Blog do Corredor Performance e Saúde André Savazoni 20 de dezembro de 2011 (18) (241)

Correndo baseado na sensação de estar correndo

A parafernalia eletrônica está enraizada em nossa cultura. Celulares de última geração fazem fotos, filmam em tecnologia de DVD, acessam a internet de dentro d’água e até fritam ovos (sua função menos usada é a de telefone), GPS, computadores pessoais, leitores digitais de livros, a família “Ai” (iPhone, iPad, iPod, iCaramba…)… Na corrida, tudo igual. Basta ir em algumas provas e, nesta época de Natal, temos inúmeras “arvores natalinas”  de pernas e tênis, com dois relógios (um cronômetro e outro GPS), celular, fone de ouvido… entre outros apetrechos. Juro que às vezes chego até a ver unas bolas vermelhas e até um Papai Noel pendurados! Nada contra essa era da informática, os GPS ajudam e muito nos treinamentos (têm minha defesa), ainda mais para quem como eu gosta de sair correndo pelas ruas. Distância e ritmo médio influenciam na melhora do desempenho. Ótimo. Mas não podemos criar uma dependência tecnológica.

Em alguns treinos, não olho qualquer vez para o relógio. Procuro, somente pela sensação, correr no ritmo traçado pela planilha. Não é fácil. Consegui, uma vez, fechar 16 km em 5:10 por km, exatamente o previsto, dessa maneira, sem acompanhar o ritmo pelo GPS. Saber dosar a velocidade, sentir realmente quando apertar ou diminuir as passadas, um conhecimento fundamental na corrida. Dominando essa técnica (claro que nunca será 100%, porque não somos máquinas calculadoras), você ficará mais rápido e mais forte.

Domingo passado (18), corri a etapa de Verão do Circuito das Estações em São Paulo, a convite da Adidas, sem relógio, GPS. Sentindo a respiração. Não fui para fazer tempo, mas gostei demais da experiência. Nunca tinha corrido uma prova sem qualquer referência. Nem na estreia nos 10 km! Pretendo repetir a dose. E em corridas nas quais vá para buscar o recorde pessoal. Sentir até onde posso chegar. Fechei a prova inteiro, com 41:46, sempre tendo o controle, apertando nas descidas e no plano, segurando nas subidas. Pela passagem do tapete dos 5 km, com 20:44, fui praticamente constante o tempo todo.

Ainda não posso divulgar uma conclusão pessoal porque preciso de mais embasamento, mas acredito que muitas vezes acabamos, mesmo sem pensar ou querer, colocando um “freio” psicológico. Está correndo uma prova forte, sentindo-se bem, controlando a situação, mas ao olhar para o GPS e verificar a médica, pensa: “Opa, nesse ritmo vou quebrar. Não vou aguentar”. E “tira o pé”. Intuitivamente, reduz a velocidade para se proteger de algo que nem sabe realmente se vai ocorrer. Não está ofegante, nem cansado, nem nada, mas mesmo assim, adoto o bloqueio psicológico. Será que é isso mesmo?

Fica a dica. Em alguns treinos, não só nos regenerativos ou de rodagem, com base no tempo, mas nos de ritmo e velocidade (incluindo algumas provas) que tal largar sem nada nos braços ou ouvidos? Baseando-se apenas na sensação de estar correndo?

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18 Comments on “Correndo baseado na sensação de estar correndo

  1. Sabe a Marily dos Santos, maratonista olímpica? Seu marido e treinador declarou que o cronômetro que ela usa em treinos e provas não marca nem parciais, apenas a partida e a chegada. Juro que o dia que eu ver a Marily, o Marilson, o Haile ou algum outro queniano ou etíope topa correndo de GPS e demais penduricalhos eu começo a pensar em comprar um. Enquanto isso não ocorrer, fico com meu Timex de 30 laps que tá ótimo pra mim.

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    Julio Cesar, é isso mesmo sobre os atletas de elite. Claro que não dá para copiarmos esses corredores, mas são um bom parâmetro mesmo. Mas volto a dizer, em boa parte do treinamento, os relógios com GPS ajudam bastante, dão uma referência excelente. O que não podemos é criar uma dependência.

    Abraço,
    André Savazoni

  2. Oi André,
    Concordo com você, nos tornamos muito dependentes do relógio tanto nos treinos e provas. Parei para pensar e percebi que desde quando comecei a correr nunca foi sem o relógio, dá para acreditar! Vou fazer igual você, começando pelos treinos e quem sabe em uma corrida também. São paradigmas que temos que quebrar.
    Parabéns pela corrida domingo, você correu bem pra caramba e sem o relógio! Imagino que fazendo isso a pressão da corrida diminui sobre a questão psicológica.
    Um grande abraço!

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    Então, Daniela, é essa a questão que quero analisar, a pressão da corrida x questão psicológica.

    Veja, corri como treino, cheguei bem demais ao final, com 41:46. Com exceção de Santos, que fiz 40:00, fiz duas provas para 41:12 (Itatiba) e 41:23 (Track&Field Villa-Lobos), chegando com sofrimento. Totalmente diferente de agora, na Adidas. E o percurso do Circuito das Estações é muito mais difícil do que as duas provas. Acho que a próxima sem relógio será a São Silvestre, rs.

    Abraço
    André Savazoni

  3. Putz André, esse texto vem de encontro o que senti domingo na mesma prova da Adidas. Pois corri sem meu cronometro, um Garmin.

    E acredite: foi muito bom apenas correr livre de qualquer referencia de tempo, pace, parciais.

    Já corri mais de 110 provas nesses últimos 5 anos, mas nunca sem relogio.

    Eu sou a prova viva que, o fator psicologico atrapalha sim a performance nas provas.

    Tanto que nas futuras provas irei sem relógio. Apenas na sensação de correr.

    Abraço

  4. Ah, esqueci de mencionar: passei nos 5 km 19’49 e fechei com 39’55. Muito pouca a diferença entre a primeira parte e a segunda.

    Parabéns pelo texto.

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    Angelo, você correu mais forte do que eu, a diferença foi de 17 segundos entre as duas passagens, sem relógio. Fiz um ritmo mais conservador (e larguei mais atrás), usei como treinão de luxo com gente entregando água para mim (rs), e a diferença foi de 18 segundos. Em base, por causa dos dois quilômetros de subida na Avenida Pacaembu. Ou seja, praticamente constante, sem relógio!

    Abraço
    André Savazoni

  5. Sou dependente dos relógios. Meus tempos melhoraram muito mais com o GPS. Agora talvez seja a hora de tentar ficar sem, mas não consigo.

    Posso até tentar correr sem olhar pro relógio (o que é quase impossível), mas mais impossível é correr sem o Garmin. Numa prova com chip e tal, até vai. Mas em treinos não dá pra ir sem. Não pra mim, amador.

  6. Deixa eu fazer um contraponto, André. O problema normalmente não é em usar a tecnologia, mas em usar mal, para a coisa errada.

    Estava conversando com uma amiga jornalista sobre sites de log de treinos e as alternativas de correr com GPS ou com celular etc. Na minha modestíssima opinião, os sites são +/- equivalentes em ferramentas e features de dados. Mas o mais importante que você tem que registrar depois de um treino é o que você sentiu, não quanto ou quão rápido correu. Isso deixa para o GPS que ele faz bem. Mas se você estava cansado, desanimado, com dor no lado do joelho, por exemplo, só você pode saber. Da mesma forma, como foi o seu sono, o que você comeu etc. Tudo isso pode formar, com o tempo, uma base interessante para você e seu eventual treinador.

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    Luis, é isso memo. Por isso que falei de correr com a sensação de estar correndo. E, como escrevi no texto, preciso de mais provas correndo sem nada para fundamentar (a favor ou contra), mas acredito hoje que muitas vezes temos essa “sensação” bloqueada por frequencímetros, GPS e cronômetros.

    Abraço
    André Savazoni

  7. Mas agora, não dá pra falar “se o Marilson não usa, eu também não preciso”. O ponto é justamente este. O Marilson acumulou kilometros e kilometros de sensações de correr. Ele pode não usar GPS (não sei se é o caso) justamente porque não precisa mais.

    Quem é amador, que faz seu treininho diário e acumula kilometragens de dois dígitos por semana precisa de toda ajuda do mundo. Precisa acumular esses dados e relacioná-los às sensações.

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    Luis, só uma coisa: realmente, não dá para comparar com a elite, porém, se treinarmos sempre com o GPS, por exemplo, nunca conseguiremos chegar ao ritmo de correr pela sensação de estar correndo.

    Abraço
    André Savazoni

  8. E tem mais: as vezes é preciso usar o GPS pra comprovar que você de fato foi ao treino, conforme combinado, as 4:30 da matina. E tomou bolo.

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    Sei, esse negócio de GPS para comprovar presença…. Para quem não sabe, dirigi 650 km de Jundiaí até Jaraguá do Sul, para participar da Meia de Pomerode (onde houve a marcação de ritmo da Contra-Relógio). Fiquei dois dias na casa do amigo Caio Mandolesi e, na sexta-feira, marcamos um treino às 5 horas (isso mesmo, da manhã) em Jaraguá do Sul. E teve gente que não apareceu, não, é, Luís? O pior é que garante que o GPS confirma sua presença no treino. Mais um motivo para não acreditar no GPS, rs.

    Abraço
    André Savazoni

  9. Então, este é o meu momento…como estou treinando para um evento inédito, com umidade do ar de 7% e altitude de 2.400m, acrescidos de subidas e descidas, não dá para prever o rítmo de prova. Tenho treinado num calorão infernal e clima úmido, nada a ver com as condições que encontrarei no Deseerto do Atacama. Fico mais segura saindo para correr sem olhar para o garmin, que só tem a função de aferir as distâncias percorridas! Estou adorando a experiência de treinar sem saber exatamente o que encontrarei no dia da prova e já preparada para fazê-la a partir das sensações físicas e emoção!

  10. Em 2011 passei a fazer alguns treinos de tiro sem cronômetro (utilizando somente a sensação de esforço) pois quando obtinha resultados aquém do planejado, ficava com sensação de frustração. Estava na realidade criando uma pressão psicológica em mim mesmo. Acho extremamente válido treinar sem cronômetro em alguns momentos e utilizá-lo em outros para avaliar o desempenho. Não devemos ficar escravos do relógio, mas também não é necessário abolir completamente seu uso.

  11. Oi André, engraçado mas este ano corri em Curitiba uma etapa da Adidas sem meu GPS (deu pau na manhã da prova) e foi o meu melhor tempo até hoje nos 5KM, comentei com meu treinador e ele disse exatamente o que vc disse no texto … é importante sentir o corpo e escutar as passadas e a respiração …abçs

  12. Já fiz muitos treinos sem cronômetro, geralmente quando acaba a pilha e eu levo alguns dias para trocar. Tenho meu trajeto de treino todo demarcado no chão, km por km. Comprei uma lata de tinta amarela spray e saí com minha bike marcando até o km 7, então tenho um trajeto de 14 km de ida e volta com marcação 100% precisa. Geralmente quando é regenerativo eu faço sem cronômetro. Fiz algumas provas sme cronômetro também, mas acho que em provas dá pra fazer somente até 10 km sem relógio, de meia maratona pra cima é bom controlar o ritmo.

  13. Sou mais um refém do GPS. Depois de muito tempo, minha última prova desse ano foi sem relógio, em razão da pulseira do Garmin que estragou. Foi uma sensação bem diferente, com certeza fica mais solto, mas para provas acho que só funciona se estiver muito bem treinado! É exatamente por isso que os elites praticamente nem precisam de cronômetro. Se não estiver tão na ponta dos cascos, acho que o GPS ajuda a dividir melhor a estratégia da prova. Abs

  14. Existe um circuito de competição aqui em BH que é definido por regularidade. Corre-se sem qualquer tipo de equipamento de marcação de tempo. O atleta precisa dizer em quanto tempo vai fazer a distância. Ganha a competição aquele que conclui a prova no tempo mais próximo ao que foi informado na largada. É bem interessante também esta prática nos treinos. Quebra-se um pouco o gelo do treino introduzindo este desafio da regularidade e do autoconhecimento. Abcs.

  15. Eu tenho uma opinião que pode ser oposta. A que o GPS ou o relógio podem ser o incentivo pra manter o pace. É o “opa, o ritmo tá caindo, falta pouco, faz um pouquinho mais de força que dá”! Já aconteceu comigo algumas vezes e foi um bom combustível psicológico, num momento em que a minha percepção de esforço, já cansado, era a de estar indo mais rápido do que realmente estava… mas acho interessante de correr sem amarras de tempo, e gosto de correr assim, às vezes. Meu tempo de 10k foi conseguido assim, correndo solto, sem nada, só vi o resultado em casa. Eu creio que saber o seu próprio ritmo e ter um velocímetro interno é um negócio, no mínimo, interessante. No final das contas é você e seu corpo mesmo, oras.

  16. ESta situação que o Nishi descreveu é perfeita. Existem duas alternativas para usar o GPS, por exemplo:

    1. no piloto automático, deixando que o aparelho comande e dite o ritmo. Basta olhar e obedecer; ou,
    2. usar como feedback, como acessório da da percepção, confirmando se o que estamos sentindo está de acordo com a realidade e descobrindo o que estamos deixando de perceber. Aprendendo, enfim.

    Dá pra fazer sem GPS? Dá, mas demora alguns anos. Sabendo usar, o GPS é um instrumento muito, muito valioso e que pode acelerar o processo de aprendizagem. O mesmo vale para o frequencímetro.

  17. Estou engatinhando nos treinamentos para corridas e nesse período eu acho que o GPS é um incentivo muito bom.
    Ver seu rendimento melhorando ou piorando, registrado no GPS, é útil para realimentar a vontade.
    É igual a aprender a andar de bicicleta. Primeiro de rodinhas, depois a gente tira.

  18. Aos 39 anos, redescubro a prazer que tinha em correr quando ainda era criança. Estou correndo sem relógio (ou quase, em cada esquina tem um), meu esforço é ad libidum, corro com prazer (tem muito esforço envolvido nisso tudo).
    Já abandonei a “aspiração” de ser o campeão olímpico da maratona, então é só busco o prazer que têm os cavalos, lobos, golfinhos, etc em sairem correndo (ou nadando).
    Correr descalço e na chuva também faz parte desse resgate.
    Relembrando o passado, vejo que as minhas melhores provas foram sem relógio – em prazer e em desempenho.

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