido apenas uma desculpa. No ano passado, um mês antes de encarar a Maratona de Chicago, acabou se lesionando novamente. Lutou contra o inevitável para tentar terminar a prova de qualquer jeito. "Eu me enfurnei na academia e fazia 4 ou 5 horas de cross training, minha imunidade baixou e corri a maratona com Zica", lembra Nelton, que corria e parava a cada milha para se hidratar, simplesmente com o objetivo de terminar a prova e pegar uma medalha prometida a uma amiga, que também estava lesionada e não pode lá competir.
A partir daí, perdeu o foco de vez e outros objetivos viraram prioridades na vida, como estudo, criação de um podcast para corredores, uma viagem com a noiva para a Tailândia etc, e a corrida passou a não ser mais tão importante quanto antes. "Não senti falta. Fui tocando a vida, um pouco mais recluso, sabendo que a qualquer instante eu poderia voltar, mas correndo rápido", explica o corredor, que voltou aos treinos em março, de forma gradativa. O tempo que ficou parado era às vezes preenchido com outras atividades. "Eu não sentia falta da corrida, mas de fazer atividade física. Posso parar de correr amanhã, mas certamente você não me verá sedentário."
Para voltar, ele teve que colocar o orgulho de lado, encarar a realidade e aceitar correr num ritmo mais lento. "É duro ver que seu ritmo leve é o de trote de outrora e que o pace dos seus melhores 21 km você só alcança num tiro de 400 m. O maior exercício é terminar o treino falando a si mesmo 'esquece o ritmo', 'tenha paciência que você volta'. Tanto é que nesses últimos dois meses, treinando de verdade, aboli o GPS. Só vejo a distância total. Preciso me reacostumar na percepção do esforço do estímulo. Chega de lesões!"

4 – DESTREINADO E PESADO. Com 34 maratonas no currículo, o engenheiro carioca Rodrigo Damasceno, de 32 anos, já desistiu de correr por duas vezes. A primeira em 2005, com retorno em 2007. A segunda há dois anos. "Parei sem motivo aparente. Fiz uma bela viagem em 2013; passei um mês nos Estados Unidos e lá corri as maratonas de Chicago e de Nova York e uma prova de 10 km em São Francisco. Voltei e, sem treinar, fiz o Desafio do Pateta em 2014. Concluí com um tempo ruim e desde então não consegui emplacar um treino. A cabeça estava a mil, com problemas no trabalho e outras coisas", explica Rodrigo, que ainda tentou encarar a Maratona do Rio mesmo destreinado, o que acabou não sendo uma boa ideia. De lá para cá, prometeu para si mesmo que só voltaria a entrar em provas se estivesse treinado suficiente para concluí-las sem risco de lesão. "Acabei ganhando muito peso com essa parada, o que me deixou triste e me atrapalhou na volta."
Durante a parada, Rodrigo começou a tocar em blocos de Carnaval e a namorar, e isso ajudou a ocupar um pouco o vazio deixado pela falta da corrida. Entre as coisas que mais sentiu falta, Rodrigo coloca as viagens que fazia para participar de provas lá fora e as pessoas que conheceu. Hoje ele luta novamente para voltar à ativa e também sente a dificuldade do recomeço.
"Antes corria 10 km facilmente e agora mal consigo combinar corrida e caminhada nessa distância. Às vezes tenho que brigar com a minha cabeça para não parar de novo. É muito difícil sair para correr depois que se ganha peso", lamenta o carioca, que conta hoje com a ajuda dos amigos e da namorada, que também corre, para voltar. "Estou fazendo 5 km com planos de voltar aos 21 km em breve e perder os quilos que ganhei." Quando perguntado sobre o que faria hoje de diferente para não chegar ao ponto de parar, Rodrigo é categórico: "Tentaria não me abater quando os resultados não viessem e buscaria apoio dos amigos desde cedo, e não fugiria deles, como fiz".

5 – PARADAS PERIÓDICAS. Os 15 anos de corrida do designer santista Renato Faustino, de 39 anos, serviram para ensiná-lo a dar aquele tempo quando o corpo e a cabeça pedem. "Quando mais jovem tinha um conflito com a paciência. Queria resultados rápidos nos próprios treinos de base. Hoje corro em média um ano seguido e paro por alguns meses até minha mente sentir falta da corrida. Geralmente essa pausa dura 3 a 4 meses", conta o corredor, que se dedica aos treinos de outros esportes, como surfe e canoagem.
"Sei que não deveria parar porque a corrida sempre ajuda, mas, depois dos 35 anos, sinto que meu organismo ficou mais lento para processar as informações. A corrida exige muita disciplina. Não sou um cara de rotinas. Preciso ter várias coisas para praticar, com outras condições climáticas ou contato com a natureza para sentir algo diferente. Chega uma hora em que o excesso gera um conflito e aí é o momento de parar de correr."
Há quatro meses parado, Renato diz que sente falta da corrida como exercício psicológico. "Por incrível que pareça, a corrida não deixa um vazio, além de gerar um misto de favor para a autoestima e o contato que você tem com a sua mente e corpo. Os objetivos entram como uma ferramenta para gerar essa função toda", destaca Renato, que chegou a treinar em grupo, mas ultimamente tem optado por correr com orientação, mas sozinho, ainda que sinta falta dos amigos.
Quando faz um balanço de sua vida de corredor, o santista confessa que apenas gostaria de aprender a viver com a rotina e não se arrepende das cobranças que ele mesmo se faz ou que sofre do seu técnico Vanderlei de Oliveira, quando treina sério. "Ele é muito exigente, mas, se não fosse isso, não alcançaria meus resultados."

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