Já em 1971, fisiologistas franceses classificavam três tipos de corações treinados: aeróbio com cavidades maiores, anaeróbio com as paredes musculares mais grossas e o misto, com as paredes mais fortes e câmaras maiores. O coração do sedentário ejeta em média de 650 a 700 ml. Dos ciclistas de estrada, maratonistas, nadadores de longas distâncias e triatletas, mais de 900 ml. Corredores de 100, 200, 400m e fisiculturistas de 700 a 800 ml. Nos meio fundistas e os que fazem treinamentos mistos o coração pode ejetar de 800 a 900 ml em cada contração ventricular. Dá para entender que o coração do maratonista empurrando, por assim dizer, quase um litro de sangue numa única contração, não precisa bater tantas vezes por minuto.
Por conta dos sinais clínicos idênticos ao coração doente, tais como bradicardia, distúrbios de ritmo, ruídos sistólicos e zonas silenciosas, as alterações fisiológicas de quem pratica atividade física foram durante muito tempo confundidas com doenças cardíacas que emitem os mesmos sinais.
O "coração de atleta" foi o termo encontrado para diferenciar o coração doente do sadio, descoberto por Henschen em 1899, ao comprovar que o coração do atleta é maior, bate menos vezes por minuto principalmente em repouso, tem câmaras cardíacas maiores e mais eficientes. Já o coração doente bate menos vezes por minuto por não ter força suficiente ou por deficiência na estrutura que gera os batimentos cardíacos, chamada de nó sinusal.
As modificações estruturais do coração de quem corre longas distâncias e/ou faz musculação podem promover, ao longo dos anos, aumento de até 85% da massa muscular do ventrículo esquerdo. Embora seja uma modificação funcional bem documentada, não se sabe ainda qual seria o limite da normalidade e a partir de quando esse benefício passaria a representar um risco para a saúde do atleta.
Avaliação periódica é fundamental. Por isso, como já comentamos em edições anteriores, é importante anualmente todo e qualquer corredor fazer sua avaliação cardiológica com seu médico de confiança. Isso possibilita:
1) Identificar se está havendo modificações estruturais cardíacas dentro da normalidade.
2) Diagnosticar possíveis doenças preexistentes que possam levar o atleta a um mal súbito. Algumas delas são silenciosas, induzindo o indivíduo que corre há muitos anos a pensar que com ele nada vai acontecer justamente porque faz exercício. Embora o maratonista estatisticamente adoeça muito menos, não está livre de uma surpresa desagradável.
3) Uma vez detectada uma doença preexistente, as possibilidades de tratamento são maiores, bastando muitas vezes apenas redirecionar o treinamento, evitando intensidade muito alta, como os intervalados e as competições ou ainda, como vimos acima, fazer exercícios leves que gerem duplo produto mais baixo.
Trabalhos bem documentados mostram que, entre as alterações cardiológicas benignas, a hipertrofia ventricular esquerda e a bradicardia sinusal são as mais comuns em corredores fundistas. Freqüência cardíaca de repouso menor que 50 por minuto é bastante comum, independente da idade.
Os corredores de elite são casos à parte. Por executarem treinamentos de elevado rendimento onde a alta intensidade é uma constante, por um lado possuem os maiores índices de modificações estruturais benignas, mas estão muito próximos também do perigo do excesso, não se sabendo ainda ao certo qual é o limite de cada um. Embora raro (mas acontece…), um mal súbito ocorrido num atleta de elite não pode significar que todo corredor tenha o mesmo risco. Como citamos, já foi o tempo em que essas modificações estruturais eram confundidas com doenças cardíacas, entre elas a doença de chagas, que deixa o coração grande também.
Hoje, com a evolução dos métodos de exames, tais como eletrocardiograma, ecocardiograma, teste ergométrico, taxas sanguíneas e hormonais, os cardiologistas têm meios de avaliar e diferençar alterações decorrentes de treinamento físico das patologias preexistentes ou alterações benignas que possam se transformar em malignas por conta dos excessos ao longo dos anos. O que mata não é o exercício e sim a prática inadequada e sem orientação profissional. Como vimos, são muitas as formas de controlar os exercícios na medida certa: freqüência cardíaca, pressão arterial, duplo produto, escala de Borg e bom senso.
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Ótimo texto. OBrigado por compartilhar.