Investir corretamente, com orientação e motivação, em jo¬vens talentos é fundamental para criar atletas preparados e conscientes para a vida adulta. Mas muitos pais ainda desconhe¬cem a melhor forma de orientar e motivar os filhos nas corridas de rua. Qual seria o limite? Em no¬vembro do ano passado, um meni¬no americano de 5 anos completou uma meia-maratona em 2h22 e es¬tabeleceu um novo recorde na dis¬tância para sua faixa etária.
O feito de Anthony Russo foi noti¬ciado em todo o mundo. Afinal, o me¬nino de Nova Jersey – EUA, foi cerca de 40 minutos mais rápido do que o outro único competidor de 5 anos conhecido por ter terminado uma meia-maratona. Na categoria sub 17 da prova que participou em Tren¬ton, entre 12 meninos, Anthony con¬seguiu derrotar um de 14 e outro de 12 anos. Espantoso? Nem um pouco, se considerarmos que já é "normal" a participação de muitas crianças com menos de 14 anos na Maratona de Honolulu.
Isso mesmo. Um jornal havaiano noticiou, no início de dezembro pas¬sado, que houve pelo menos uma centena de participantes dessa faixa etária completando os 42 km na cor¬rida oficial da ilha paradisíaca. Na reportagem, a diretora do Centro de Medicina Desportiva do Queen's Hospital, um dos mais conceituados dos Estados Unidos, afirmou ser impossível determinar uma idade mínima para enfrentar corridas de longas distâncias.
A doutora Rachel Coel afirma que os estudos existentes divergem – en¬quanto alguns afirmam que crian¬ças se machucam em corridas, ou¬tros mostram que não são lesões, mas quedas, e há ainda aqueles que garantem que as longas distâncias podem interferir no crescimento. De acordo com a médica america¬na, cada indivíduo é diferente e, por isso, é imprescindível checar com o pediatra a possibilidade de partici¬pação dos pequenos em corridas de rua, mesmo que em distâncias me¬nores, como as de 5 km.
O PAPEL DOS PAIS. As corridas de rua têm apresentado uma procura cada vez maior nos últimos anos com o crescimento das provas destinadas aos pequenos atletas. É óbvio que a par¬ticipação em corridas é uma prática muito saudável e traz diversos benefí¬cios à saúde e ao bem-estar da criança¬da. Mas é preciso, em primeiro lugar, que a atividade seja algo prazeroso e que em momento algum haja cobrança de resultados, mesmo para os peque¬nos atletas mais talentosos.
"Os pais devem incentivar a prá¬tica de esportes. O limite deve ser o gosto da criança; sempre ela é quem deve determiná-lo. Acredito que não há uma idade pontual. Quando o garoto manifestar o interesse, de¬vemos, aí sim, incentivá-lo, sempre lembrando que ele não é um atleta", diz o treinador de corrida para adul¬tos e professor da Educação Física para crianças na rede municipal de ensino no Rio de Janeiro Diogo da Matta.
Algumas pesquisas demonstraram que jovens corredores submetidos a um treinamento muito exigente an¬tes dos 15 anos não seguiram uma carreira esportiva longa. Apesar disso, é fácil observar, também, que a falta de orientação dos pais mui¬tas vezes faz com que os filhos ta¬lentosos abandonem a corrida muito precocemente. Na opinião dos espe¬cialistas, caso os familiares perce¬bam nos seus garotos um potencial para a corrida, o ideal é incentivar, mas com consciência de que apenas mais tarde a cobrança por resulta¬dos poderá começar a existir.
"Hoje vejo casos em que, porque os pais gostam ou se destacam ou se destacaram em algum esporte, querem que seus filhos pratiquem essa mesma modalidade, ou ainda pior, cobram desempenho e resul¬tados. Assim, desde cedo colocam a criança em escolinhas, sem respei¬tar seu desejo. Aquele momento que deveria ser de aprendizado e cres¬cimento, uma hora do dia para fa¬zer novas amizades, se desenvolver como pessoa, passa a ser momento de tédio, sem nenhum prazer. Isso pode gerar até uma aversão a qual¬quer tipo de desporto ou deixar o in¬divíduo frustrado por não alcançar os desejos impostos pela família", alerta Diogo da Matta.
SEM PRESSA. O carioca Felipe Al¬ves, de 12 anos, participou da Ad¬venture Camp Ubatuba. O evento, que é dividido em trechos de ciclis¬mo, remo e corrida (cerca de 5 km), é realizado em dupla com um adul-to. Pedro Gonçalves, 8 anos, ao lado do pai, Fernando Gonçalves, com¬pletou os 6 km da Corrida Vidigal de Braços Abertos correndo e cami¬nhando; uma disputa considerada difícil, com escadarias e subidas e descidas íngremes. Nos dois exem¬plos houve o acompanhamento de um adulto.
"Não foi algo que é feito todo mês, muito menos toda semana. Objeti¬vos a longo prazo são ideais. A garo¬tada, na pior das hipóteses, que na verdade é uma hipótese boa, inter¬cala corrida e caminhada e completa o trajeto. Seu objetivo é ganhar sua medalha, se sentir um vencedor", lembra o educador físico Bruno Njaine, idealizador do projeto Rota 5k do Futuro, que trabalha, há qua¬tro anos, com crianças e adolescen¬tes entre 6 a 15 anos das comunida¬des Babilônia e Chapéu Mangueira, no Leme, Rio de Janeiro.
Njaine treina jovens especifica¬mente para corrida de rua. A maior parte dos seus alunos já completou uma corrida de 5 km e, de acordo com o orientador, se sentem muito satisfeitos, inclusive com os treinos aos quais são submetidos para al¬cançar suas metas. Para ele, a idade ideal, em média, para encarar uma distância de 5 km, é a partir dos 10 anos, embora não seja uma regra. Mas para o educador físico apenas considerar a idade é pouco; é preci¬so observar o que a criança conse¬gue praticar nos treinamentos, se apresenta alguma dificuldade ou se dá sinal de que ainda não está apta a completar a distância correndo ou intercalando corrida e caminhada.
COMO LIDAR. Treinos de longas dis¬tâncias para quem está vivenciando o esporte há algum tempo já é uma tarefa difícil, que requer muita pa¬ciência e motivação. Mas será que é possível adaptar o treinamento para um adulto de acordo com a re¬alidade de uma criança? A resposta aqui é não, de acordo com especia¬listas. Isso porque o jovem tem um nível de interesse e compreensão menor que o de um adulto. Para tor¬ná-lo um corredor é preciso, antes de qualquer coisa, que ele queira. Depois, cabe ao responsável que o oriente. Com a supervisão e o acom¬panhamento de um profissional de educação física.
"A motivação pessoal deve ser peça fundamental, sempre toman¬do todos os cuidados com a saúde dos pequenos. Depois é só deixar a motivação definir os objetivos. Sem cobranças de performance ou resultado, seja qual for o esporte, lembrando que a atividade física deve ser primeiramente para o bem¬-estar, sem pensar em criar atletas", opina Diogo da Matta.
Um primeiro passo, caso a família concorde em iniciar os jovens nos treinamentos para a corrida de rua, é conversar com o professor de Edu¬cação Física da escola, para saber se existe mesmo a aptidão e tam¬bém para se informar sobre o nível de condicionamento da criança. O próprio professor, sabendo da von¬tade dela por intermédio dos pais, deverá estimulá-la na prática do esporte. Porém o mais importante é conscientizá-la do que é a corrida de rua e deixar claro que, futuramen¬te, dependendo de outros fatores, quando crescer e tiver um organis¬mo mais forte, poderá, sim, fazer até uma maratona.