20 de setembro de 2024

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Sem categoria admin 4 de outubro de 2010 (0) (94)

COMRADES! Uma prova única! Inesquecível!

Eu imaginava mais ou menos o que iria encontrar por lá, ou seja, uma prova dura, devido à longa distância e à dificuldade do percurso, mas também uma prova festiva, pela quantidade de participantes e pelo público ao longo do trajeto. Mas na realidade a Comrades é muito mais que uma ultramaratona. É uma prova única!

O sofrimento é grande, mesmo para quem vai para lá bem treinado, o que, aliás, deve ser a maioria. Quase nada dos 89 km são planos, mas o clima que envolve a prova, as pessoas ao longo da estrada, só com palavras de incentivo, muita música, tudo isso torna a corrida menos sofrida, mais prazerosa.

Para quem já correu algumas maratonas, que já teve o prazer de enfrentar e vencer os 42 km, em poucas palavras posso dizer que a Comrades é tudo em dobro, isto é, a necessidade de preparação, o sofrimento e a alegria no dia (e depois…). E acho que dá pra dizer que não deve existir nada parecido no mundo em termos de corrida.

Enfim, nenhuma outra ultramaratona tem 12 mil corredores, nenhuma outra tem milhares de pessoas ao longo do percurso apoiando, oferecendo carinho e coisas de comer e beber (além dos postos de abastecimento), provavelmente nenhuma outra seja tão dura, seja nos anos pares (em subida) como nos ímpares (em descida).

SAÍDA NA MADRUGADA
A maioria dos brasileiros, e dos corredores em geral, saiu de Durban nos ônibus da organização, a partir da 3 da madrugada, para uma viagem de 1h30 até Pietermaritzburg. Eu e mais os assinantes Maria Eugênia, Zancopé, Regina e Agnaldo optamos por ir dormir já lá em cima, para ganhar algumas horas a mais de sono, o que obviamente não se concretizou como esperávamos, dada a ansiedade, mas deu para descansar. Aliás, no próximo ano a saída é mais tranqüila, às 5 horas, de Durban, que dispõe de uma ótima e ampla rede hoteleira.

LARGADA EMOCIONANTE
Já esperava uma largada emocionante, pois ninguém naquele momento tem absoluta certeza que irá terminar a prova. Antes, quando caminhava para a baia, junto com  Maria Eugênia e mais uma multidão, começamos a ouvir um cantor puxar um refrão no som e milhares de corredores começaram a cantar junto "Shosholoza", uma canção popular, que fala algo como "temos que ir para a frente, pelas montanhas". Foi de arrepiar! Depois o hino nacional, a tradicional "Carruagens de Fogo", o cantar do galo e o tiro de largada.

Os primeiros quilômetros, ou melhor, as primeiras horas, passam muito rápidas, talvez pela prova começar à noite e pela multidão correndo. Como a saída é bem organizada em baias, os corredores vão caminhando para a linha de largada (eu, que estava na penúltima baia, demorei 5 minutos para passar no tapete do chip) e então começam a correr, mas numa boa, mesmo porque ao lado se tem corredores do mesmo nível técnico e atrás os mais lentos.

A corrida é tranqüila desde o começo, sem atropelos, pois todos têm consciência que se trata de uma prova de resistência. Quando se nota, descobre-se uma placa enorme com a marca de 70 km, ou seja, que já se correu 19 km e que só "falta" aquela distância.

MINHAS "DUAS" CORRIDAS
Quando saí para os 89 km da Comrades não tinha uma estratégia rígida, apenas de correr numa boa o tempo todo, sem forçar. Meu maior longo tinha sido de 8 horas e estava relativamente confiante que terminaria entre 10h30 e 11 horas, se não acontecesse nenhum problema sério, como uma dor no joelho, na coluna ou as sempre temíveis câimbras.

E assim foi, correndo tranqüilo toda a primeira metade, sem caminhar, mesmo nas subidas, que fazia num trotinho lento, mas mesmo assim ultrapassando um monte de gente, porque quase todos (do meu nível) caminhavam nesses trechos. A metade da prova foi passada em 5h05, o que me deixou confiante para a segunda parte, ainda mais que sabia que nesta havia o predomínio de descidas.

Tudo esteve bem até (acho) a placa dos 29 km (ou seja, a distância que faltava), quando as câimbras chegaram. Enfim, as pernas tinham todo o direito de reclamar daquele sobe e desce, mesmo que relativamente devagar, após 60 km. Então, naturalmente passei a caminhar para ver se elas iam embora, mas a caminhada só piorava as coisas e por isso decidi que procuraria manter a corrida, apenas mais lento ainda.

As placas de km, que no começo nem via e quando via ficava surpreso sobre como elas passavam rápido, agora demoravam uma eternidade. E não é força de expressão. Houve vezes que me animava achando que alguma tinha caído ou não colocada, daí a demora em aparecer, esperando então encontrar a, por exemplo, placa de 24 km, mas quem aparecia era mesmo a de 25 km.

Estes últimos 29 km foram mesmo muito longos, ao contrário dos primeiros 60 km que passaram rápidos. Além do desgaste físico, eles acabaram também me trazendo um grande desgaste psicológico.

SUB 11 HORAS?
Aquela minha passagem pelo km 44,5 km (metade da Comrades) em 5h05 tinha me dado confiança que terminaria facilmente em menos de 11 horas, com direito então à medalha de bronze. Só que com o advento das câimbras e a redução do ritmo essa vantagem foi se diluindo.

Aí começaram a pipocar na minha cabeça dois pensamentos, especialmente nos últimos 10 km. Um dizia para seguir numa boa, andando até, e completar no tempo que fosse, já que não havia risco de ultrapassar o limite das 12 horas. O outro pensamento falava: você já correu 80 km, se esforçou e agora não vai se empenhar para fazer estes últimos quilômetros de forma a terminar em menos de 11 horas?

E este pensamento tinha razão, já que tinha 1h05 para fazer os últimos 9 km, ou seja, quase 7 min / km. Mas o outro contra-argumentava que as medalhas eram praticamente iguais e que não valia a pena. Aí decidi que o melhor era continuar correndo sempre, até com medo que as câimbras viessem mais fortes se começasse a caminhar por muito tempo.

Mas para piorar, descobri que tinha desligado o cronômetro sem querer (coisas que acontecem depois de 80 km) e que então precisava fazer as contas pelo relógio mesmo. Como tínhamos largado às 5h30, precisaria terminar antes de 16h30, só que me lembrei que quando foi dada a largada o relógio da torre da prefeitura marcava um pouco menos, assim como o meu.

Dessa forma, na dúvida, achei melhor correr para chegar uns 2 ou 3 minutos antes das 16h30, o que significou um ritmo que não sei de onde consegui tirar para os 4 ou 5 km finais. Apenas quando cheguei ao lado do estádio ouvi no som que faltavam 7 minutos para a prova completar 11 horas e pude relaxar um pouco, fazendo os últimos metros bem tranqüilo, para fechar em 10h54. Mas as pernas me cobrariam depois, pelos dias seguintes, dores musculares como há muito tempo não me acontecia.

NO ANO QUE VEM, EM SUBIDA
Terminada a prova e recepcionado pela Cecília, que tinha acompanhado os ponteiros no carro de imprensa, fui encontrar os outros brasileiros na área reservada aos estrangeiros. Muita confraternização, mas o cansaço era grande e então fomos caminhando para o hotel (a pouco mais de 1 km). No caminho falamos de nossas experiências naquele domingo tão especial e naturalmente surgiu a questão: 1ª e única Comrades? Ou voltamos no ano que vem?

Pelas dores, fiquei inicialmente com a primeira opção, mas depois, lembrando da maravilha que é a prova e até de que a corrida "em subida" deverá ser menos sofrida porque não há a batida das pernas nas fortes descidas (além de 2 km a menos no percurso), me peguei pensando lá estar novamente no dia 22 de junho, na largada em Durban às 5 da manhã. E para ganhar a medalha especial back-to-back, para quem faz duas Comrades seguidas e, dessa forma, me tornar um "conradeiro" completo.

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