Entre as dúvidas que pairam na cabeça dos que resolvem enfrentar o desafio dos 42 km, geralmente aparece esta: fazer a maratona de olho no relógio? Ou seja, correr em um ritmo pré-definido? Controlar o tempo todo ou tendo algumas passagens (km 10, meia e km 30, por exemplo) como referência? Ou seria melhor usar a sensibilidade para saber se está em ritmo certo (não muito forçado, como nos longos)? Para tentar dar uma resposta a esses questionamentos, contatamos técnicos e maratonistas a esse respeito.
Miguel Dantas corre há 22 anos e desde 2011 encara os 42 km. Este ano já correu Boston, Vancouver e Porto Alegre. Na programação, terá Buenos Aires, Nova York e Havana neste segundo semestre. "Eu prefiro um ritmo pré-definido, com o olho no relógio. Programo o GPS para avisar as passagens a cada quilômetro. Fiz isso desde que comecei a correr maratonas (e nas outras provas também) e sempre me ajuda. Verifico qual a velocidade média necessária para atingir o tempo final que pretendo e vou no controle", afirma Miguel Dantas.
TRÊS EXEMPLOS. O treinador e maratonista Paulo Santos, de Vargem Grande Paulista, cita o exemplo de três alunos, com ritmos e objetivos distintos nos 42 km. E com formas diferentes de controlar a prova. "Minha aluna Eliana Brandão (45 anos) fez a Maratona de Punta del Leste e tinha previsão de fechar em até 4h, mas acabou conseguindo 3h51. Ela prefere sentir a disputa, deixar o ritmo chegar e, sem muita pressão, vai analisando como poderá terminar", explica Paulo Santos.
Já Jorge Carneiro (32 anos) tem como melhor tempo 2h51 na Maratona de São Paulo de 2013 e também corre sentindo o ritmo e o corpo. "Porém, geralmente sai um pouco mais rápido do que o pace determinado, só para ver como está no dia. Resultado: mesmo fazendo um excelente tempo, sempre chega ao limite (quebrado) e com uma cadência muito acima do que iniciou", afirma o treinador. "Mario Acacio (meu pai, de 69 anos), que tem como melhor tempo 4h05 na Maratona do Rio de 2012, faz todo o itinerário dentro do ritmo programado. Controla sempre tanto a frequência cardíaca quanto as passadas (baseado no limiar anaeróbio e nos treinamentos) e mesmo no final se mantém constante até finalizar", completa Paulo.
O próprio técnico, de 42 anos, que tem como recorde pessoal 3h07 na Maratona de São Paulo de 2013, pensa ser muito importante ter as duas coisas: sentir como está no dia e seguir a cadência pré-determinada antes da prova, mesmo constatando que está muito bem. "Este pace é definido de acordo com os treinamentos e principalmente em relação aos tempos em provas mais curtas recentes, como os 10 km e a meia", afirma Paulo Santos.
A estratégia que ele destaca é fazer a passagem dos 21 km como controle de ritmo. "Onde o objetivo é passar bem e ‘inteiro' para iniciar a segunda etapa de 14 km com o mesmo controle de pace até chegar nos 35 km. Na última etapa, de 7 km, eu libero um pouco e sigo progressivamente, pois mesmo sendo uma parte difícil, já estamos perto do final e a margem de erro fica menor. Dessa maneira, podemos ‘arriscar' mais e tentar finalizar dentro ou abaixo do programado."
De acordo com Paulo Santos, a maratona é uma prova que engana demais. "Nos primeiros quilômetros estamos inteiros e bem treinados, mas o caminho é longo e, se não controlarmos dentro do ritmo estipulado, podemos no final jogar fora todo o processo de preparação para determinado tempo ou até mesmo a corrida toda. É uma prova dura. Deve ser planejada, caso contrário o final pode virar um pesadelo e você chegar se arrastando."
DEFENSOR DO PLANEJAMENTO. O técnico Marcelo Camargo, de Belo Horizonte, é outro defensor ferrenho tanto do planejamento quanto do ritmo pré-definido. "O resultado em uma maratona é reflexo do que foi realizado durante os treinamentos. O ponto de partida para o controle será escolhido no início da temporada, com referências através de parâmetros fisiológicos como VO2 máximo, limiar anaeróbio, frequência cardíaca ou ainda a percepção subjetiva de esforço e da velocidade", afirma. "Assim, o atleta saberá exatamente qual ritmo será capaz de correr durante uma grande distância."
De acordo com Marcelo Camargo, essa cadência pré-determinada deverá obedecer e respeitar variações externas, como altimetria, temperatura, umidade relativa do ar, desidratação… "Um bom controle poderá ser feito a cada quilômetro ou, em provas internacionais, a cada milha. Caso essa fixação incomode, então, a cada 5 km, o corredor será capaz de se orientar. Assim, vai aumentar ou diminuir a velocidade para que, ao final, esteja dentro de uma das metas estabelecidas. O que não faz sentido é largar em uma maratona sem parâmetro algum e ao longo da prova alterar drasticamente o ritmo", completa o treinador mineiro. Logo, a sugestão de Marcelo Camargo aos leitores e maratonistas é: "Estabeleça uma estratégia para a prova e siga fielmente o planejado, controlando o ritmo durante todo o tempo".
ALTERNATIVAS. A preparadora física e maratonista Gisele Campoli, de Campinas, estará em Buenos Aires, em outubro, para os 42 km. Tanto ela quanto alguns alunos estão em treinamento para a prova. "Não importa se o corredor termina o trajeto em 3, 4 horas ou mais. Quando chega a competição, todos os meses de treino duro, dedicação e disciplina passam na cabeça como um filme, e então definir o plano de ataque no dia ‘H' nem sempre é tarefa fácil", afirma. "A decisão estratégica começa por um estudo da disputa em questão. Identificar o percurso, altimetria e média de temperatura local vai ajudar o corredor a compreender se aquele percurso favorece o split negativo, ou seja, fazer a segunda metade da prova mais rápido do que a primeira, ou se naquele local costuma esquentar com o passar das horas", afirma Gisele.
Para ela, correr com o olho no relógio é uma decisão inteligente. "Não existe uma regra a seguir. Alguns preferem marcar as passagens a cada 5 km, outros a cada 10 km; enfim, essa deverá ser uma decisão tomada entre corredor e técnico, se tiver. E a preparação dirá a cada um que ritmo é o melhor. Não adianta querer fazer pace progressivo no dia da prova se você nunca fez um treino desse tipo. Se o longão foi sempre em velocidade constante, é melhor que a estratégia da prova seja manter um ritmo igual do início ao fim", completa Gisele.
Segundo a treinadora, independentemente da estratégia, o principal é chegar na maratona com planos A, B e C bem definidos. "Para isso, fazer a leitura da corrida antes é fundamental para definir qual plano seguir. Verificar no dia se a temperatura e a umidade estão adequadas para executar o plano A, ou seja, dando tudo certo. E já ter em mente outra estratégia, um plano B, caso ocorram imprevistos como chuva e vento forte. Se tudo der errado, e a fadiga lhe derrubar, partir para o C que é ‘completar' do jeito que der, mas voltar para casa com a medalha no peito e com os aprendizados que cada maratona deixa para cada um de nós, que nos propomos a percorrer os 42.195 metros", afirma Gisele.
ESTRESSANTE. Já para o professor de educação física Diego Lopez, de São Paulo, essas opções de estratégia não têm uma regra fixa. "Vai das características de cada corredor e do objetivo com a prova. Se a maratona for usada como treino (para outro objetivo, como uma ultra, por exemplo), as marcações nos pontos tradicionais são recomendadas. Se a competição for de performance (busca de recordes pessoais), vai da ‘conversa' do esportista com o corpo e da resistência à dor. Se for optar pela segurança, o controle a cada 5 km é o ideal. A cada quilômetro é muito estressante."
Resumindo toda essa história, existem diversas maneiras de correr uma maratona; não há certo ou errado, o importante é definir o que é melhor para você. E isso virá com a experiência, com a experimentação. Se gosta de controlar a cada quilômetro, faça isso. A cada 5 km? Tudo bem. Pela sensação de esforço (aí, precisa se conhecer bem), nenhuma contraindicação. Em passagens pré-determinadas, com um tempo a cumprir nos 10 km, 21 km, 30 km e 35 km? Outra opção.
O único ponto que os treinadores e corredores ouvidos pela Contra-Relógio chegaram a um consenso é que para enfrentar os 42 km apenas com o sofrimento normal da distância, é preciso se preparar bem, porque com certeza a chance de algo dar errado será bem menor.
Várias formas de controle
Das 13 maratonas que corri até o momento, já experimentei todas as formas de controle. Até o descontrole, quando você corre como dá! A cada quilômetro; a cada milha; sem relógio, só na sensação de esforço (até porque logo após a largada o GPS pifou); a cada 5 km; pelas passagens dos 10 km, 21 km, 35 km e 40 km; a cada 2 km… Pessoalmente, acho muito complicado controlar quilômetro a quilômetro. Parece que o tempo não passa. Estressa. A cada milha, em eventos no exterior, pode ser bem interessante (são 26 pontos de controle, mas nesse caso, é preciso entender bem as fórmulas para não se perder caso o plano A vá embora). Também não gostei de 2 em 2 km com o GPS programado.
Para mim, a melhor estratégia é ter a meta estipulada (com base no que fiz nos treinamentos, nos longões, e em provas recentes de referência, de 10 km e 21 km) e fazer o controle, por tempo, de 5 em 5 km, dentro de uma margem. Ou seja, por exemplo, 20:15 a 20:40 a cada 5 km (no cronômetro mesmo). Assim, caso esteja mais rápido ou mais lento, você consegue "corrigir" logo, sem comprometer o corpo. Além disso, considero importante fazer um controle na marca dos 21 km. Tenho a sensação de que, dessa maneira, a maratona fica mais gostosa e passa "rapidamente". Será essa estratégia que irei usar em Buenos Aires, em outubro, nos meus próximos 42 km.
(André Savazoni)
Estratégia igual e resultado diferente
Com 40 maratonas nas costas, considero que correr os 42 km em ritmo pré-estabelecido apresenta mais pontos positivos que negativos, mas tem muito a ver com a personalidade do corredor. Vamos lá!
Em primeiro lugar, não é possível estabelecer um tempo de conclusão, ou o ritmo que se pretende fazer, sem ter como base o que se conseguiu nos últimos longões, sem dúvida o principal parâmetro. Mesmo que a distância não tenha passado de 35 km nos treinos, na prática sabe-se que se chega à prova mais descansado do que em uma semana normal e, portanto, é possível projetar o ritmo das sessões longas para a maratona.
Definida, então, a velocidade, mesmo com critério bem real, temos duas situações. Ela poderá se mostrar, no dia, abaixo do que teríamos condições de fazer, porque o clima e o percurso são favoráveis, e se está em ótimo astral. Dessa forma, termina-se com sobra e não se consegue o recorde pessoal na distância, por culpa de seguir o relógio.
O inverso também pode acontecer, obviamente, e assim a consequência é ainda pior, já que poderá levar o atleta a quebrar no terço final. Insiste-se na cadência planejada, mesmo com algum sofrimento, aí ela despenca e o resultado será um tempo bem acima do estimado.
Então, qual estratégia usar? Considero que para os que são mais entusiastas, mais aguerridos, a melhor opção seja seguir o relógio, pelo menos até os 30 ou mesmo 35 km, e só então correr do jeito que se está sentindo no dia, o que vai significar aumentar o ritmo.
Para os de personalidade menos confiante em suas capacidades, ficar de olho no relógio é uma maneira de receber um estímulo e de se assegurar que está tudo sob controle e, portanto, que se vai conseguir completar os 42 km dentro do tempo desejado.
Isso tudo em teoria, porque na prática não é bem assim, como fica claro em minha performance na primeira e na última maratona que corri. Na primeira, em Blumenau 1992, segui meu corpo e não as recomendações de minha treinadora Silvana Cole, que com base na preparação que tinha feito me pediu para passar a meia em 1h35, o que permitiria completar entre 3h10 e 3h15.
Em parte, por causa de meu histórico de ciclista, larguei e fui na cola de alguns corredores, esquecendo completamente de ver as passagens, até que na marca de metade do percurso descobri que tinha feito em 1h29. Fiquei um pouco assustado, segurei o ritmo, mas nesse instante passou outro grupo… e lá fui eu. Acabei completando em 3:04:30, ainda meu recorde pessoal.
Na minha última, em 2012, fui a Punta del Este, no Uruguai, tentar índice para a Maratona de Boston, ou seja, teria que completar em até 4h10. Estava bem treinado e confiante, e saí mais rápido do que precisava, mas como me sentia bem, fui em frente. Passei os 21 km em 1h57e fiquei animado, até projetando, quem sabe, fechar em menos de 4 horas. Não sabia, mas estava me iludindo, como constatei ao chegar ao km 30 em 3h02 e principalmente nos últimos 10 km, com um vento meio contra, para piorar. Aí o desânimo chegou forte e fui me arrastando para a chegada, em 4h18, bastante irritado por não ter me controlado e seguido o relógio.
As estratégias foram iguais, mas os resultados bem diferentes, talvez porque 20 anos separam as duas maratonas.
(Tomaz Lourenço, editor da CR)