Muitos corredores só tem um assunto quando se encontram: comida. O que comeram antes e o que comerão após o treino. E quando não estão conversando sobre isso, estão pelo menos pensando no assunto. Podem estar no meio de um treino, imaginando tudo o que irão devorar assim que chegarem em casa. Vive-se para correr e comer. E, quando a fome aperta, o treino fica mais lento, enquanto a velocidade de mastigação na hora da refeição fica mais rápida.
O problema é que, quando se engole a comida, o alimento fica menos satisfatório do que deveria ser, pois sabores, texturas e aromas não são totalmente percebidos. O prazer diminui. Quando o alimento não é verdadeiramente apreciado, a sensação de insatisfação aparece. Mesmo quando o prato é repetido ou quando se pede uma sobremesa, parece que ainda falta alguma coisa. O resultado da mastigação rápida e do consumo exagerado de alimentos em um único horário também pode desencadear uma sensação ruim de peso no estômago ou sintomas da má digestão.
Outros corredores estão frequentemente preocupados com a quantidade de calorias dos alimentos, seja por desejarem emagrecer para correr mais rápido, seja porque se sentem sem energia e com a sensação de que deveriam estar se alimentando de forma mais apropriada. A performance depende da disponibilidade adequada de energia, água e micronutrientes. Pensar unicamente em calorias, sem dar atenção à qualidade da alimentação, prejudica a saúde, o reparo muscular e a imunidade.
Os corredores que se premiam com qualquer comida podem estar consumindo calorias demais e vitaminas e minerais de menos. Muita gente pensa: "corro todos os dias, tenho direito a comer o que quiser". E é verdade; nenhum alimento é proibido. Contudo, quando se opta por quantidades excessivas de alimentos processados, como bolos, biscoitos, refrigerantes ou doces, cria-se uma situação de desequilíbrio entre os nutrientes consumidos.
Carboidratos não podem faltar, porém, em excesso, favorecem o acúmulo de gordura, a inflamação e a perda de nutrientes. Alimentos fontes de carboidratos simples também costumam ser pobres em zinco, ferro, selênio, magnésio, cálcio e vitaminas antioxidantes. Estes nutrientes são importantes para a geração de energia, a contração e o relaxamento muscular, além da prevenção de lesões.
Não há nada de errado em se querer um pedaço de pizza após o treino. O problema é quando se come quantidades gigantescas de alimentos hipercalóricos, pois o percentual de gordura corporal pode aumentar desnecessariamente. A atividade física regular não garante uma vida sem doenças quando a dieta é desbalanceada.
A alimentação inadequada pode ser resultado da falta de informação apropriada sobre nutrição, da confusão após a leitura de diferentes informações em livros, blogs, redes sociais e rótulos de produtos, a falta de conhecimento sobre como escolher, comprar ou preparar refeições saudáveis e a pressa ao se alimentar.
ALIMENTAÇÁO CONSCIENTE. São tantas as variáveis que alguns corredores consideram a escolha do tipo e da quantidade de alimentos uma tarefa mais árdua do que o próprio treino. Mas não precisa ser assim. Uma abordagem que guia os corredores para uma alimentação apropriada, naturalmente, é a alimentação consciente.
As técnicas de alimentação consciente ensinam o atleta a se alimentar de forma mais positiva, escolher alimentos que nutrem o corpo, preparam para as corridas, contribuem para a prevenção de lesões e reparo da musculatura. Ensinam o corredor a entender sinais de fome e saciedade, para que possa decidir quando, quanto e o que comer.
O principal princípio da prática de alimentação consciente é estar presente e focado para que se possa tomar decisões acerca da alimentação. O primeiro passo é justamente prestar atenção nas sensações corporais de fome. Parece óbvio, mas a verdade é que existem muitas razões pelas quais as pessoas comem. Uma delas é a fome.
Mas os corredores também comem por ansiedade, por hábito, por terem alimentos disponíveis por perto, por estarem com alguém que come o tempo todo. Comer apenas quando se tem fome, de forma consciente, exige treino. Mas vale a pena, pois essa prática pode ajudar a melhorar a saúde física, o bem-estar geral e o rendimento durante as corridas.
Dicas de alimentação consciente:
– Coma quando seu estômago der sinais de fome e pare de comer quando estiver (quase) cheio. Isso tende a acontecer a cada 2 ou 3 horas para a maioria das pessoas. Hara Hachi Bu significa "comer até estar 80% satisfeito". A técnica é praticada pelos Okinawas no Japão, famosos por terem a maior expectativa de vida no mundo. Descobrir quando parar de comer pode ser um desafio. Mas um dia você soube ouvir seu corpo muito bem. Bebês e crianças pequenas respeitam sabiamente as sensações de fome e saciedade. Comem devagar, mastigam bem e rejeitam a comida quando se sentem saciados. Faça o mesmo. Mastigue mais vezes, de forma mais lenta e "ouça" o que seu corpo tem a dizer.
– Sirva pequenas porções. Estudos mostram que pessoas que se servem em pratos e utensílios de menor tamanho comem menos. Por exemplo, pessoas que compram o balde de pipoca gigante no cinema acabam comendo muito mais do que pessoas que adquiriram o saco pequeno, mesmo quando a pipoca está ruim.
– Quando for comer, dedique toda sua atenção à comida. Um corredor exausto pode querer simplesmente se jogar no sofá e assistir TV, acompanhado de um saco de biscoitos. Infelizmente, as pessoas não fazem bem duas coisas ao mesmo tempo. Quando prestam atenção ao que está passando na televisão, não percebem se ainda estão com fome, não apreciam o sabor do alimento, não mastigam bem. Por isso, recomenda-se que a hora da alimentação seja dedicada unicamente a ela. Coma sentado, preferencialmente à mesa e remova todas as distrações, incluindo os programas de televisão, o telefone, tablet e computador. Assim, torna-se mais fácil apreciar a comida e se conectar ao próprio corpo, às sensações de fome e saciedade, às emoções.
– Antes de comer novamente, pergunte-se: "Estou com fome?" "Por que quero comer isto?", "Quando quero comer isto?", "Vale a pena comer agora?", "O que meu corpo realmente precisa neste momento?", "O que minha alma precisa neste momento?", "Estou me sentindo bem?". Se estiver agitado ou estressado, sente-se, feche os olhos e mantenha a atenção na respiração, por cerca de 2 minutos, antes de iniciar a refeição. A técnica relaxa e permite que você coma mais lentamente.
– Pouse o garfo no prato enquanto estiver mastigando. Engula apenas quando já tiver mastigado bem. Aproveite para sentir a textura do alimento em diferentes partes da boca, assim como os seus vários sabores e aromas.
– Tente fazer sua refeição principal durar por 15 a 20 minutos. Este é o tempo que seu cérebro precisa para compreender que já se alimentou. Espere o alimento chegar ao estômago antes de dar a próxima garfada. Quando você come devagar, também é capaz de perceber mais rapidamente reações negativas como dor, gastrite, queimação, refluxo, gases. Pare de comer quando estiver satisfeito e não espere ficar faminto para fazer a próxima refeição.
– Perceba também o efeito da comida em seu corpo horas depois da refeição. Que efeito o alimento teve em você? Lhe deixou com mais ou menos energia? Quais são os efeitos de diferentes tipos de alimentos e diferentes quantidades em sua corrida?
– É útil permanecer sentado por, pelo menos, dez minutos após terminar de comer, tanto para melhorar a digestão quanto para reequilibrar corpo e mente.
– Medite. De acordo com estudo recém publicado por pesquisadores holandeses, a meditação aumenta a habilidade de uma pessoa em reconhecer os sinais de fome e saciedade, e de regular naturalmente o peso corporal, de acordo com as necessidades do organismo. A meditação também reduz o apelo exercido por alimentos pouco saudáveis.
O EXERCÍCIO DA UVA PASSA
Existem na internet cursos online de alimentação consciente. Estes cursos trabalham, por meio de orientações gravadas, diferentes técnicas meditativas e de autoconhecimento. Um exercício frequente é o da uva passa. Se quiser fazê-lo pegue uma ou mais frutas desidratadas e disponha-as em um prato à sua frente. Observe suas cores e seu tamanho. Pegue apenas uma uva e posicione-a na palma da sua mão. Qual é sua textura? Toque-a com o dedo e sinta cada uma de suas reentrâncias.
Feche os olhos e cheire a fruta. Ela lhe lembra de algo especial? O cheiro é agradável? De onde veio esta fruta? Como foi produzida? Abra os olhos e encoste a fruta em seus lábios. Qual é a sensação proporcionada por este toque? Encoste a uva passa na ponta de sua língua. Que sabor sente? Sem mastigar posicione a uva no centro da sua língua e sinta seu sabor. Movimente-a e tente distinguir diferentes aromas e sabores conforme passeia com ela pela boca.
Dê uma primeira mordida. A fruta é suculenta? É saborosa? Mastigue o mais lentamente que conseguir. Finja que esta é a última uva da face da terra. Quantas vezes consegue mastigá-la antes de engolir? Aprecie cada pedaço lentamente, guardando na memória todas as sensações percebidas. Quando precisar engolir, repita o exercício com a próxima fruta. Depois que terminar, avalie: A fruta estava boa? A experiência foi satisfatória? Você já havia comido uma uva desta forma? A experiência de hoje fez a fruta ficar melhor ou pior? O exercício fez você ficar com mais ou menos fome? Todas as respostas são aceitáveis e fazem parte do treinamento.
Cursos (online e presenciais) em alimentação consciente também discutem os aspectos fisiológicos da fome e saciedade, e ensinam técnicas de meditação. Vários exercícios são praticados proporcionando o desenvolvimento de uma relação mais harmoniosa em torno da alimentação e aumentando o vigor e o foco para futuras corridas.