No início de julho, despertou curiosidade receber a notícia de que estrearia uma peça em São Paulo chamada Maratona de Nova York. E mais: apoiada pela marca esportiva Asics – patrocinadora oficial também da maratona na Big Apple. Corrida em cena? Pois é. Fui conferir.
Texto do italiano Edoardo Erba, com direção de Bel Kutner e interpretações de Anderson Müller e Raoni Carneiro, o espetáculo mostra dois corredores, por volta dos 30 anos, que se dedicam a uma única ação central durante a apresentação: correr para se preparar para a Maratona de Nova York – a maior e mais desejada do mundo.
Os diálogos são simples e ágeis – às vezes engraçados, às vezes dramáticos – e revelam os medos, as inseguranças e os desejos de superação dos atletas que se dispõem a enfrentar um desafio pessoal (como os 42,195 km de uma maratona), além de mostrar a interação entre os amigos, com brincadeiras, piadas, discussões mais sérias e profundas reflexões sobre a vida.
Gente como a gente – Mario, interpretado por Müller, tem personalidade leve e é brincalhão, do tipo que se questiona até por que é que está correndo. Já Steve, personagem de Carneiro, é um rapaz determinado, severo consigo mesmo, que vê sua superação na corrida como uma forma de "dar o troco" para a vida. Impossível não se enxergar na pele ora de um, ora de outro, além de rir e de se emocionar. Por vezes dá vontade até de se juntar a eles na corridinha no palco e dizer: "comigo também é assim".
Deixei o teatro aquela noite querendo entrevistar os atores. Sei que existe toda uma preparação para compor os personagens – mas eles deviam ter algo mais do que preparo, minha intuição dizia que eram apaixonados por corrida, como um de nós.
A entrevista foi agendada para a semana seguinte. E lá fui eu para o teatro no dia marcado, levando na bolsa a minha medalha da Maratona de Nova York – corri a prova em 2008.
Antes de começar a matéria, mostrei a medalha para os atores e brinquei dizendo que poderiam, finalmente, tê-la no pescoço. Vi seus olhos brilharem. "Que emoção! Olha isso aqui Anderson", disse Raoni. "É de verdade? Você correu a Maratona de Nova York? Nossa…", completou Müller.
SUPERAÇÃO DIÁRIA. Tinha ouvido falar que Anderson Müller era corredor, mas não tinha ideia do quanto era fanático pelo esporte. "Comecei por causa de um assalto. Tinha uns 15 anos. Estava no Leblon e o ladrão mandou que eu corresse sem olhar para trás. Mesmo sendo gordinho, não pensei duas vezes: fui ligeiro até Copacabana. Cheguei em casa acabado, minha mãe fez massagem em minhas pernas… Mas percebi que podia correr", contou.
Daquele dia em diante ele passou a se exercitar todo final de tarde: "Comecei correndo cinco minutos, andando dez… E fui aumentando o tempo de corrida". Hoje, aos 42 anos, seis meia maratonas e duas maratonas completadas, Müller treina seis vezes por semana: "Meu dia só começa depois que eu corro. Saio de manhã para fazer 45 minutos, mas acabo passando de uma hora, tentando superar o dia anterior".
Já Raoni Carneiro, 30 anos, sempre foi do esporte. "Desde pequeno gostava de correr, acompanhando meu pai. Também praticava várias modalidades alternativas, mas não abandonava a galera do atletismo".
SUOR EM CENA. Embora tenham tido uma preparação específica para o movimento da corrida em cena, com a supervisão da coreógrafa Denise Stutz, a bagagem esportiva dos dois foi fundamental para encarar os 75 minutos da peça correndo no lugar. "É um trote mais lento, dando a intenção de aumento de velocidade conforme a história avança", explica Müller. "E a gente ainda tem de seguir as marcações, interpretar, fazer rir…", completa, revelando porque termina o espetáculo banhado em suor. A plateia se encanta com os personagens em cena. E mesmo quem não corre acaba se identificando. "O paralelo que o autor faz da vida com a corrida é o mais fascinante", vibra Müller.
Eles confessam que também têm seus dias de Mario e Steve. "Tenho a pureza e a criancice do Mario, assim como a determinação do Steve, que vai à luta por um objetivo, e é um daqueles amigos que não fala só o que o outro quer ouvir. Ele cutuca, faz o outro pensar, sair da zona de conforto. Corrida mexe com as emoções – e em cena é bem isso que mostramos. A gente sai para correr e tudo de ruim fica pelo caminho, sai tudo com o vento", diz Müller.
Raoni fala muito igual a seu personagem. "Sempre treinei tendo em vista um objetivo. E procuro reverter os resultados dos exercícios em benefício da qualidade de meu trabalho. Mas claro que também obtenho ganhos pessoais: depois de uma corrida meu estado de espírito muda. Pode acontecer qualquer coisa, que me sinto pronto para encarar".
Os maiores desafios. O papo entre corredores estava ótimo – Müller brincou dizendo que estávamos fazendo uma espécie de terapia. Mas logo eles precisariam entrar em cena. Então, para encerrar, perguntei quais tinham sido seus maiores desafios, suas maiores superações, na corrida e na vida.
"A minha primeira corrida, a do assalto, foi meu momento mais marcante. Ali tive a certeza de que seria capaz de muita coisa. Na vida, o grande desafio foi conseguir educar meus filhos, transformá-los em pessoas do bem (ele tem dois filhos, de 18 e 20 anos, e uma enteada, de 27)", disse Müller, emocionado.
"Eu tenho grandes momentos de superação diariamente. Na corrida, por exemplo, pode ser aquele instante que você pensa que vai parar e depois arruma força e decide continuar. Na vida, ser pai é um desafio e tanto. Mas o maior foi ter me firmado como ator. Saí de casa aos 15 anos para ser ator e hoje, com grande felicidade, vivo da minha profissão", finalizou Carneiro.
EM CARTAZ
Depois da curta temporada em São Paulo, a peça Maratona de Nova York segue em agosto para o interior paulista, passando por cidades como São José dos Campos, Bauru e Botucatu. A ideia, depois, é retornar à capital.
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CORREDORES DE VERDADE? Que absurdo, todo ser humano por definição evolutiva é um corredor. o que existem são mais corredores e menos corredores, mas todos nós somos corredores.