A gente sabe que algumas pessoas têm mais aptidão para correr do que outras e com a musculação ocorre o mesmo quanto ao desenvolvimento da massa magra. Alguns indivíduos hipertrofiam (mais músculos) e/ou criam resistência mais rápido do que outros e por isso mesmo a musculação tem infinitas formas de se fazer para dar certo e atingir determinado objetivo.
Isso tem a ver com o tipo físico e essa questão do biótipo x desenvolvimento de massa muscular "dá pano pra manga" por ter a ver, além do tipo físico, com a raça, a personalidade, o passado esportivo e tipo de vida na infância. Exatamente por isso é que algumas pessoas têm mais facilidade de praticar modalidades esportivas diferentes. A musculação é um mundo ilimitado de métodos e formas de treinamento. Quando não dá certo de um jeito tenta-se de outro.
De um modo geral o corredor tradicional tem um tipo físico que na Educação Física chamamos de Ectomorfo Dominante. Segundo a classificação mais aceita, refere-se ao sujeito de estrutura corporal delicada, frágil, com segmentos finos, crânio relativamente largo, queixo ponteagudo, nariz e pescoço finos, tórax aplainado e longo, escápula alada, ombros arredondados, braços longos e finos. O tipo magro clássico meio franzino lembrando muito bem os quenianos.
Se para correr esse tipo físico tem facilidade, na musculação a dificuldade de desenvolver músculos é certa. Um sujeito ectomorfo por si só carrega pouco músculo. Teoricamente, ganhar massa muscular significa induzir o corpo a depositar proteína e para que isso aconteça é preciso estoque de glicogênio abundante, que também tem relação com o tamanho dos músculos.
Na prática já se sabe que a maioria dos ectomorfos não se adapta às tradicionais séries de musculação 3 x 8 a 12 repetições com 85% da sua carga máxima. Já vi alguns resultados razoáveis, utilizando 2 séries com mais repetições a 70% da carga máxima, com intervalo curto, visando esgotar os estoques de glicogênio, para que o corpo promova uma supercompensação desse combustível.
Essa teoria está calcada no tempo de estímulo muscular passando de 30 segundos com mais repetições. O resultado esperado é que havendo mais glicogênio disponível, haverá mais espaço, por assim dizer, para proteína. Claro, isso significa que um nutricionista deve entrar também no circuito, pois o ideal é conjugar a carga de exercício com a alimentação adequada.
Esse tipo de treinamento tem a ver com o de circuito que apresentamos na edição de abril e se adapta muito bem ao corredor com essas características físicas do ectomorfo.
Mais músculo, menos velocidade? Bobagem! Quem me acompanha há anos sabe que defendo a musculação consciente para o corredor, mesmo que isso signifique desenvolver mais músculos, embora eu saiba da existência de uma grande resistência por parte do corredor, que associa mais músculos com menos velocidade. Ledo engano!
Eu poderia citar aqui um monte de trabalhos e nomes de pesquisadores que atestam em síntese que, no mínimo, o trabalho de força promove uma economia de movimento pelo simples fato de aumentar a eficiência mecânica, melhorar o gesto esportivo e, por conseguinte economizar oxigênio. Significa correr mais rápido, por maiores distâncias cansando menos.
Nessa questão de economia de movimento já foram comparados grupos de corredores que apenas correm com corredores que além de correr fazem musculação. Embora a diferença de tempo não tenha sido tão significativa, o resultado foi que o segundo grupo terminou, como acontece também nas competições, menos cansado.
Por trabalhar mais o sistema anaeróbio, a musculação induz o corredor a suportar por mais tempo o acúmulo de lactato, principalmente nas competições onde, por questões lógicas, queremos sempre diminuir o tempo. Isso aumenta o acúmulo de lactato e o treinamento de força ajuda a suportar.
Na questão do Volume Máximo de Oxigênio (VO2 máx.), valor fisiológico que o corredor sempre se interessa, experiências bem conduzidas mostram que no treinamento de força, utilizando mais carga e poucas repetições, o aumento é pouco significativo. Em contrapartida, os treinamentos em circuitos se mostraram um pouco mais favoráveis.
Outro dado fisiológico que já faz parte da cartilha do corredor são os valores de freqüência cardíaca, máxima, de repouso e de treinamento ou zona alvo. Os mesmos experimentos mostraram que o treinamento simultâneo de força e resistência (musculação e corrida) não alterou a FCM, mas influenciaram na freqüência de repouso.
Isso eu mesmo posso comprovar. Hoje não corro longas distâncias, apenas de 5 a 10 km, mas, nado, pedalo em bicicletas de spinning, faço musculação e a minha freqüência cardíaca de repouso é tão baixa quanto nos tempos que corria maratona. Quando deixo de fazer a musculação, ficando somente com os aeróbios, que acabam sendo poucos, esses valores aumentam.
Menos peso, mais repetições, pouco descanso. No treino de corrida o corredor está acostumado ao volume de treino semanal traduzido em quilômetros. Na musculação também tem isso. Uma boa forma de avaliar o volume de treinamento de um músculo ou grupo muscular é multiplicar o número de exercícios pelo número de repetições e a carga levantada traduzido em kg. Por exemplo: Exercício para o peitoral; supino reto. Uma série com 15 repetições e carga de 45 kg. Exercícios 1 x 15 repetições x 45 da carga. Resultado 1 x 15 x 45 = 675 kg. Obviamente se forem duas séries, multiplica-se esse resultado por dois e assim sucessivamente.
Dessa forma temos uma avaliação bem objetiva na questão do volume. Com menos peso e mais repetições é possível submeter o músculo a um estresse maior e com uma boa margem de segurança. Vejam porque. Um indivíduo que faz uma série de 15 repetições no supino reto com 45 kg não consegue fazer 10 repetições com 67,5 kg, que seria a divisão de 675 kg por dez. Logo, se desejamos ganhar força e resistência, que são as valências físicas mais apropriadas ao corredor fundista, principalmente do tipo físico magro e ossatura fina (ectomorfo), o treinamento de musculação deve ser com menos peso, mais repetições e menor tempo de descanso, em torno de 20 a 30 segundos.
O corredor com outras características físicas, mais forte e mais corpulento (Mesomorfo) pode suportar outros tipos de treinamento na musculação, pelo simples fato de possuir músculos mais fortes, ossatura mais larga, ombros largos, tronco e membros proporcionais. Não costumam ser campeões em maratonas, mas no triatlo se destacam justamente pela força física somada à resistência.
Terceiro tipo físico. Um terceiro tipo é o Endomorfo, cujas características são: cabeça larga e arredondada, pescoço curto e grosso, tórax grosso e largo, braços curtos, abdome largo, cintura ampla, nádegas e pernas grossas e pesadas. Geneticamente têm forte tendência a engordar. Na musculação o treinamento com pouco peso e mais repetição e/ou os circuitos são mais indicados.
Como a tendência à obesidade é um fato, a corrida de longa distância funciona como um remédio para ser praticado a vida toda visando qualidade de vida. Nessas corridas afora temos visto grandes exemplos de superação de ex-obesos subirem inclusive no pódio em suas faixas etárias. Mas quando param de treinar e/ou se descuidam voltam a engordar.
Vale lembrar que músculo não se transforma em gordura e muito menos o contrário. Gordura e músculo são tecidos diferentes e quando o sujeito pára de treinar acumula gordura e os músculos atrofiam. Quando volta a treinar diminui o percentual de gordura, os músculos voltam a ficar mais fortes e dependendo do tipo de treino ficam hipertrofiados. Treinos para desenvolver força e hipertrofia são diferentes por envolver alvos energéticos diferentes.
Entretanto uma das formas de desenvolver força máxima é submeter o músculo ou grupo muscular a um número máximo ou maiores de repetições. Assim, ao desenvolver força e resistência estaremos desenvolvendo também alguma hipertrofia que, repito, ao contrário à crença de muitos corredores, não traz nenhum prejuízo ao desempenho.
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Treino parcelado de musculação