Sem categoria admin 14 de janeiro de 2013 (0) (95)

Da diálise para a Olimpíada dos Transplantados

A vida de Marcelinho Tavares está simultaneamente ligada à corrida e à superação. Ao mesmo tempo em que obteve bons resultados como atleta e treinador, enfrentou o diabetes, um acidente de carro, a insuficiência renal e a incerteza de um transplante de rim. Hoje, leva uma vida normal (com controles diários e medicação). Durante os períodos difíceis, questionou muitos fatores e o porquê de tanta luta, mas nunca perdeu a esperança. Agora, tem um objetivo definido: disputar a Olimpíada dos Transplantados nos 800 m, 1.500 m e 5.000 m.

A relação com a corrida teve início em 1983, aos 12 anos de idade. Foi levado para a primeira prova pelo cunhado, Filipe, um circuito de corrida infantil no qual no ato da inscrição as crianças ganhavam uma poupança. "Nem lembro o valor, só dele me dizendo: ‘Te inscrevi na corrida e vou te levar'. Na época eu queria era jogar bola na praia e fazer outras coisas de adolescente levado", lembra Marcelinho. "Corri 800 m, chegando em 7º lugar. Meu cunhado ficou tão feliz que avisou após minha chegada que eu já estava inscrito na próxima. Era o começo da paixão por essa loucura chamada corrida."

Quando tinha 13 para 14 anos, Marcelinho foi apresentado pelo cunhado ao técnico Lauter Nogueira. "Ele me convenceu a treinar duas vezes por semana, como se fosse uma diversão", conta. Na sequência, a primeira surpresa. Meses depois, em um exame de rotina, foi constatado que era diabético. "Junto veio o medo dessa doença desconhecida naquele momento. Será que vou morrer? Tem cura? Vou poder continuar indo à praia, ao colégio? Tudo ao mesmo tempo. Porém, como sempre falo, quem tem família, tem cura para todos os males. Nos reunimos, fomos ao médico, nutricionista e passei a fazer o controle diário."

 

ATIVIDADE FÍSICA. Foram 12 anos ao lado de Lauter Nogueira. "O considero como um pai. Um verdadeiro educador físico. Tratava a gente como filho e olhe que enchíamos o saco dele demais…", lembra, rindo. Nesse período, Marcelinho aprendeu tudo sobre o diabetes tipo 1 e a importância do controle por meio da união entre atividade física, alimentação e medicamentos. "Fiquei diabético com 14 anos. Nesses 26 anos com a doença, a corrida teve um papel muito importante no meu controle glicêmico. Com os treinos diários e em dois turnos, nunca tive problema por causa da doença. Tomava minha insulina e ia viver a vida. Correr, namorar, ir à praia… fazia de tudo, era normal."

Porém, um intervalo nas corridas contribuiu para uma queda nessa qualidade de vida. Primeiro, por causa de um acidente de carro e uma torção grave no joelho, que afastou Marcelinho das pistas e ruas por quase um ano. Posteriormente, com a entrada na faculdade de Educação Física e da consequente falta de tempo. "Nessa época, meu diabetes em vários momentos ia de mal a pior, pois me acostumei a tomar pouca insulina por estar praticando atividade física. Quando parei, quis continuar com as mesmas doses."

No final de 2007, foi convidado por um amigo para correr a Meia da Disney em janeiro de 2008. "Aceitei retornar as treinos e em dois meses já estava me sentindo muito bem. Porém, em uma tarde, quando estava entrando no trabalho, precisei verificar a pressão sanguínea: 22/11 (o normal é 12/8). O médico pediu para eu procurar um cardiologista e fazer um check-up. Para minha surpresa, tudo ok, somente um pequeno desvio na minha creatinina. Ele falou então que se eu apertasse mais o controle do diabetes, abaixaria a taxa."

Desse momento em diante, Marcelinho passou a fazer um controle constante dos rins devido ao diabetes, além da glicemia e da alimentação. "Foi difícil. Minha cabeça começou a pirar. Veio o isolamento e o medo de fazer diálise, de morrer, de um futuro transplante… Após o carnaval de 2010, fui a uma consulta de rotina e por lá fiquei. Meu corpo estava tão intoxicado que poderia ter morrido."

 

DIÁLISE. Os rins já não filtravam mais o sangue. A diálise tornava-se obrigatória. "Segui pedalando, correndo e nadando, mas a rotina incluía a diálise três vezes por semana. Ficava plugado a uma máquina durante quatro horas para me manter vivo. Logo um cara que dez anos antes havia corrido 5 km em 14:47, 10 km em 31:55 e uma meia em 1h11 estava passando por aquilo. Questionei tudo, Deus, a vida…"

De acordo com Marcelinho, foram 14 meses nessa situação, que serviram para momentos de muita reflexão. Novamente, o apoio, a segurança e o renascer vieram da família. "Assim, pude aguentar a rotina de 10 horas diárias de trabalho, as 4 horas de diálise, treinamento… Tempos difíceis. Começamos a falar sobre a possibilidade de um transplante, quem seria compatível, quem se candidataria…"

No caso do rim, como normalmente as pessoas têm dois órgãos, pela legislação brasileira o transplante pode ser feito com doador vivo ou morto. "Numa tarde de domingo, novamente meu cunhado, que falou com seus dois filhos, meus sobrinhos, sobre o exame de compatibilidade. Fomos os quatro juntos ao hospital. Para nossa felicidade, todos eram compatíveis. Foi uma emoção indescritível", afirma Marcelinho.

Um dos sobrinhos, Rafael Belela, nem deixou abrir a discussão: disse que seria o doador e que ninguém mais falaria sobre isso. A cirurgia foi marcada para dia 12 de abril de 2011. "Nos internamos na véspera. O clima era tenso. Viver, morrer, dará certo? Após três horas de cirurgia, a grande notícia: o transplante havia sido perfeito tanto para mim quanto para o Rafael", diz o treinador. Foram 16 dias no hospital. "Após 33 dias de recuperação, o médico me liberou para andar e malhar de leve; depois de 45 dias voltei a dar aulas, mas o melhor ainda estava por vir. Passados três meses, eu podia trotar de novo, o que não fazia há quatro anos."

 

RECOMEÇO. Com cinco meses do transplante, Marcelinho ganhou um presente do amigo Maurício Pitanga: a participação nos 10 km dentro da Maratona de Punta del Este, no Uruguai. "A função dele: me ajudar a completar a prova. Com um frio de 8°C e muita emoção, cheguei ao final em 1h07. Hoje em dia levo uma vida normal. Tomo meus remédios de 12 em 12 horas, trabalho 12 horas por dia, faço os exames de rotina e ainda corro." E com a corrida quer participar da 19ª edição do World Transplant Games (www.wtgf.org), a Olimpíada dos Transplantados, uma competição realizada a cada biênio – há também os Jogos de Inverno. Em 2013, Marcelinho espera estar competindo nos 800 m, 1.500 m e 5.000 m em Durban, na África do Sul. Em 2015, a competição será realizada em Mar del Plata, na Argentina.

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