20 de setembro de 2024

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Releitura Redação 29 de outubro de 2019 (0) (151)

Contra-Relógio: 15 anos! Uma história de perseverança

ANIVERSÁRIO – Tomaz Lourenço – OUTUBRO 2008

A data é outubro de 1993, quando saiu a primeira edição da Contra-Relógio. Mas a revista começou a ser idealizada bem antes, quando comecei a correr, em 1990 ou talvez antes. A pouca precisão é decorrente da inexistência de fatos que marcassem essa minha entrada na corrida. Vou explicar melhor…

Naquela época eram raras as corridas e as que aconteciam tinham poucos participantes, mesmo porque só os muito fanáticos pelo esporte tomavam conhecimento delas. É incrível que estejamos falando de menos de 20 anos atrás, mas a realidade era essa mesmo.

Comecei a correr apenas para variar do ciclismo (que praticava regularmente há muitos anos), como fazia todo começo de ano, quando seguia para as férias na praia. Mas em 1990 (ou 89?) fiquei em São Paulo e passei a correr diariamente, ficando impressionado como eu transpirava com essas corridinhas, já que no ciclismo é difícil suar, pelo vento e porque só se desgasta praticamente nas subidas e quando se força muito o ritmo.

 

A outra mudança foi que talvez pela transpiração, pela mudança na atividade física, acabava “esquecendo” de fumar, só lembrando pelo meio da manhã. Não fumava muito, é verdade, mas duas coisas concomitantes (e teoricamente contrárias) foram acontecendo: diminuía sensivelmente o cigarro e perdia peso.

Naturalmente que comecei a gostar muito do meu novo esporte e o ciclismo passou a ficar em segundo plano. Mas em provas mesmo não participava, porque não sabia onde e quando aconteciam. A minha primeira foi uma “corrida contra o fumo”, na cidade universitária da USP, que fiquei sabendo porque treinava por lá. Também entrei numa “Volta da USP” e consegui até um trofeuzinho de faixa etária.

 

Primeira corrida e decepção. A primeira grande corrida foi a Minimaratona da Gazeta, que fiquei sabendo graças a um colega de redação, o único outro corredor na revista em que eu trabalhava. Com largada na Paulista e na distância de 21 km (obviamente não aferidos, como era comum na época), fiquei impressionado com a multidão (mais de 2 mil…) e com a falta de estrutura: havia apenas dois banheiros dentro do prédio disponíveis aos corredores. A conseqüência disso eu vi pouco antes da largada: as pessoas se agachavam e urinavam no chão. Essa cena grotesca eu ainda iria ver por vários anos em outras provas e me marcou muito, a ponto de ter passado a ser uma das bandeiras da revista, na sua luta pela melhora das corridas de rua no Brasil.

Fiz mais algumas poucas provas e continuava treinando regularmente, sem qualquer orientação, como praticamente todo mundo naqueles anos. Paralelamente, minha curiosidade de jornalista era frustrada por não encontrar nada para ler a respeito de corridas de rua. Soube que tinha havido alguns jornalzinhos, mas de vida curta e de periodicidade “de vez em quando”. Então fui em busca de livros e encontrei apenas “O Guia Completo de Corrida”, do americano James Fixx, que era interessante e até informativo, mas com capítulos pouco apropriados à nossa realidade, como “Dicas para correr quando está nevando”. Só depois do lançamento da CR é que soube ter havido a revista “Viva”, no Rio de Janeiro, por pouco mais de 1 ano e encerrada, acredito, em 1992.

As corridas eram pouco organizadas, mas algumas tinham até bastante participantes e eu não entendia como todo esse pessoal não era atendido por alguma publicação, que lhe informasse e até que defendesse seus interesses. Acho que começou aí a minha idéia de lançar uma revista, mas estava mais para sonho, porque naquela época era algo bastante complicado, em termos gráficos.

 

Correr uma maratona! Então aconteceu um fato muito importante na minha vida de esportista/jornalista. Após um treino na USP, em maio de 1992, conversando com um colega, o médico Wanderlei Sokolovski, comentei que tinha tomado conhecimento sobre maratonas e que talvez um dia encarasse uma. Ele me falou que dali a dois meses estaria acontecendo a de Blumenau, e que era a melhor prova nessa distância no Brasil. E me convidou a fazer um treino no domingo seguinte, junto com um grupo orientado pela treinadora Silvana Cole.

Esse grupo, de 20 e poucos corredores, treinava exclusivamente para a Maratona de Blumenau; não participava de mais nada, mesmo porque havia poucas opções. Era um treino de 25 km, que eu não consegui finalizar porque me empolguei e quebrei. Não tinha as manhas das corridas longas, mas no domingo seguinte estava lá de novo e dessa vez completei o percurso de 30 km, sem problemas.

Passei a só pensar no assunto (maratona) e me dediquei aos treinamentos naqueles dois meses. Fomos (eu e minha esposa Cecília) de carro para Blumenau e quando pegamos a estrada, logo após Itajaí, vi uma marca no chão e deduzi que era ali a largada da maratona. Fiquei impressionado e assustado com a distância que iria percorrer dois dias depois.

A projeção da treinadora, com base no último treino de 36 km, era de que eu completaria em torno de 3h15. Ela deu as recomendações, para que me mantivesse no ritmo planejado, dizendo que tudo daria certo se eu seguisse o combinado. Na véspera da prova naturalmente que não dormi e lá pelas 4 da manhã pegamos os ônibus que nos levavam para a largada, próximo a Itajaí.

Iniciada a maratona, me empolguei e seguia no vácuo de grupo de corredores, um cacoete do ciclismo, que tenho até hoje, diga-se de passagem. Quando passei pela marca da meia-maratona levei um susto: 1h29! Comecei a me preocupar com o tal “muro”, que poderia quebrar na parte final etc. Decidi segurar o ritmo, mas volta e meia lá ia eu com alguns corredores mais rápidos. Acabei completando em 3:04:30, 10º colocado na faixa etária 45/49 anos.

O contato com a Maratona de Blumenau e com seus participantes me marcou demais, reforçando a idéia de lançar uma publicação. Era, enfim, um contingente expressivo (quase 2 mil corredores naquele ano) carente de informações de todo tipo. E, por outro lado, que deveria ser melhor tratado pelos organizadores de provas; como exemplo, a Maratona de Blumenau, considerada a melhor do país então, não tinha um só banheiro na largada, uma situação degradante, especialmente para as mulheres.

 

A tragédia do ônibus. Voltei empolgado da minha estréia nos 42 km e a grande meta passou a ser completar a prova abaixo de 3 horas no ano seguinte. E assim fiz, treinando muito desde o começo de 1993 e praticamente não participando de qualquer prova, assim como os outros integrantes da equipe. Segui para a largada com o ônibus do grupo, mas este acabou se perdendo e chegamos atrasados em Itajaí, uns 4 minutos depois da largada e um pouco distante do local de saída. O desespero da maioria foi grande, já que todos tinham treinado 6 meses especificamente para a prova e a conseqüência é que saímos em ritmo alucinante, totalmente fora do que seria recomendado.

Lá pelo meio da maratona, confuso sobre qual era o meu tempo na prova e extremamente irritado com o que tinha acontecido, resolvi que apenas completaria, pois a meta das sub 3 horas tinha ficado inviável. E assim fui para a chegada que acredito ter passado em torno de 3h07. Segui direto para o hotel, tomei banho, arrumei as malas e pegamos o carro para voltar para São Paulo. Ao começar a viagem, comuniquei à Cecília: “Sabe aquele projeto que estou pensando há alguns meses, de lançar uma revista especializada em corridas de rua e maratona? Ele começa a se concretizar a partir deste momento. Segunda-feira dou início a ele!”

 

Que nome dar? Enquanto procurava me inteirar sobre o que é lançar uma revista, os custos, os procedimentos legais etc, comecei a procurar formas de comunicar aos corredores brasileiros que eles passariam a contar com uma publicação especializada, ao mesmo tempo informativa e combativa, para que as corridas de rua no Brasil fossem melhor organizadas e tratassem os participantes com mais respeito, ou seja, que as provas saíssem no horário, que houvesse banheiros em quantidade razoável, atendimento médico, trânsito controlado, água no percurso e tudo o mais que encontramos hoje na maioria de nossas provas.

Havia ainda a questão do nome da revista. Que nome dar? A resposta veio quando vi uma foto de largada em que quase todos estavam com a mão no relógio/cronômetro. Ou seja, os corredores enfrentavam a distância numa luta pessoal contra o relógio; só alguns poucos estavam preocupados em chegar em determinada posição. Daí para o nome Contra-Relógio foi o passo lógico, mas por algum tempo ainda tive que “explicar” como ele tinha surgido e que nada tinha a ver com meus anos de ciclismo, em que existe uma prova chamada contra o relógio.

Definido o nome, entrei em contato com alguns organizadores, solicitando que me dessem o cadastro de participantes em suas provas, para enviar um informe sobre o lançamento da Contra-Relógio. Mandei alguns milhares de folhetos pelo Correio e a resposta foi incrível: um mês antes do lançamento da revista, já tínhamos centenas de assinantes. Era reflexo da carência que sentiam os corredores brasileiros de ter uma publicação especializada.

Depois foram anos de contatos em corridas praticamente todos os fins de semana e a revista foi crescendo paulatinamente, sempre com muita seriedade e ganhando dos corredores imensa credibilidade.

 

As “bandeiras” da revista. Desde o início a Contra-Relógio procurou levar informações objetivas aos leitores, como o calendário de provas, e outras de ordem geral relacionadas ao esporte, como treinamentos, matérias de saúde, nutrição, fisiologia etc. Paralelamente realizamos um trabalho de conscientização dos corredores, para que não aceitassem a falta de organização nas provas, e por outro lado fazíamos críticas construtivas sobre os eventos, o que incluía sugestões para um melhor atendimento aos inscritos. São dessa época as famosas “mãozinhas” com o polegar para cima e para baixo, avaliando as provas em que a revista acompanhava, geralmente com o editor participando.

As corridas passaram a sair no horário, ter trânsito controlado, atendimento médico, banheiros (estavam surgindo os banheiros químicos), água no percurso, medalha para todos (o comum então era “medalha para os x primeiros”) e outros aspectos hoje comuns.

Depois de algum tempo a Contra-Relógio iniciou uma nova campanha, que foi a de que as corridas tivessem percurso em distância aferida. O sistema de apuração até que avançava, inicialmente com código de barras e depois com o chip, mas poucas eram as provas com percurso devidamente medido. Ou seja, eram divulgados os tempos dos participantes, mas isso tinha pouca credibilidade, já que não se sabia qual distância havia sido percorrida.

Essa bandeira da revista foi apoiada pela Confederação Brasileira de Atletismo, que chegou inclusive a elaborar um ranking de resultados por distância, tomando como base as provas que fossem consideradas “oficiais”. Para tanto, estas eram obrigadas a cumprir uma série de regras, tanto técnicas (percurso aferido, cronometragem eletrônica etc) quanto de respeito aos participantes.

Estimulando, mas também forçando um pouco a situação, a atuação da revista acabou colocando as corridas brasileiras nos eixos, daí a expressão que ficou conhecida na época de que “as corridas no Brasil se dividem entre antes e depois da Contra-Relógio”.

 

Como a revista se viabilizou. Assumi a iniciativa de lançar a CR com enorme entusiasmo, apesar de alguns fatos desanimadores. Conversando com vários corredores, muitos diziam que o projeto teria dificuldade de vingar porque os corredores, em sua maioria, eram pessoas sem interesse por leitura e de baixa renda. Era quase um “se não existe nenhuma revista é porque não existe mercado para isso”. Também fiquei sabendo que uma grande editora tinha feito um amplo estudo para lançar uma publicação sobre corrida e desistido da idéia.

A verdade é que a Contra-Relógio se viabilizou inicialmente apenas com assinaturas, já que não era vendida em bancas e a publicidade era inexpressiva. Mas aos poucos também os anunciantes foram chegando e a revista foi crescendo em número de páginas e passando a ser referência para as corridas e os corredores brasileiros.

Agora a realidade é totalmente distinta e bem melhor, e acreditamos que a CR teve papel fundamental para que ocorresse essa evolução. Salve os 15 anos de mudanças e avanços das corridas brasileiras!

 

15 MUDANÇAS NOS 15 ANOS

1 – Banheiros químicos. Eram muito caros, muito simples – quase ninguém alugava – poucas empresas também ofereciam. Resultado: os corredores tinham que se “virar” para achar uma solução. Hoje quase todas oferecem essa comodidade.

 2 – Camisetas. Quando existiam, eram de algodão e geralmente regatas; aí começam a aparecer as com manga e a partir de 2000 vieram as em tecido sintético, que passaram a ser referência, e todas as provas tiveram quase que obrigatoriamente de oferecê-las.

3 – Apuração. Muitas provas só apuravam os resultados dos primeiros colocados; os demais eram apenas classificados conforme chegavam, através de anotação ou por recolhimento de senhas presas aos números e colocadas em espetos. Aí se fazia a classificação. Depois vieram as senhas com código de barras e o processo ficou um pouco mais ágil. Eram comuns filas antes da linha de chegada, para a coleta das senhas; as provas mais organizadas faziam esse recolhimento usando várias baias. Então chegaram os chips, considerados como a grande salvação e sinônimo de modernidade e eficiência. Era efetivamente um sistema rápido, mas os cadastros eram mal feitos e as classificações equivocadas eram comuns (só que rápidas…) Agora são várias as opções de sistema de apuração por chip.

4 – Fotos de corredores. Hoje por vezes fica até difícil correr em uma prova, tal o número de fotógrafos. É necessário ir se desviando deles. Antigamente havia uns poucos abnegados (como nosso amigo Tião Moreira em SP, a Mariazinha no Rio, o Dittmann em Curitiba etc).

5 – Procedimento de inscrição – Talvez a evolução mais expressiva destes 15 anos. Enquanto hoje acontece praticamente tudo pela internet, pelo menos nas provas médias para cima, antes era necessário fazer depósito, passar fax, preencher a ficha de inscrição, remeter pelo Correio ou por fax, sem contar as inscrições “no dia”.

6 – Abastecimento no percurso. Quando havia… eram oferecidos aos corredores copos de água; depois passaram a dispor também de água gelada, apareceu Gatorade e também o gel de carboidrato.

7- Sites de corrida. Quantos são? Com certeza centenas, talvez milhares. Todo mundo tem o seu. Não havia absolutamente nada há 15 anos, já que a internet no Brasil ainda estava engatinhando.

8 – Assessorias esportivas. Há 15 anos eram raras e hoje transbordam e se sofisticam nos serviços. Só perdem na proliferação para os sites de corrida.

9 – Maratonas de revezamento A primeira foi a do Pão de Açúcar, surgida junto com a revista em 1993. O sucesso foi enorme e alguns anos depois a idéia passou a dar cria e variações, como a Volta à Ilha, por sua vez matriz para muitas outras, inclusive as de “aventura”.

10 – Crescimento das corridas – No final dos anos 90 eram poucas as que alcançavam mais de 3 mil corredores – a maior, a São Silvestre, por exemplo, teve 371 mulheres e 4.915 homens terminando em 1993. Depois foram se multiplicando as corridas de 10 km e de menor distância, atraindo muita gente, mas as com mais de 10 mil participantes são recentes. Números maiores apenas nas de revezamento, na da Nike, Meia do Rio, Volta da Pampulha e algumas da Corpore em São Paulo.

11 – tecnologia. Muitos foram os lançamentos nesse período de ferramentas para ajudar os corredores. A começar pela evolução dos relógios-cronômetros seguidos dos monitores de freqüência cardíaca, pedômetros e GPS.

 12 – Muita informação. Hoje os corredores brasileiros têm acesso às mais variadas informações sobre corridas em revistas, sites, treinadores, enquanto há até alguns anos praticamente só havia a CR.

13 – Participação feminina. Elas eram pouquíssimas há alguns anos e com razão, já que as estruturas das provas eram precárias e prejudicavam especialmente as mulheres, bastando lembrar a inexistência de banheiros em algumas corridas. Agora elas são bastante atuantes, mas ainda restritas a provas de menor distância, sendo em pequeno número em maratonas, geralmente em torno de apenas 10%, enquanto no exterior elas chegam a ser até 50%.

14 – Mais e melhores tênis. Há 15 anos os corredores dispunham de poucas opções em tênis e estes eram bastante limitados em termos de tecnologia. Mas foram evoluindo, marcas em número crescente passaram a ser comercializadas e atualmente se encontra por aqui praticamente o que de melhor existe do mercado internacional de tênis específicos para corrida.

15 – Grande evolução da organização geral de provas. Tudo melhorou: largada no horário; banheiros químicos; guarda-volume;  vestiários; atendimento médico; controle de trânsito; abastecimento;   percurso aferido e bem sinalizado; medalha e camiseta de participação;  lanche na chegada etc.

 

DUAS NÃO MUDANÇAS

 

1 – Estagnação das maratonas brasileiras (ao contrário do que acontece no exterior). É um fato: os números revelam que temos menos de 10 mil maratonistas. A razão principal para essa estagnação está nas muitas opções de provas de menor distância, para as quais não há necessidade de uma preparação especial – “correr 10 km é fácil” como se costuma dizer. Também “jogam contra” o crescimento das nossas poucas maratonas o calor na maior parte do ano e o fato das largadas não serem bem cedo.

2 – Uma quase não mudança: treinamento. Curiosamente, apesar de tanta evolução nas corridas de rua, praticamente se treina da mesma forma que há 20 anos. Apenas os treinadores procuram “sofisticar” a preparação, com algumas variáveis, para quebrar a rotina.

 

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